Leonardo Boff
Teólogo
Passei um fim de semana lendo pela enésima vez O Príncipe de Maquiavel
no esforço de entender a atual política da Direção Nacional do PT. E
ai encontrei as fontes que possivelmente estão inspirando o assim
chamado "novo PT", aquele que trocou o poder da vontade de transformar
a realidade pela vontade de poder para compor-se com a realidade,
notoriamente envenenada com o propósito de perpetuar-se no poder. Nas
palavras do candidato eleito pela convenção do partido em Minas
Gerais, Fernando Pimentel e depois invalidado, em nome da aliança com
o PMDB: "o PT novo é o PT que faz alianças e convive com a realidade
política brasileira, buscando transformá-la. .. Não somos mais um
partido que coloca a ideologia como uma máscara, como óculos escuros
para não enxergar a realidade política; operamos com a realidade
política do jeito que ela é, para transformá-la"(O Globo 12/6/2010).
Vamos traduzir esse discurso de disfarce. A ideologia básica do PT
originário era a ética e as reformas estruturais. O novo PT entende
este propósito como uma máscara que não permite enxergar a realidade
política do jeito que ela é. Sabemos como é o jeito da política
vigente, montada sobre alianças espúrias, sobre a mercantilizaçã o das
relações políticas e sobre a rapinagem do dinheiro público. Pimentel
ainda acredita que com as alianças se pretende transformar a
realidade, como se para transformar uma gangue de bandidos devesse
fazer parte dela. A ética foi enviada ao limbo e em seu lugar entraram
os conselhos de Maquiavel. Este teve um propósito semelhante à Direção
do PT: "ir diretamente à verdadeira realidade das coisas e não ater-se
a representações imaginárias" (c.XV). Para Maquiavel a verdadeira
realidade das coisas é a busca tenaz do poder, as formas de
conquistá-lo e de conservá-lo. E ai vale tudo; os fins
justificam todos os meios: o perjúrio, o crime e até o bem se ele
trouxer vantagens. As "representações imaginárias" é a ética, o que
deve ser. Ela não é posta de lado; até vale desde que favoreça o
poder. Caso contrário pode ser atropelada:"não se afastar do bem
quando se pode, mas saber usar o mal, se necessário" (c.XVIII). O
importante não é ser bom, mas parecer bom. Não há porquê cumprir a
palavra empenhada, se ela se volta contra o príncipe pois "jamais
faltarão motivos legítimos para justificar o não cumprimento de algo
apalavrado"(c.XVIII).
É entristecedor ler em Pimentel:"nesse processo de renovação, alguns
companheiros vão ficar no passado". Estes, na verdade, são os
portadores do futuro porque são fiéis à ética e ao sonho de uma
política diferente do jeito como é feita. A Direção do PT se rendeu a
ela, fazendo alianças escandalosas para se perpetuar no poder e assim
se atolando no passado. O povo não merece ser defraudado desta forma.
Não é investindo em políticas assistenciais que se possa
substituir-lhe a dignidade. Mesmo assim, há tantos nas bases,
deputados, prefeitos e vereadores do PT antigo e ético que mantém vivo
o sonho e que não abandonam a questão: que Brasil queremos e que ética
pública precisamos?
Quero me solidarizar com as vítimas do maquiavelismo do "novo" PT,
especialmente em Minas Gerais e no Maranhão. Neste Estado está
ocorrendo uma tragédia, bem representada pelo histórico sindicalista
Manoel da Conceição, de 75 anos, fundador do PT, torturado e mutilado
pela polícia das oligarquias entre as quais estão os Sarneys, sendo
obrigado a votar em Roseana Sarney do PMDB. Em carta aberta ao
companheiro Lula, de fazer chorar, escreve "com ternura e amor de um
irmão": "como eleger essas figuras que me mutilaram, torturaram e
mataram dezenas de meus mais fiéis companheiros. .. isso fere de morte
a nossa honra e a nossa história". Mas o projeto de poder não tem o
mínimo sentido humanitário: Maquiavel dixit.
Da mesma forma quero me solidarizar com as vítimas de Minas Gerais,
com Sandra Starling, com Patrus Ananias, dos melhores ministros do
Governo, com Durval Ângelo, paladino dos direitos humanos e de tantos
e tantas que estão sofrendo indignados.
Nem tudo vale neste mundo. E se Cristo morreu, foi também para mostrar
que nem tudo vale e que para tudo há algum limite, válido também para
o PT.
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