segunda-feira, 31 de agosto de 2015

O novo pacote legislativo para a prevenção da violência nos despejos forçados

O governador Flávio Dino assinou um Decreto que regulamenta o uso da força policial nas reintegrações de posse nos meios urbano e rural.

O decreto está restrito aos casos onde houver famílias efetivamente residindo em habitações de qualquer tipo, abrangendo situações de posse nova ou antiga.

De acordo com esse regulamento (sim, porque efetivamente pode ser entendido como regulamento da Lei nº 10.246 de 29 de maio de 2015, que criou a Comissão Estadual de Prevenção à Violência no Campo e na Cidade COECV), o "Manual de Diretrizes Nacionais para Execução de Mandados Judiciais de Manutenção e Reintegração de Posse Coletiva", editado pela Ouvidoria Agrária Nacional, passa a ser de cumprimento obrigatório para a Polícia Militar em todo o território do Estado, cuja inobservância acarretará a promoção de responsabilidades administrativas.

O decreto vem em socorro da COECV, criada com o objetivo de mediar os conflitos fundiários no campo e na cidade nos moldes da Convenção 169 da OIT, da Lei Federal nº 8629/1993, dos Decretos Federais nº 4.887/2003 e 6.040/2007 e da Lei Estadual nº 9.169/2010. O conjunto normativo citado por essa lei refere-se à realidade de populações tradicionais, tais como quilombos, extrativistas, posseiros e indígenas, bem como à população beneficiária da reforma agrária de modo geral.

No geral, as duas leis promoverão a conciliação e a mediação, como técnicas de solução de conflitos, bem como abrirão espaço para a a intervenção fundiária nos casos que se fizerem necessários, postergando soluções de força.

A nova legislação constitui um avanço no ordenamento jurídico estadual e exigirá mais esforços para a reestruturação do órgão fundiário estadual, para o fortalecimento da COEVC a partir da presença da sociedade civil e de outros órgãos de grande importância para a resolução de litígios fundiários, bem como para constituição de um outro modelo de intervenção policial nesses casos.

Evidentemente, as normas não terão o condão de induzir um novo processo de desenvolvimento, onde a agressividade do agronegócio, dos grandes empreendimentos e da especulação imobiliária sejam contidos.

O novo pacote legislativo surge no cenário de vários casos seguidos onde a intervenção policial redundou em violência e até na morte do jovem Fagner Barros dos Santos, na Vila Luizão, no último dia 13 de agosto.

Veja a lei abaixo:


Diário Oficial do Estado de 26 de agosto de 2015:


PODER EXECUTIVO

DECRETO Nº 31.048, DE 25 DE AGOSTO DE 2015


Dispõe sobre o uso de Força Policial para atendimento às determinações do Poder Judiciário relativas às reintegrações de posse e similares, nos meios urbanos e rural.

O GOVERNADOR DO ESTADO DO MARANHÃO, no uso das atribuições que lhe confere o art. 64, inciso III, da Constituição Estadual.

DECRETA:

Art. 1º O atendimento às determinações do Poder Judiciário sobre reintegrações de posse e similares, nos meios urbano e rural, quando houver famílias efetivamente residindo em habitações de qualquer
tipo, ocorrerá após o esgotamento de todas as providências previstas na Lei nº 10.246 de 29 de maio de 2015.

Art. 2º Na execução das determinações do Poder Judiciário devem ser observadas as orientações fixadas no "Manual de Diretrizes Nacionais para Execução de Mandados Judiciais de Manutenção e
Reintegração de Posse Coletiva", editado pela Ouvidoria Agrária Nacional.

Parágrafo único. Tais diretrizes passam a ter caráter obrigatório para a Polícia Militar do Maranhão, de modo que haverá a promoção de responsabilidade administrativa em caso de inobservância.

Art. 3º Esgotados os procedimentos acima apontados e frustrada a execução da medida judicial mediante conciliação, a Força Policial deverá cumprir as determinações do Poder Judiciário, com uso exclusivo dos meios proporcionais e indispensáveis à execução da medida.

Art. 4º Revogam-se as disposições em contrário.


PALÁCIO DO GOVERNO DO ESTADO DO MARANHÃO,
EM SÃO LUÍS, 25 DE AGOSTO DE 2015, 194º DA INDEPENDÊNCIA
E 127º DA REPÚBLICA.


FLÁVIO DINO
Governador do Estado do Maranhão

MARCELO TAVARES SILVA
Secretário-Chefe da Casa Civil

quarta-feira, 26 de agosto de 2015

Conselheiro da Reserva Biológica do Gurupi, no Maranhão, é assassinado

CIMI



Raimundo Rodrigues era conselheiro atuante desde 2012. No momento da emboscada, ele estava acompanhado da esposa, que foi atingida e segue internada. O casal residia na Comunidade Brejinho das Onças, localizada na Reserva Biológica do Gurupi, no município de Bom Jardim, Maranhão.

(Com informações da CPT e G1 MA)

O conselheiro do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) na Reserva Biológica (Rebio) do Gurupi, no Maranhão, foi assassinado na tarde dessa terça-feira (25), na cidade de Bom Jardim, a 275 km de São Luís, próximo onde morava.

Raimundo Santos Rodrigues estava acompanhado da esposa, Maria da Conceição, que foi atingida por tiros e levada ao Hospital Municipal de Imperatriz, a 412 km de distância de Bom Jardim.

Ele era conselheiro desde 2012. “Os madeireiros odiavam ele, porque ele os denunciava. Ele era bastante atuante na região, defendia a comunidade, participava do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Bom Jardim”, disse um companheiro de trabalho, que prefere não ser identificado, ao G1.

O corpo do conselheiro está em Buriticupu, a 200 km de Bom Jardim, e ainda não foi liberado. Raimundo deixa seis filhos.

Com 271.197,51 de hectares, a Rebio do Gurupi é uma das unidades de conservação administradas pelo ICMBio na região da Amazônia Legal, com coordenação regional vinculada ao CR4 (Belém, PA).

Histórico

A Comunidade Brejinho das Onças está localizada na Reserva Biológica do Gurupi, no município de Bom Jardim, onde mais de 100 famílias vivem da agricultura de subsistência, criação de pequenos animais, caça e pesca, com observância para a preservação ambiental pelo Instituto Chico Mendes. As famílias ocupam a área há mais de 50 anos e, por Decreto Federal, são parte integrante da reserva Biológica do Gurupi.

Desde 2014, conforme informações do Centro de Documentação Dom Tomás Balduino, da Comissão Pastoral da Terra (CPT), a comunidade é perseguida por um latifundiário de Imperatriz, ligado a grupo político da região. Além disso, os moradores e moradoras da comunidade têm sofrido ameaças de pistoleiros.

Nesse mesmo ano, o latifundiário, utilizando-se de fraude cartorial, ingressou na Justiça Estadual com pedido de reintegração de posse. O juízo de primeiro grau decidiu de forma favorável ao latifundiário. Diogo Cabral, advogado da Federação dos Trabalhadores e Trabalhadores na Agricultura do Maranhão (Fetaema) e da CPT, interpôs recurso no Tribunal de Justiça do Maranhão, contra a concessão da liminar. O Tribunal acatou o pedido e determinou a permanência das famílias na Comunidade Brejinho das Onças.

sexta-feira, 21 de agosto de 2015

Direitos humanos e a crítica da crítica zarolha: o caso da Vila Luizão

foto1
Imagem: Blog do Jorge Aragão.

Nas comunidades do whatsapp dos militares da capital, em primeira mão, apareceu a notícia de que o exame de balística deu negativo nas armas apreendidas dos policias militares, no caso de reintegração de posse da Vila Luizão.

A informação não foi ainda confirmada, mas foi o suficiente para gerar novas postagens nos blogs de oposição ao governo principalmente, que anunciaram a possibilidade de uma reviravolta no caso, tendo em vista duas coisas:

a)uma imagem de vídeo, que retrataria uma suposta arma nas mãos de uma pessoa da comunidade no momento do despejo.
b) a notícia de que o resultado da perícia nas armas apreendidas não demonstrou compatibilidade com o projétil que provocou a morte de Fagner Barros dos Santos.

O resultado do exame de balística não foi divulgado oficialmente e a imagem da suposta arma é apenas uma suposição, diante da má qualidade do vídeo, mas tudo foi apresentado como um argumento para responsabilizar o governo pela prisão injusta de dois cabos da PM - acusados pela prática do disparo.

A linha de raciocínio coincide com a estratégia de defesa dos PMs: vai no sentido de que armas dos próprios atingidos pelo despejo teriam disparado contra Fagner Barros dos Santos, mas esquece dos outros disparos efetuados pela PM, inclusive nas fachadas das casas.

De imediato abriu-se o debate nas redes sociais, nos programas de rádios e blogs.

O problema para nós, que analisamos os fatos a partir de uma visão de garantia dos direitos humanos, é qual o debate nos interessa fazer.

Evidentemente que o governo Flávio Dino deve satisfações à corporação militar, diante de quaisquer medidas punitivas adotadas sem o respaldo de provas substanciais. Será desconcertante constatar que a prisão dos dois militares não passara de uma manobra para blindar o comando da operação e o próprio governo. Nesse caso, ninguém em sã consciência defenderá a manutenção de uma prisão desse tipo. 

Para nós, no entanto, interessa fazer a crítica da crítica, porque o nosso foco não é simplesmente desgastar o governo e nem tampouco impor a punição a PMs que efetivamente não tiveram participação no homicídio.

A crítica pela direita quer responsabilizar o governo mas acha legítimo fazer o despejo forçado. Tem interesse de provocar a ruptura do Comando com a base da tropa, mas acha correto o modelo de resolução do problema fundiário, por isso nem toca no assunto.

De uma perspectiva de direitos humanos, repudiamos o excesso no uso da força policial e não a separamos do contexto de um modelo de polícia e de um modelo de desenvolvimento que nega o direito à moradia ao mais pobres.

O excesso no uso da força policial foi visível, não apenas pela morte de Fagner Barbosa, mas também pelo ferimento na perna de um adolescente de 13 anos e pelos diversos disparos de arma de grosso calibre na fachada das casas. 

A responsabilidade por esse excesso resta evidente que não pode recair apenas nas costas dos PMs comandados, embora o excesso deva ser individualizado, quando extrapole os limites do comando.

 Houve uma situação em que vários integrantes da tropa passaram a utilizar armamento letal, desequilibrando a proporcionalidade no uso da força, visto se tratar de um bairro e não de um covil de criminosos ou de um campo de guerra. E nesse momento, cabia ao comando da operação agir.

E por último a defesa do direito de moradia não pretende santificar todas as pessoas que ali estavam resistindo ao despejo. Mas interessa saber em primeiro lugar se ali estão ou não pessoas sem lugar para morar.

O planejamento e a ações de inteligência poderiam mitigar o uso da força letal, assim como a intervenção fundiária preventiva poderia tornar sem sentido a necessidade de um despejo.

Portanto, de pouca utilidade a crítica pela direita que oculta a necessidade de mudança profunda nos mecanismos de resolução do problema social. Nós responsabilizamos o governo por outros motivos e exigimos que o direito à moradia seja respeitado.

Se vamos continuar tratando problemas sociais como problema de polícia, apenas trocamos o seis pelo meia dúzia e vamos continuar assistindo a violência contra os moradores da periferia.

terça-feira, 18 de agosto de 2015

Morre Pai Euclides


Foto: Murilo Santos

Pai Euclides morreu. Era Euclides Menezes Ferreira, mas pelo santo foi batizado por Euclides Talabyan, iniciado para o Vodun Lissá. Ele morreu nesta segunda-feira (17) após sofrer um ataque cardíaco enquanto estava internado no Hospital Carlos Macieira, em São Luís. Ele tinha 78 anos.

Pai Euclides fundou a Casa Fanti Ashanti, ligada à nação Jeje-Nagô fundada em 1954.

Os Fantis e os Ashantis eram povos da antiga Costa do Ouro, na África, atual República do Gana. É uma Casa de Mina e Candomblé que mantém a tradição desde sua fundação.

Além dos rituais do Tambor de Mina, do Candomblé e das festas de Ogum, Oxossi, Obaluaiyê, Oxum, Oxalá, Nanã, Xangô, Oxumaré e Oyá, a Casa também pratica o Samba de Angola para os boiadeiros, bem como rituais ligados à pajelança, ao catolicismo popular (Espírito Santo) e ao folclore (como o boi de Corre Beirada e o Tambor de Taboca).




Euclides herdou seus conhecimentos religiosos de um antigo Terreiro Mina de São Luís - o Terreiro do Egito (Ilê Axé Niamê) - fundado em 1864, por uma africana de Kumasi, Mãe Basília Sofia (Massinokou Alapong ), que funcionou até o final da década de 70.

O Terreiro do Egito também foi referência ao também falecido Pai Jorge Itaci Kadanmanjá, do Terreiro de Yemanjá e várias gerações de Sacerdotes e Sacerdotisas, tais como Pai Airton de Ogun, Pai Mariano de Ossain, Iyá Luza de Oxum, Iya Venina de Ogun, Pai Wender de Xangô, Terreiro de Toy Jarina em São Paulo, Terreiro de Lisá do Pai Brasil em Belém, Terreiro da Mãe Roângela em Belém, terreiro da Mãe Emília em Belém, Pai Neto de Azile, Pai Miguem de Vanderegy, Pai Antônio de Toy Abidgá, Mãe Benedita de Nanã, Pai Luis de Azonsu, Pai Marcio de Xapanã e muitos filhos, netos e bisnetos.

Ali ainda se realizam visitas e rituais, mas atualmente o local se encontra ameaçado por sua localização estratégia portuária.

O Pai de Santo deixa extenso legado no plano religioso de matriz africana, com várias obras e trabalhos publicados, herdeiros, iniciados e admiradores.

sexta-feira, 14 de agosto de 2015

Como não se deve fazer um despejo forçado

O conflito terminou com a morte de um jovem

Na manhã desta quinta-feira (13), na Vila Luizão, nas proximidades da sede do Sampaio Correa, a história se repetiu.

Em cumprimento à uma ordem de reintegração de posse, um terreno foi desocupado, com violência típica dos anos de chumbo.

Um jovem identificado como Fagner Barros dos Santos, de 19 anos, foi morto a tiros durante a operação de desocupação do terreno. Outra vítima, um adolescente, de 13 anos, que foi ferido na perna, mas que já se encontra internado, também já foi identificado.

Durante a operação de despejo, houve tiros, corre-corre e muita violência, conforme a versão dos populares que estavam no local.

A Secretaria de Segurança Pública alegou que a Polícia Militar estava fazendo a retirada de invasores do terreno quando um policial, que foi preso imediatamente, disparou um tiro na testa da vítima, que morreu no local.

O governo, como era de se esperar, já se manifestou em nota:

"Em cumprimento de ordem judicial, a Polícia Militar do Estado do Maranhão deflagrou na manhã desta quinta (13) operação para desocupação de prédio em área urbana, no Turu. Sem ordens superiores e em descumprimento à lei, o cabo Marcelo Monteiro dos Santos, que integrava a operação, disparou tiro contra um dos manifestantes que, infelizmente, veio a óbito.

O Governo do Estado do Maranhão repudia veementemente a ação isolada do policial, o qual já se encontra preso e será autuado em flagrante delito na Delegacia de Homicídios. Ele responderá a processo, que vai apurar responsabilidade do cabo que efetuou o disparo e do comandante da operação.

O Estado do Maranhão informa ainda que prestará toda a assistência necessária à família da vítima através da Secretaria de Estado dos Direitos Humanos e Participação Popular."

Quando ocorre um situação dessas, proliferam os atos falhos da sociedade, que a mídia reproduz, tipo: 

http://imirante.com/sao-jose-de-ribamar/noticias/2015/08/13/parentes-de-jovem-morto-por-pm-afirmam-que-ele-nao-era-bandido.shtml

A chamada acima quer dizer o quê mesmo? Se fosse "bandido" a polícia poderia matar sem problema.

Esse é o modelo de polícia que se sustenta no referencial da violência e do extermínio. Ela não está aí por acaso, embora alguém seja eleito bode expiatório eventual a cada desastre.

É de se esperar que numa operação dessas existam ações de inteligência combinadas com a capacidade de mediação. A metodologia recomendada pela Ouvidoria Agrária Nacional serve para isso. Os órgãos do Estado, não apenas a polícia, devem ser articular previamente, para impedir que a violência seja o método principal da resolução do conflito.

Surpreende que um policial não esteja agindo sob comando, diante de uma multiplicidade de ações violentas deflagradas pela PM no local. Houve mais vítimas, não foi um caso isolado dentro da operação.

imagem: smdh

Também o fato não pode ser encarado como uma novidade, diante do padrão sistemático de atuação da polícia, na maioria dos casos envolvendo reintegração de posse e outras abordagens: essa é simplesmente a 92ª vítima da polícia este ano.

Evidente que cada caso é um caso, mas a estatística de letalidade policial está aumentando assustadoramente, como já alertávamos no início desse governo. 

No caso analisado, não é só um problema da polícia, visto que as reintegrações de posse são determinadas pelo Poder Judiciário, em processos onde deveriam atuar o Ministério Público. 

E existem as Secretarias de Governo que poderia intervir antes da polícia. É preciso lembrar que reintegração de posse na periferia lembra a negação do direito à moradia?

Portanto, a nota do governo diz o esperado, diante de uma situação anunciada. O difícil é tocar na causa do problema, para que outros Fagner, moradores de periferia, jovens e negros, não morram.

Nota não resolve, assistência para caixões e enterro também não. É preciso ir além dessa mesmice.

quinta-feira, 13 de agosto de 2015

DIANTE DA GRAVE CRISE, A SAÍDA É PELA ESQUERDA!

Psol


O ano de 2015 teve início no Brasil marcado por medidas de ajuste fiscal e retirada de direitos. Ao contrário do que pregou no segundo turno das eleições, Dilma assumiu o programa econômico dos tucanos, mentindo para a população. Já na campanha eleitoral o PSOL deixou claro que a relação entre tucanos e petistas é a do "sujo falando do mal lavado".

O governo Dilma e o PT se renderam totalmente aos interesses do mercado e suas imposições de "austeridade", atacaram direitos sociais e previdenciários ainda no final do ano passado, cortaram bilhões de reais no orçamento dos ministérios e aumentaram tarifas de energia e combustíveis, além da elevação dos preços dos alimentos, que a população mais pobre sente diariamente em seu bolso. Tudo isso para garantir a política de superávit primário e manter o pagamento dos juros da dívida pública, ao invés de investimentos em áreas sociais.

Além disso, o governo já anunciou a intenção de promover outras medidas de arrocho contra os trabalhadores, como demonstra a proposta de mudança na concessão de abono salarial. Para Dilma, o aprofundamento da crise econômica deve ser pago pelos trabalhadores.

A luta contra o ajuste de Dilma e Levy tem levado às ruas setores organizados da classe trabalhadora e da juventude. Janeiro foi marcado por importantes respostas. A juventude mobilizou dezenas de milhares nas capitais contra o aumento das tarifas de ônibus; os operários do ABC, na Volks, derrotaram a proposta de demissões com uma greve de 11 dias e uma passeata de vinte mil metalúrgicos. O MTST segue ocupando áreas para a luta por moradia, como recentemente visto no Distrito Federal. Várias categorias deflagram greves: a mais importante a dos professores do Paraná, que em conjunto com setores do funcionalismo, apontam uma greve geral contra a retirada de direitos e do plano de carreira. Também há a greve dos rodoviários no Espírito Santo.

Enquanto isso se aprofunda a crise política em torno da Petrobrás. A Empresa segue batendo recordes de produtividade e suas ações caem no mercado como todas as outras empresas do setor em todo o mundo em tempos de queda dos preços do petróleo. No entanto, a crise da Petrobrás é de outra natureza. Denúncias dão conta de que os partidos da base aliada ao governo e partidos da oposição de direita promoveram um verdadeiro saque na mais importante empresa brasileira. A recente opção de Dilma de entregar o comando da empresa a um tecnocrata do capital financeiro coloca em risco um patrimônio de mais de seis décadas do povo brasileiro. Tudo isso, porém, é apenas a ponta do iceberg da corrupção existente no país, que tem nas empreiteiras um dos seus mais poderosos braços e cujos tentáculos chegam aos governos dos principais partidos do país, especialmente do PMDB, PSDB e PT.

A crise política e econômica produzida pelas opções do governo Dilma toma dimensões dramáticas com a crise de abastecimento de água que afeta a região sudeste – algo que ocorre há anos em outras regiões do país com o descaso das autoridades públicas – e que afeta principalmente os trabalhadores e trabalhadoras mais pobres. O caos promovido na gestão dos recursos hídricos, especialmente pelos governos do PSDB em São Paulo, atesta o desastre provocado pelo privatismo tucano, que tratou a água como simples mercadoria nos últimos vinte anos. O mesmo ocorre no caso da energia elétrica, onde o modelo de produção e abastecimento imposto pelo governo federal beneficia os grandes grupos econômicos em detrimento da população em geral.

Crise econômica, crise política e crise no abastecimento de água e energia. A resposta do governo Dilma e da oposição de direita é a mesma: omissão diante dos escândalos de corrupção, arrocho fiscal contra os trabalhadores e retirada de direitos. Uma fórmula crescentemente rechaçada em vários países, como demonstra recentemente a vitória da Coalizão da Esquerda Radical (Syriza) na Grécia.

Ao contrário dessas saídas privatistas e antipopulares, o PSOL defende que é possível enfrentar a crise ampliando direitos – especialmente das minorias oprimidas – aumentando investimentos, enfrentando e rompendo com os interesses dos mercados e realizando profundas reformas populares.

Nos movimentos sociais, no parlamento e na sociedade civil em geral, o PSOL defenderá uma plataforma de propostas emergenciais para enfrentar pela esquerda a profunda crise que o país atravessa. Na campanha eleitoral, Luciana Genro vocalizou as demandas populares, que ecoaram nas ruas em junho de 2013 e seguem latentes na sociedade. Nossa bancada federal tem dado esse combate cotidiano.

Para tanto, apresentamos as seguintes propostas para enfrentar a as dimensões política, econômica, social e ambiental da crise que o país enfrenta:
Revogação de todas as medidas que retiram direitos dos trabalhadores, como aquelas previstas pelas Medidas Provisórias 664/2014 e 665/2014. Quaisquer abusos ou ilegalidades no usufruto desses direitos devem ser tratados como exceção e não como regra;
Revogação da Lei Geral de Desestatização, herança dos governos Collor e FHC;
Contra o aumento das tarifas do transporte! Apoio à juventude em luta. Revogação dos aumentos, rumo ao passe-livre nacional;
Redução da jornada de trabalho para 40 horas semanais, sem redução salarial, de forma a manter a renda dos trabalhadores e combater o avanço do desemprego; fim das terceirizações e derrubada do PL 4330;
Aprovação de uma reforma política que amplie radicalmente a participação e o controle social e popular sobre as instituições públicas e que busque eliminar ao máximo a interferência do poder econômico sobre as eleições e sobre as gestões públicas; fim do financiamento empresarial de eleições;
Punição de todos os envolvidos na operação Lava-Jato, com proibição das empresas investigadas por denúncias de corrupção de participarem em quaisquer certames públicos; por uma Petrobras 100% pública, com controle social e rechaço a qualquer tentativa de influência estrangeira na estatal;
Estatização completa do sistema de abastecimento de água e energia elétrica, priorizando o abastecimento para consumo humano, com revogação do aumento dos preços da água e construção emergencial de caixas d’água e cisternas subsidiadas; investimentos imediatos para evitar o desperdício estrutural dos sistemas;
Aprovação imediata do imposto sobre grandes fortunas previsto na Constituição Federal que tramita na Câmara dos Deputados. Por uma revolução na estrutura tributária, começando pela revogação dos privilégios tributários aos bancos, especuladores e grandes empresas e pela atualização da tabela do Imposto de renda para desonerar os trabalhadores e a classe média;
Combate ao rentismo e incentivo às iniciativas produtivas, fortalecendo as pequenas iniciativas e microempreendedores, a reforma agrária, a agricultura familiar, alocando recursos advindos da imediata redução da taxa básica de juros;realização de uma profunda reforma urbana que priorize o direito à cidade, à mobilidade e à moradia;
Fim da política de superávit primário e convocação de auditoria da dívida pública;
Revogação da reforma da previdência, conquistada por meio da compra de votos dos parlamentares pelos esquemas de corrupção;
Operação desmonte da estrutura de corrupção existente no país, iniciando por investigação exaustiva dos vínculos das empreiteiras com outras obras públicas, nas mais diferentes esferas, com quebra do sigilo fiscal, bancário e telefônico e dos principais envolvidos;
Anulação do Leilão de Libra e retomada do controle totalmente estatal da Petrobrás;
Ampliação radical do investimento estatal em áreas estratégicas, como infraestrutura, e aumento dos recursos para as áreas sociais.

quarta-feira, 12 de agosto de 2015

Para além de recuos e gabaritos


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A Prefeitura de São Luís está em fase de conclusão da primeira etapa de revisão da legislação urbanística da cidade. O processo de revisão se concentra em instrumentos básicos e de importância fundamental para o planejamento do município a partir da atualização do Macrozoneamento Ambiental do Plano Diretor e do novo projeto da Lei de Zoneamento, Parcelamento, Uso e Ocupação de Solo, ambos de 2006.

A conclusão do calendário de audiências públicas está marcada para o dia 22 de agosto. As propostas apresentadas durante as audiências públicas serão inseridas no documento apreciado pelo Conselho da Cidade. Após a apresentação e aprovação do Conselho, será elaborado um documento final a ser encaminhado pelo prefeito Edivaldo Holanda Júnior à Câmara Municipal.

O centro dos debates circula em torno de manifestações contra e ou a favor do novo gabarito e aumento dos recuos. Na segunda audiência, realizada na audiência de quinta-feira (23//07) no auditório da FIEMA, foi apresentado um pleito ligado ao impedimento de atividades industriais ligadas à cadeia da metalurgia na capital maranhense. Apesar do susto inicial, o tema nem de longe aprofunda os problemas da região, que convive com altos padrões de poluição do ar e das águas, sem falar no aspecto da ocupação fundiária.

Fragmentar o debate sobre a reforma urbana é uma boa estratégia para quem não quer tocar nos problemas cruciais da cidade. Debater a cidade a partir da visão imobiliária recepcionada no Plano Diretor e na Lei de Zoneamento pode exatamente criar obstáculo para uma visão integrada dos problemas.

É impossível fazer esse debate descuidando de questões como as condições de vida da maior parte dos trabalhadores que vivem segregados nos bairros periféricos; o problema do trânsito e do transporte coletivo; a dinâmica diária dos que se locomovem para trabalhar e necessitam de creches, de ruas e avenidas seguras, de escolas em tempo integral; dos jovens, que se deslocam para acessar escolas adequadas, centros esportivos e lazer; das questões envolvendo a poluição das águas superficiais e dos lençóis freáticos, juntamente com o abastecimento de água.

Em São Luís, cidade de vocação turística, menos do que gabaritos e recuos, é necessário debater a poluição das águas, a ocupação ilegal da faixa litorânea, os esgotos lançados nas praias, a revitalização dos rios e córregos, a preservação dos reservatórios que abastecem a cidade. É necessário compreender porque existe o adensamento populacional em determinados regiões e qual é seu perfil, antes de conceber soluções conflitivas ou insustentáveis. Essas questões servem de substratos para o debate do sistema de transporte e da própria mobilidade.

Para empresários do transporte é lucrativo transportar pessoas de um lado para outro em condições indignas. Para esse segmento, tudo bem que a cidade concentre muita gente em centros comerciais e administrativos, em prejuízo do centro histórico, do bem-estar das pessoas e do fluxo regular do trânsito.

Para a especulação imobiliária, a expansão urbana pode destruir áreas de preservação permanente, poluir rios, jogar esgotos nos mangues e praias. O importante é que circule dinheiro, haja transações imobiliárias, grandes construções, espigados edifícios, em prejuízo do meio ambiente, do direito à moradia dos mais pobres e da própria segurança das pessoas por ocasião de sinistros.

Enquanto discutimos a legislação urbanística descuidando desses fatores, seremos incapazes de compreender a violência como resultado previsível da ausência do Estado - potencializada por organizações criminosas que ocupam o espaço urbano e por uma ação policial violenta que reconhece raça e cor.

A produção das cidades recebe o influxo das lutas de classes induzindo os vetores do mercado altamente especulativo de um lado e a segregação, exclusão ou apartheid territorial do outro. Essa exclusão funciona empurrando a população mais pobre para fora das cidades, que se equilibra nas palafitas ou nas bordas das áreas de preservação. Reforma urbana é para vencer a barbárie urbana. É para implementar a democracia urbana. Ela pode orientar a intervenção do Poder Público para novos significados da cidade durante a discussão da lei urbanística.

Para grande parte da população urbana, exatamente a de mais baixas rendas, que mora ilegalmente, é difícil debater a legislação de parcelamento do solo, ambiental, zoneamento, código de obras e edificação etc., longe de tantas questões emergenciais e mais presentes no cotidiano.

segunda-feira, 10 de agosto de 2015

Dilma no Maranhão

Terminal de Grãos - 02
Presidenta Dilma Rousseff durante cerimônia de inauguração do Terminal de Grãos do Maranhão - TEGRAM. (São Luís - MA, 10/08/2015)Foto: Roberto Stuckert Filho/PR

Com 71% de rejeição, Dilma lembrou do Maranhão. O Estado que nunca recebeu a gentileza de uma visita, embora tenha sempre garantido extraordinária votação aos presidentes petistas, sempre foi usado como moeda de troca na relação do PT com o PMDB de Sarney. Nas últimas eleições, o Maranhão garantiu a maior votação proporcional (78,76% dos votos válidos) à presidenta, mas nem assim mereceu grandes atenções para visitas de cortesia como essa.

Agora ,acossada pelo fantasma do impeachment, vendo parte de sua base aliada conspirar contra seu governo, procurou o colo do governador Flávio Dino, que antes não merecera o apoio petista por causa do grupo Sarney. Nas últimas eleições, em resposta, Dino montou uma ampla base de apoio que incluiu tucanos e vários outros partidos de oposição ao governo Dilma.

No segundo turno, o apoio de Flávio Dino à Dilma foi comedido, denotando os arranhões que o preterimento petista causou ao governador do PCdoB, partido aliado de primeira hora do Partido dos Trabalhadores.

Agora, nas proximidades de uma ruptura política, chegando a hora de avaliar se o salto para o precipício vale a pena, antigos aliados repensam a relação com o governo federal. Dino, do alto de suas pretensões continuístas, vê seu projeto ameaçado com a queda eventual da presidenta. Seu movimento é menos ideológico do que pragmático: sem o PT no poder, o jogo pode zerar, com a ascensão das forças conservadoras em ebulição no país.

Contudo, a agenda da presidenta é uma sinalização para os limites de seu campo político. Ela apenas reforça a pauta desenvolvimentista e assistencialista, origem da corrosão política do petismo. Na Vila Maranhão, no coração do distrito industrial de São Luís (um verdadeiro enclave colecionador de violações de direitos sociais e ambientais), Dilma participou da solenidade de entrega de 4.467 unidades habitacionais do programa Minha Casa, Minha Vida. A outra parte da agenda foi a inauguração do Terminal de Grãos (Tegram) no Porto do Itaqui.

O discurso forasteiro, no território de um Estado conflagrado por desequilíbrios ambientais, conflitos fundiários, enclaves econômicos e muita especulação imobiliária parecia insensibilidade. As caravanas de ônibus trazidas à Capital fizeram o evento muito mais parecido com as tradicionais convenções da direita brasileira.

Para a militância petista e comunista, sobraram as palavras de ordem, de punhos fechados, no melhor estilo do Zé Dirceu. Nem de longe arriscaram exigir uma agenda mais afinada com a mobilização progressista do próximo do dia 20, que tem exatamente o objetivo de aproximar o mandato da presidenta Dilma com as bandeiras da esquerda.

Dilma foi embora dizendo para os maranhenses que continuará equilibrando os interesses tardios do agronegócio com a assistência de programas sociais incapazes de tocar nas estruturas das desigualdades do país. E esse binômio é incapaz de conter o ímpeto conservador, que aperta o cerco sobre o palácio sitiado. Mas tem gente sorrindo largo: Dilma lembrou de nós.

domingo, 9 de agosto de 2015

A criminalização da esquerda desviante

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IMAGEM: http://blog.jornalpequeno.com.br/ricardosantos/2015/07/07/a-imagem-do-dia-indios-acorrentados-na-assembleia-legislativa/

Uma das lutas mais ferozes que a esquerda tem travado historicamente diz respeito à criminalização de lideranças de movimentos sociais.

O arcabouço teórico que informa esse luta desvenda o papel do sistema penal como um dos mais poderosos instrumentos de manutenção e reprodução da dominação e da exclusão, características da formação social capitalista; percebe a concentração da atuação do sistema penal sobre os membros das classes subalternizadas; entende a clara razão desta atuação desigual e seu padrão seletivo.

Mas existe um segmento da esquerda, que age com oportunismo. Quando lhes interessam, entusiasmam-se com supostos “bons magistrados” impondo rigorosas penas a réus opositores  e apropriando-se de um generalizado e inconsequente clamor contra a impunidade e furor persecutório.

Em outros momentos, quando a sanha criminal se volta contra seus interesses lembram-se das antigas consignas progressistas, para invocar tratamento penal que seu adversários não merecem.

É essa mesma esquerda que, no contexto da assunção ao poder, vira a mesa de suas convicções teóricas e ideológicas para criminalizar movimentos de contestação, desqualificando seus líderes, em que pese a justeza e a legitimidade de suas coletivas reivindicações.

No Maranhão, existe já uma espécie de tutorial da desqualificação dos rebeldes. O primeiro passo é atribui-lhes a pecha de aliados do grupo Sarney. E para ser alvo de tal pecha é suficiente aparecer na mídia dos sarneys ou apenas ser citado por ela. Como os dois lados detêm o monopólio quase absoluto da mídia, esse é um jeito simples de fazer calar o protesto, constrangendo os que não professam nenhuma das duas cartilhas infames.

O segundo passo desse tutorial ridículo é tentar desqualificar o interlocutor. Se não for possível do ponto de vista ideológico, agora puxam até a "capivara" (ficha criminal) do sujeito, para personalizar o debate e acobertar problemas sociais explicitados no contexto da divergência.

Foi assim no caso do protesto indígena, onde a criminalização e a desqualificação da conduta pessoal do líder Uirauchene Alves serviu para encobrir a histórica manipulação de governos sobre indígenas que lutam por educação de qualidade. E um dos mecanismos dessa manipulação histórica é privilegiar negociações que deveriam ser amplas e transparentes mas são hipocritamente confinadas aos limites dos interesses de caciques empresários, coisa que continua se repetindo.

Está sendo assim também com o líder da comunidade de Vila Nestor II, no município de Paço do Lumiar. A comunidade pediu socorro ao governo do Estado por conta de um despejo forçado iminente, que irá vitimar várias centenas de famílias.

PROTESTO DOS MORADORES DA VILA NESTOR.
IMAGEM: http://luispablo.com.br/wp-content/uploads/2015/08/M%C3%A1rcio-Jerry-Vila-Nestor-II-e1438952943187.jpg

A comunidade resolveu interditar a Avenida Beira Mar após a recepção fria e insensível do governo, que se limitou a dizer que "não pode intervir em decisão judicial, pois há limites constitucionais", publicizando nota em apoio à repressão policial (sobre o episódio relembre aqui).

A posição e a nota do governo foram contrariados por uma sequência de negociações, lideradas pela Defensoria Pública do Estado, acompanhada pelas Secretarias de Direitos Humanos e Participação Popular (Sedihpop), e de Estado das Cidades (Secid), que, atuando juntas, conseguiram negociar a desocupação da Avenida e o adiamento da reintegração de posse.

Restou claro que a violência policial era absolutamente desnecessária, ocorrendo no contexto de um erro de recepção e compreensão da demanda dos moradores da Vila Nestor II.

O governo pode sim, apesar dos limites constitucionais, adiar despejos - essa é a metodologia da Ouvidora Agrária Nacional - provocar negociações, amparar os atingidos, desapropriar, negociar com o município e órgãos fundiários. O governo pode muito nesse matéria.

Portanto, o governo errou e ainda reforçou o antigo padrão de criminalização e repressão dos protestos sociais, no melhor estilo TIRO, PORRADA E BOMBA.

Para desfecho da história, entra a cavalaria (o trocadilho é bem-vindo) da mídia anilhada (anilha é sinal que se põe na perna de ave domesticada), empunhando a ficha criminal dos líderes dos dois movimentos que contestaram o governo. O argumento só é bom para quem não sabe dos processos criminais que asseclas deste governo também respondem. Duvido se eles têm a coragem de exibir a capivara deles também!

sexta-feira, 7 de agosto de 2015

Deixe os mortos enterrarem seus mortos - Wladimir Saflate

Folha de São Paulo

07/08/2015 02h00

A Nova República acabou. Qualquer análise honesta da situação brasileira atual deveria partir dessa constatação. O modelo de redemocratização brasileiro, que perdurou 30 anos, baseava-se em um certo equilíbrio produzido pelo imobilismo.

Desde o momento em que FHC se sentou com ACM e o PFL para estabelecer a "governabilidade", a sorte da Nova República estava selada. Frentes heteróclitas de partidos deveriam ser montadas acomodando antigos trânsfugas da ditadura e políticos vindos da oposição em um grande pacto movido por barganhas fisiológicas, loteamento de cargos e violência social brutal.

O resultado foi um sistema de freios que transformou os dois maiores grupos oposicionistas à ditadura (o PT e o núcleo mais consistente do PMDB, a saber, o que deu no PSDB) em gestores da inércia. Com uma "governabilidade" como essa, as promessas de mudanças só poderiam gerar resultados bem menores do que as expectativas produzidas.

Mas a Nova República tinha também um certo princípio de contenção por visibilidade. No auge da era FHC, José Arthur Giannotti cunhou a expressão "zona cinzenta de amoralidade" para falar do que ele entendia ser um espaço necessário de indeterminação das regras no interior da dita democracia com sua "gestão de recursos escassos".

Essa zona de amoralidade, mesmo tacitamente aceita, deveria saber respeitar uma certa "linha de tolerância", pressuposta na opinião pública. Havia coisas que não poderiam aparecer, sob pena de insuflar a indignação nacional.

Giannotti acreditava falar da essência da democracia, mas estava, na verdade, a fornecer involuntariamente o modo de funcionamento das misérias da Nova República: um acordo fundado sobre uma zona cinzenta de amoralidade resultante de disfunções estruturais e democratização limitada.

Mesmo isso, no entanto, é coisa do passado. O primeiro sintoma do fim da Nova República é a pura e simples gangsterização da política e a brutalização das relações sociais. Não há mais "linha de tolerância" a respeitar, pois não é mais necessário um "pacto pelo imobilismo".

Pacto pressupõe negociação entre atores que têm força e querem coisas distintas. Mas todos os principais atores políticos da Nova República já estão neutralizados em seu risco de mudança. Os que não querem a mesma coisa não têm mais como transformar seu desejo em ação.

Assim, como não há mais linha de tolerância a respeitar, o outrora impensável pode ser mostrado, desde que sirva para desestabilizar o governo de plantão.

Por exemplo, foi como um sindicato de gângsteres que o Congresso Nacional e seu presidente agiram na semana passada ao convocar, para uma CPI de fantasia, a advogada de defesa de denunciantes da Operação Lava Jato, a fim de intimidá-la.

De toda forma, só uma política gangsterizada pode aceitar que o presidente da Câmara seja um indiciado a usar seu cargo para, pura e simplesmente, intimidar a Justiça, como se estivesse na Chicago dos anos 1930.

Dilma acreditava ainda estar na Nova República ao rifar seu governo para economistas liberais. Seu cálculo era: "Se eu garantir que não haverá nenhuma mudança drástica de rota, serei preservada no governo". Esse raciocínio, no entanto, não serve mais.

Como é, atualmente, indiferente saber quem está no governo, pois todos sabem que nenhuma mudança drástica de rota virá, a rifa de Dilma não garantirá sua sobrevida.

Em um contexto de crise dessa natureza (e, antes de ser econômica, a crise brasileira é política, é a marca do fim de uma era política) a única solução realmente possível é caminhar ao que poderíamos chamar de "grau zero da representação".

Não há, hoje, mais atores políticos no Brasil. Os principais foram testados e falharam, e é desonestidade intelectual acreditar que uma simples troca de presidente mudará algo. Por isso, o poder instituinte precisa se apresentar diretamente, com o mínimo de representação possível. Ao apresentar-se enquanto tal, o poder instituinte pode impulsionar um processo de constituição de novos atores e novas formas.

O parlamentarismo tem a possibilidade de convocação de eleições em situações de crise. O presidencialismo brasileiro precisaria de tal flexibilidade para, no caso, convocar eleições gerais, tendo em vista, entre outros objetivos, a dissolução deste Congresso e a convocação de uma assembleia constituinte capaz de refundar a institucionalidade política nacional.

Assembleia para a qual poderiam se apresentar candidatos independentes, fora de partidos políticos, com controle estrito do poder econômico. A saída da crise não se dará por meio de conchavos de bastidores, mas pela radicalização da democracia. Como já se disse antes, há horas que você precisa deixar os mortos enterrarem seus mortos e seguir outro caminho.

quinta-feira, 6 de agosto de 2015

Direito à Cidade – David Harvey

Deriva


No dia 29 de janeiro o geógrafo David Harvey fez a palestra inaugural do seminário “Lutas pela reforma urbana: o direito à cidade como alternativa ao neoliberalismo”, organizado pelo Fórum Nacional de Reforma Urbana. Leia abaixo a transcrição de sua palestra, na íntegra. A tradução foi feita por Fernando Alves Gomes. O blog traz aqui esse debate diante da necessidade de se debater a cidade numa conjuntura que se aproxima do quadro eleitoral. O texto deve ser encarado como ferramenta para desdobramentos de uma reflexão orientadora.



Palestra:

Para mim, é um imenso prazer estar aqui, mas em primeiro lugar eu gostaria de me desculpar por falar em inglês, que é a língua do imperialismo internacional. Eu espero que o que eu vá dizer seja suficientemente antiimperialista para que vocês me perdoem por isso.

Eu estou muito grato pelo convite que me fizeram, porque eu aprendo muito com os movimentos sociais. Eu vim aqui para aprender e para ouvir, e, portanto, eu já considero esta uma grande experiência educacional, pois, como disse Karl Marx certa vez, sempre há a grande questão acerca de quem vai educar os educadores.

Eu tenho trabalhado já há algum tempo com a idéia de um direito à cidade. Eu entendo que o direito à cidade significa o direito de todos nós a criarmos cidades que satisfaçam as necessidades humanas, as nossas necessidades. O direito à cidade não é o direito de ter – e eu vou usar uma expressão do inglês – as migalhas que caem da mesa dos ricos. Todos devemos ter os mesmos direitos de construir os diferentes tipos de cidades que nós queremos que existam.

O direito à cidade não é simplesmente o direito ao que já existe na cidade, mas o direito de transformar a cidade em algo radicalmente diferente. Quando eu olho para a história, vejo que as cidades foram regidas pelo capital, mais que pelas pessoas. Assim, nessa luta pelo direito à cidade haverá também uma luta contra o capital.

Eu quero agora falar um pouco sobre a história da relação entre o capital e a construção de cidades, fazendo uma pergunta: Por que o capital consegue exercer tantos direitos sobre a cidade? E por que as forças populares são relativamente fracas contra aquele poder? Eu também gostaria de falar sobre como, na verdade, a forma com que o capital opera nas cidades é uma de suas fraquezas. Assim, eu acredito que, dessa vez, a luta pelo direito à cidade está no centro da luta contra o capital. Nós estamos vivendo agora, como todos sabem, uma crise financeira do capitalismo. Se nós olharmos para a história recente, nós descobriremos que ao longo dos últimos 30 anos houve muitas crises financeiras. Alguém fez os cálculos e disse que desde 1970 houve 378 crises financeiras no mundo. Entre 1945 e 1970 houve apenas 56 crises financeiras. Portanto, o capital tem produzido muitas crises financeiras nos últimos 30 ou 40 anos. E o que é interessante é que muitas dessas crises financeiras têm origem na urbanização. No fim da década de 1980, a economia japonesa quebrou, e quebrou por conta da especulação da propriedade e da terra. Em 1987, nos Estados Unidos, houve uma enorme crise, na qual centenas de bancos foram à falência, e tudo se deveu à especulação sobre a habitação e o desenvolvimento de propriedade imobiliária. Nos anos de 1970 houve uma grande crise mundial nos mercados imobiliários. E eu poderia continuar indefinidamente, dando-lhes exemplos de crises financeiras com origens urbanas. Meu cálculo é que metade das crises financeiras dos últimos 30 anos teve origem na propriedade urbana. As origens dessa crise nos Estados Unidos estão em algo chamado crise das hipotecas sub prime. Mas eu chamo esta crise não de crise das hipotecas sub prime, e sim de crise urbana.

O que aconteceu foi que nos anos de 1990 surgiu o problema de um excedente de dinheiro sem destinação – o capitalismo é um sistema que sempre produz excedentes. Nós podemos pensar a coisa da seguinte forma: o capitalismo acorda certa manhã e vai ao mercado com certa quantidade de dinheiro e compra trabalho e meios de produção. Ele põe estes elementos para trabalhar e produz certo bem, para vendê-lo por mais dinheiro do que ele tinha no começo. Assim, no fim do dia o capitalista tem mais dinheiro do que ele tinha no começo do dia. E a grande pergunta é: o que é que ele faz com aquele extra que conseguiu? Bem, se ele fosse como você e eu, ele provavelmente sairia e se divertiria gastando o dinheiro. Mas o capitalismo não é assim. Há forças competitivas que o impelem a reinvestir parte de seu capital em novos desenvolvimentos. Na história do capitalismo, tem havido uma taxa de crescimento de 3% desde 1750. Uma taxa de crescimento de 3% significa que é preciso encontrar saídas para o capital. Desse modo, o capitalismo sempre se confronta com aquilo que eu chamo de problema da absorção do excedente do capital: onde eu posso encontrar uma saída lucrativa em que aplicar o meu capital? Em 1750, o mundo inteiro estava aberto para essa questão. E, àquela época, o valor total da economia global era de 135 bilhões de dólares em bens e serviços. Quando se chega a 1950, há 4 trilhões de dólares em circulação, e você tem que encontrar saídas para 3% de 4 trilhões. E quando se chega ao ano 2000, tem-se 42 trilhões de dólares em circulação. Hoje, provavelmente, este valor chega a cerca de 50 trilhões. Em 25 anos, a uma taxa de crescimento de 3%, ele será de 100 trilhões. Isso significa que há uma crescente dificuldade em encontrar saídas rentáveis para o excedente de capital.

Essa situação pode ser apresentada de outra forma. Quando o capitalismo era essencialmente o que acontecia em Manchester e em outros poucos lugares do mundo, uma taxa de crescimento de 3% não representava um problema. Agora nos temos que colocar uma taxa de 3% em tudo que acontece na China, no Leste e no Sudeste asiáticos, na Europa, em grande parte da América Latina e na América do Norte, e aí nós temos um imenso, gigantesco problema. Os capitalistas, quando têm dinheiro, têm também a escolha de como reinvesti-lo. Você pode investir em nova produção. Um dos argumentos para tornar os ricos ainda mais ricos é que eles reinvestirão na produção, e que isso gerará mais emprego e melhores padrões de vida para o povo. Mas desde 1970 eles têm investido cada vez menos em novas produções. Eles têm investido na compra de ativos, ações, direitos de propriedade, inclusive intelectual, e, é claro, em propriedade imobiliária.Portanto, desde 1970, cada vez mais dinheiro tem sido destinado a ativos financeiros, e quando a classe capitalista começa a comprar ativos, o valor destes aumenta. Assim eles começam a fazer dinheiro com o crescimento no valor de seus ativos.

Com isso, os preços da propriedade imobiliária aumentam mais e mais. E isso não torna uma cidade melhor, e sim a torna mais cara. Além disso, na medida em que eles querem construir condomínios de luxo e casas exclusivas, eles têm que empurrar os pobres para fora de suas terras – eles têm que tirar o nosso direito à cidade. Em Nova York, eu acho muito difícil viver em Manhattan, e vejam que eu sou um professor universitário razoavelmente bem pago. A massa da população que de fato trabalha na cidade não tem condições de viver na cidade porque o preço dos imóveis subiu exageradamente. Em outras palavras, o direito das pessoas à cidade foi subtraído. Às vezes ele é subtraído por meio de ações do Mercado, às vezes por meio de ações do governo, que expulsa as pessoas de onde elas vivem, às vezes ele é subtraído por meios ilegais, violentos, ateando- se fogo a um prédio. Houve um período em que parte de Nova York sofreu incêndio após incêndio.

O que isso faz é criar uma situação em que os ricos podem cada vez mais exercer seu domínio sobre toda a cidade, e eles têm que fazer isso, porque essa é a única forma de usar seu excedente de capital. E em algum momento, entretanto, há também incentivos para que esse processo de construção da cidade alcance as pessoas mais pobres. As instituições financeiras concedem empréstimos aos empreendedores imobiliários para que eles desenvolvam grandes áreas da cidade. Você tem os empreendedores que promovem o desenvolvimento, mas o problema é: para quem eles vendem os imóveis? Se a renda da classe trabalhadora estivesse crescendo, então talvez eles poderiam vendê-los para os trabalhadores. Mas desde os anos de 1970 as políticas do neoliberalismo têm implicado reduções salariais. Nos EUA, os salários reais não têm aumentado desde 1970, de tal modo que se tem uma situação em que os salários reais são constantes, mas os preços dos imóveis estão subindo. E de onde vem a demanda por habitação? A resposta consistia em conduzir as classes trabalhadoras a uma situação de débito. E o que nós vemos é que o débito com habitação nos EUA passou de cerca de 40.000 dólares por família para mais de 120.000 dólares por família nos últimos 20 anos. As instituições financeiras batem nas portas dos trabalhadores e dizem “Nós temos um bom negócio para você. Nós lhe emprestamos dinheiro e você pode ter sua casa própria. E não se preocupe se mais adiante você não conseguir pagar sua dívida, porque os preços dos imóveis estão subindo, então tudo está bem”.

Assim, mais e mais pessoas de baixa renda foram levadas a contrair dívidas. Mas cerca de dois anos atrás, os preços dos imóveis começaram a cair. A distância entre o que os trabalhadores podiam pagar e o tamanho da dívida tornou-se grande demais. De repente houve uma onda de execuções de hipotecas em muitas cidades americanas. Mas como geralmente acontece com algo desse tipo, há um desenvolvimento geográfico desigual de tal onda. A primeira onda atingiu comunidades de baixíssima renda em muitas das cidades mais antigas dos Estados Unidos. Há um maravilhoso mapa que pode ser visto na página eletrônica da BBC das execuções hipotecárias na cidade de Cleveland. O que se vê é um mapa pontilhado das execuções, que é altamente concentrado em certas áreas da cidade. Há do lado deste um outro mapa, que mostra a distribuição da população afro-americana, e os dois mapas correspondem entre si. O que isso significa é que ocorreu um roubo à população afro-americana de baixa renda. Esta foi a maior perda de ativos de populações de baixa renda nos EUA de todos os tempos: dois milhões de pessoas perderam suas casas. E naquele mesmo momento o pagamento de bônus em Wall Street ultrapassava a casa dos 30 bilhões de dólares – que é o dinheiro extra pago aos banqueiros pelo seu trabalho. Assim, os 30 bilhões pagos em Wall Street foram efetivamente retirados das populações dos bairros de baixa renda. Fala-se sobre isso nos Estados Unidos como um “Katrina financeiro”, porque, como vocês se lembram que o furacão Katrina atingiu particularmente Nova Orleans, e foi a população negra de baixa renda que foi deixada para trás, sendo que muitos morreram. Os ricos protegeram seu direito à cidade, mas os pobres essencialmente perderam o deles.

Na Flórida, na Califórnia e no Sudoeste americano, o padrão foi diferente. Ele se mostrou muito mais nas periferias das cidades. Lá, muito dinheiro estava sendo emprestado a grupos de construtoras e incorporadoras. Eles estavam construindo casas fora da cidade, 45km fora de Tuscon e de Los Angeles, e não conseguiam encontrar para quem vendê-las. Então eles buscaram a população branca que não gostava de viver perto de imigrantes e de negros nas cidades centrais. Isso levou a uma situação que se revelou há um ano, quando os altos preços da gasolina tornaram as coisas muito difíceis para aquelas comunidades. Muitas pessoas não conseguiam pagar suas dívidas, de modo que aconteceu uma onda de execuções hipotecárias que está se dando nos subúrbios, e atinge principalmente os brancos, em lugares como a Flórida, o Arizona e a Califórnia. Enquanto isso, o que Wall Street fez foi pegar todas aquelas hipotecas de risco e embrulhá- las em estranhos instrumentos financeiros. Eles pegavam todas as hipotecas de um determinado lugar e colocavam-nas num pacote, e então vendiam partes daquele pacote para outras pessoas. O resultado é que todo o mercado financeiro de hipotecas se globalizou, e o que se vê são pedaços de propriedade hipotecária sendo vendidas para pessoas na Noruega, na Alemanha, no Golfo e em qualquer lugar. Todos foram convencidos de que essas hipotecas e esses instrumentos financeiros eram tão seguros quanto casas. Acabou que eles não se mostraram seguros, e então sobreveio a grande crise, que segue sem parar. Meu argumento é que se essa crise é basicamente uma crise de urbanização, então a solução deve ser uma urbanização diferente, e é aí que a luta pelo direito à cidade se torna crucial, porque nós temos a oportunidade de fazer algo diferente.

Mas sempre me perguntam se essa crise é o fim do neoliberalismo. Minha resposta é “não”, se se olha para o que está sendo proposto em Washington e em Londres. Um dos princípios básicos que foram estabelecidos na década de 70 é que o poder do Estado deve proteger as instituições financeiras a qualquer preço. Se há um conflito entre o bem estar das instituições financeiras e o bem estar do povo, opta-se pelo bem estar das instituições financeiras. Este é o princípio que foi desenvolvido na cidade de Nova York City em meados dos anos 70, e que foi definido internacionalmente pela primeira vez quando houve a ameaça de falência do México em 1982. Se o México tivesse ido à falência, isso teria destruído os bancos de investimentos de Nova York. Assim, o Banco Central dos Estados Unidos e o Fundo Monetário Internacional combinaram esforços para ajudar o México a não entrar em falência. Em outras palavras, eles emprestaram o dinheiro que o México precisava para pagar os banqueiros de Nova York. Mas, ao fazê-lo, eles impuseram austeridade à população mexicana. Ou seja, eles protegeram os bancos e destruíram as pessoas. Essa tem sido a prática padrão do FMI desde então. Agora, se olharmos para a resposta dada à crise pelos Estados Unidos e a Inglaterra, nós veremos que o que eles efetivamente fizeram foi salvar os bancos ? são 700 bilhões de dólares para os bancos nos EUA. Eles não fizeram absolutamente nada para proteger os proprietários de imóveis que perderam suas casas. Então, é este exatamente o mesmo princípio que agora vemos em funcionamento: proteger as instituições financeiras e foda-se o povo. O que nós deveríamos ter feito era pegar os 700 bilhões e criar um banco de re-desenvolvimento urbano, para salvarmos todas as comunidades que estavam sendo destruídas e reconstruir as cidades a partir das demandas populares. O interessante é que, se nós tivéssemos feito isso antes, muito da crise teria simplesmente desaparecido, porque não haveria a execução das hipotecas. Nesse meio tempo, nós precisamos organizar um movimento antidespejo – e temos visto isso acontecer em Boston e em algumas outras cidades. Mas, nesse momento da história nos EUA, há um sentimento de que a mobilização popular está restrita porque a eleição de Obama era a prioridade. Muitas pessoas esperam que Obama faça algo diferente, mas infelizmente os seus consultores econômicos são exatamente os mesmos que criaram o problema. Eu duvido que Obama venha a ser tão progressista quanto Lula. Eu acho que nós teremos que esperar um pouco antes que os movimentos sociais comecem a agir. Nós precisamos de um movimento nacional pela reforma urbana como o que vocês têm aqui. Nós temos que construir uma militância do mesmo tipo que vocês construíram aqui. Nós temos que, de fato, começar a exercer nosso direito à cidade. E em algum momento nós teremos que reverter o modo como as instituições financeiras são priorizadas em detrimento do povo. Nós temos que nos questionar o que é mais importante, o valor dos bancos ou o valor da humanidade. O sistema bancário deveria servir às pessoas, e não viver à custa das pessoas. A única forma que temos de, em algum momento, nos tornarmos capazes de exercer nosso direito à cidade é controlando o problema da absorção do excedente capitalista. Nós temos que socializar o excedente do capital. Nós temos que usá-lo para atender necessidades sociais. Nós temos que nos livrar do problema da acumulação constante dos 3%. Nós chegamos a um ponto em que uma taxa de crescimento constante de 3% irá impor custos ambientais tão imensos, irá exercer uma pressão tão grande sobre as questões sociais, que nós viveremos em perpétua crise financeira. Se nós sairmos dessa crise financeira do modo que eles querem, haverá uma outra crise financeira dentro de cinco anos. Chegamos a um ponto em que não podemos mais de aceitar o que disse Margaret Thatcher, que “não há alternativa”, e que devemos dizer que deve haver uma alternativa. Deve haver uma alternativa para o capitalismo em geral. E nós podemos começar a nos aproximarmos dessa alternativa percebendo o direito à cidade como uma exigência popular internacional, e eu espero que possamos todos nos unir nessa missão.

segunda-feira, 3 de agosto de 2015

Enquanto a liberdade não canta


CartaCapital lançou o minidocumentário "Enquanto a liberdade não canta - a redução da maioridade penal", realizado pelo Desinformémonos Brasil, trazendo o debate sobre a diminuição da idade penal e a realidade do sistema carcerário no Brasil pela voz, sobretudo, daqueles que vivem na pele essa realidade.
O vídeo de 22 minutos traz fragmentos de vida, opiniões e sonhos de jovens e seus familiares, com imagens exclusivas de dentro da Fundação Casa em São Paulo e do Complexo Penitenciário de Pedrinhas, no Maranhão, com minha participação em alguns momentos. Assista aqui.