terça-feira, 16 de agosto de 2022

O RACISMO PROVINCIANO EM GESTOS E PALAVRAS

 

O racismo nas eleições também acontece. Mesmo que por lapsos de memória ou expressões mal formuladas, encontradiças no cotidiano do linguajar herdado do escravismo.

Brandão escorregou feio ao falar da realidade dos quilombolas de Alcântara. Não foi só porque disse distraidamente: “nós temos que conviver com eles. Eles são seres humanos como nós”. 

A fala, por si só denota a tragédia discursiva das elites provincianas. Brandão é fazendeiro, dono de grandes propriedades rurais na região de Colinas. 

Essa herança da fala racista adveio do período colonial, que trouxe consigo a produção do conhecimento e a interpretação do mundo etnocêntrica. 

Antes mesmo da invasão do continente americano, a Europa já exercitava formas de pensar que definiam o negro e a África como exóticos.

A caracterização do negro como exótico, traz junto consigo a ideia do estranho, do demoníaco e do assustador (daí o racismo religioso ser subproduto da mesma época).

Imagine como se sentiria se alguém dissesse a seu respeito que seria preciso conviver você. Ou que você "é um ser humano como outro qualquer". Duvido não haver de imediato uma sensação de estranhamento.

A conclusão lógica seria que você estaria sendo considerado um estorvo, um incômodo. Ou que, no segundo caso, a sua condição humana estaria sendo colocada em dúvida.

Um branco jamais utilizaria uma expressão dessas para se referir a outro branco, o que nos permite dizer que são falas racistas para naturalizar o lugar do negro como servil e inferior.

Durante a Idade Média, a Europa forjou o racismo criando no imaginário das pessoas a ideia de seres fantásticos e monstruosos que habitavam o outro lado do mundo.

Esse mundo de monstros assustadores era pintado nas obras de arte personificando o diabo, quase sempre pintado de preto. Entre os medievais, Satã era chamado de "Cavaleiro Negro". A cor negra era considerada marca do mal e da perversão.

Não por acaso vinha da religião cristã os fundamentos mais racistas: os negros teriam a pele escura por descenderem de Caim, que como castigo teve a sua face enegrecida; ou pela maldição de Noé sobre Cam, de onde todos os negros também descenderiam.

Mas não foi só por tudo isso que Brandão escorregou feio no episódio Alcantarense. O governo de seu antecessor e aliado, Flávio Dino, apoiou o Acordo de Salvaguardas Tecnológicas, comemorando a aprovação juntamente com a bancada bolsonarista. O acordo mais tarde, como previsto, foi utilizado como argumento para a ampliação do CLA e quase expulsou do local vários povoados quilombolas (eles até hoje correm esse risco).

Não foi só isso. Nos limites do CLA existem terras devolutas estaduais. O governo de Brandão e de seu inseparável antecessor, Flávio Dino, jamais promoveu a entrega desse títulos para os quilombolas que ali residem desde o período da escravidão. Preferiu repassar essas terras para a União Federal, que, por sua vez as entregará ao Centro de Lançamento.

Por tudo isso é que dizemos que os quilombolas de Alcântara mereceriam muitas reparações, sucessivas reparações, porque as violações de seus direitos continuam a ocorrer todos os dias. E a classe política maranhense sem dúvida é a maior devedora dessas reparações.