sexta-feira, 24 de março de 2017

Os símbolos da política




As imagens representam gestos políticos. E a política está impregnada de símbolos - que falam nas entrelinhas dos discursos.

Estamos vivendo tempos de intensa despolitização, onde os símbolos estão se impregnando de significados diferentes.

Hoje, a política dominante dialoga com o fundamentalismo religioso e não com o ecumenismo libertário da teologia da libertação.

De igual modo, a nova hegemonia do conservadorismo arranca aplausos da supressão das garantias fundamentais do cidadão, diante das operações policiais e judiciais espetacularizadas.

E a corrupção política transforma-se em prática normal e aceitável, anistiada pelo voto, captado pelas campanhas milionárias.

Por isso, alguns setores da esquerda fazem questão de tentar confundir não apenas os símbolos, mas também seus significados. 




Esses gestos demagógicos, plenos de mesuras ao reacionarismo, esvaziam a política de seu conteúdo progressista e sinalizam para uma verdadeira cumplicidade com a onda conservadora que toma conta do país.

Certas imagens, num contexto de compromisso amplo com reconfiguração da política, não seriam permitidas. Hoje, a permissividade ideológica sinaliza para uma certa simpatia pela barbárie do conservadorismo, permeada de preconceitos e de cultura do ódio - em nome da bíblia; tomada por cortesia diante da ditadura judicial de operações como a Lava Jato; impregnada de leniência diante do crime de corrupção política e suas mais diversas facetas.





Esperar a esperança significa olhar com desconfiança para tudo isso, sob pena de batermos palmas para o cinismo.

Se um dia quisermos que o Brasil se levante, precisamos de lideres que se envergonhem de determinados gestos.


quarta-feira, 22 de março de 2017

GERAR, GERÔ, GERANDO






Ocorreu hoje, no Centro de Criatividade Odilo Costa Filho no Reviver desde as 17:00, uma grande homenagem dos amigos de Jeremias Pereira da Silva, o Gerô. Ele foi espancado até a morte por policiais militares na tarde do dia 22 de março de 2007.

O artista popular maranhense, Jeremias Pereira da Silva, o Gerô, se transformou no símbolo de uma das principais bandeiras da luta contra a tortura no Maranhão, por intermédio de uma Lei (Lei nº 8.641/2007, de autoria da então deputada estadual, Helena Heluy), que criou o dia Estadual de Combate à Tortura.

Neste 22 de março, a data completa 10 anos da morte do cantor, compositor e cordelista, o amigo e parceiro,  Moizés Nobre, idealizou uma homenagem, com uma roda de conversa e  a realização do show “Gerar, Gerô, Gerando”, um tributo a Gerô, que aconteceu às 17h, no Odylo Costa Filho.

O artista foi morto aos 46 anos, quando estava sob custódia estadual, após ser confundido com um suspeito de assalto. Gerô foi barbaramente espancado por policiais militares, não resistindo aos ferimentos.

Em 2016, a familía de Gerô, em acordo judicial, teve direito a receber uma indenização no valor de R$ 250.748,76, que está sendo quitado em seis parcelas mensais. A família ainda é auxiliada, atualmente, por pensão vitalícia, concedida à viúva de Gerô, por meio de lei estadual editada pelo então governador Jackson Lago.

A data, além de relembrar o trágico episódio, representa a luta contra a violência policial no Estado. Se a lei federal contra a tortura (Lei nº 9.455/97) refere-se à tortura de modo geral, incluindo a tortura praticada por particulares, o dia 22 tem em vista uma determinada prática da tortura, praticada por agentes do sistema de segurança do Estado.

Nesse sentido, na roda de conversa, lembrei que a tortura não é um fenômeno isolado dos programas de segurança pública. Ela emerge no contexto de uma determinada visão de policiamento que promove a ruptura com princípios básicos de direitos humanos, violando garantias mínimas do cidadão, desde a abordagem até a custódia.

Após o esfacelamento da tentativa de implantação do programa de segurança cidadã, em pleno governo democrático e popular, assistimos uma regressão progressiva nas políticas de segurança pública, reafirmando a repressão sobre a prevenção, a beligerância sobre a investigação, culminando com o encarceramento em massa e o extermínio da juventude pobre, negra e moradora das periferias.

Chamei a atenção para o ovo da serpente que setores populares estão chocando ao se omitir, ou simplesmente apoiar o populismo penal em voga, responsável pelas práticas de seletivismo penal e de etiquetamento dos mais pobres. 

Esse modelo de segurança pública, hoje tão festejado pela direita e por setores da esquerda, é responsável pelo incremento dessa onda conservadora que construiu o golpe parlamentar no país e hoje avança sobre os direitos fundamentais das classes trabalhadoras. 

Portanto, considero inútil os discursos governamentais de combate à violência policial - confinados em nichos de poderes restritos - quando as práticas seletivas imperam na realidade e são reforçadas pelos discursos facistóides de ataque aos direitos humanos e de reforço do policiamento de extermínio.

Gerô deve ser o símbolo dessa reflexão - se quisermos salvar os outros gerôs, que tombam todos os dias, invisibilizados pela cruzada paranóica do punitivismo.

terça-feira, 21 de março de 2017

A invasão da sede da SMDH

No dia 15 de março a Sociedade Maranhense de Direitos Humanos (SMDH) publicizou nota repudiando a invasão de sua sede, protagonizada por agentes da Polícia Civil com armas em punho e sem mandado judicial,  por volta das 17h daquele dia, para suposta operação de perseguição a um suspeito de crime.

Mais do que depressa, a Secretaria de Direitos Humanos e Participação Popular - SEDHIPOP saiu em defesa da Secretaria de Segurança, por intermédio de outra nota.

A situação é curiosa, porque as Secretarias de Direitos Humanos, mesmo sendo órgão de governos, não costumam se posicionar de forma cega em defesa de operações policiais. No mínimo aguardam as apurações para se posicionar.

No caso do Maranhão, a situação de subordinação ideológica desta Secretaria a faz silenciar e se omitir em relação a violações de direitos humanos históricas e crônicas no Estado. Nem as secretarias de direitos humanos do grupo Sarney demonstravam tal grau de subserviência.

Aqui se escamoteia o caso do aluguel camarada (que colocou em situação de risco adolescentes infratores no bairro da Aurora), fica-se em silêncio em relação à aliança do governo com o agronegócio e com o latifúndio; baixa-se a cabeça em relação à invasão dos assentamentos estaduais por uma empresa eólica; faz-se cara de paisagem em relação aos maus tratos e à superlotação dos presídios.

Diante desse quadro, não foi destoante a posição de apoiar a polícia que proporcionalmente mais mata no país.

Mas o que mais surpreendeu nesse caso foi a disposição deliberada de distorcer os fatos, desqualificando uma denúncia de uma das entidades mais atuantes em matéria de direitos humanos no Estado. Uma entidade com uma trajetória tão insuspeita que o próprio governo não reluta em fazer convênios para levar adiante o sistema de proteção no Estado.

O rebaixamento programático e principiológico por vezes é tão grande que o próprio secretário parece não confiar mais na sua própria trajetória de militante. Diluiu-se no mar das conveniências políticas para fazer ouvidos moucos para uma prática policial que a cada dia assume a faceta beligerante e negadora das garantias minimas dos cidadão.

Invasão a domicilio é uma das garantias mais importantes do Estado Democrático e de Direito. Somente as ditaduras relativizam essa garantia. É por intermédio da relativização desse direito que o seletivismo penal impõe o estereótipo penal e o estigma aos moradores de periferia.

Resta evidente que se os policiais soubessem que ali era a sede da SMDH teriam procedido de forma diferente. Entraram sem autorização porque o cachimbo faz a boca torta. 

A SMDH poderia ter autorizado a entrada, porque não tem nenhum interesse em obstaculizar procedimentos policiais. Mas a forma como a entrada ocorreu, ignorando a posição clara, verbalizada por uma representante da entidade, significa uma afronta.

E não denunciar essa prática, seria recuar diante de um princípio caro de direitos humanos. Se a SMDH orienta as pessoas a se defender das arbitrariedades policiais não seria ela a se calar diante do episódio. Mesmo que o governo estadual entenda que fazer convênio é calar a boca das entidades da sociedade civil.

Se a SMDH é confiável para executar programa de direitos humanos no Estado também deveria no mínimo ser digna de crédito diante de uma denúncia tão grave. Vergonha alheia SEDHIPOP.

Blogueiros em danação

Na manhã de hoje um setor da blogosfera maranhense foi surpreendido com uma operação da Polícia Federal, cujo objetivo seria desarticular uma organização criminosa composta por servidores públicos e particulares e 15 blogueiros, que causavam embaraço a investigações da PF no estado.

Os mandados foram expedidas pela 2ª Vara da Justiça Federal de São Luís (MA) e cerca de 80 policiais federais foram acionados para cumprir 23 mandados judiciais, sendo quatro de prisão temporária, quatro de condução coercitiva e 15 de busca e apreensão (prisão preventiva), em residências e locais de trabalho dos investigados. 

Segundo informam as notícias, a investigação teria início em 2015 de forma sigilosa. A PF apurou que determinados blogueiros ameaçavam funcionários públicos e empresários e pediam valores em troca da não divulgação na mídia local dos fatos descobertos em desfavor deles.

Segundo a investigação, o investigados aproveitavam também a oportunidade para fugirem ou destruírem provas.

Até agora o nome do servidor beneficiado seria Danilo dos Santos Silva, coincidentemente, exonerado 12 dias antes da operação. Ele é policial federal e exercia o cargo de Secretário Adjunto da Administração, Logística e Inovação Penitenciária. A PF também investiga os contratos de empresas terceirizadas com a SEAP, envolvendo cerca de 37 milhões. 

A parte mais difícil de entender: em troca, o servidor público Danilo dos Santos Silva era agraciado com publicações na imprensa em seu favor, permitindo sua inserção em cargos de confiança do Estado. Difícil imaginar como isso seria possível. É provável que Danilo tenha sido nomeado por outras vias.

E tudo indica que havia um esquema de corrupção dentro da SEAP, envolvendo as empresas terceirizadas.

A PF apura ainda possíveis frustrações do caráter competitivo de licitações do sistema prisional, bem como eventuais desvios na execução de verbas públicas.

Foram pedidas as prisões preventivas de: DANILO DOS SANTOS SILVA, LUIS ASSIS CARDOSO DA SILVA DE ALMEIDA, ANTONIO MARCELO RODRIGUES DA SILVA, LUIS PABLO CONCEIÇÃO ALMEIDA, HILTON FERREIRA NETO, YURI DOS SANTOS ALMEIDA,
MARCELO AUGUSTO GOMES VIEIRA, ANTONIO MARTINS FILHO, EZEQUIEL MARTINS DA CONCEIÇÃO, FABIANO LEITE CAMPOS, HERBETE LOPES DINIZ, CESÁRIO FERREIRA BRANDÃO JUNIOR, WILLIAN KAREY DE CASTRO, GABRIEL COSTA E FORTI e AJEJE JORGE SABBAKA.

Foram objeto de pedido de prisões temporárias de: CELSO ADRIANO COSTA DIAS, IRAN SOUSA VIDAL, IRAN SOUSA VIDAL FILHO.

Desde a morte de Décio Sá não havia uma investigação de impacto sobre a prática de determinados blogs no Estado. Não causou surpresa constatar a presença de alguns nomes na lista de investigados da polícia federal. 

Desde que o jornalista da mirante foi morto, a prática de extorsão por alguns blogueiros foi revelada, como mecanismo de rápido enriquecimento.

O diferencial dessa operação são as coincidências. Por exemplo: alguns dos blogueiros incriminados mantinham relação de muita hostilidade com o governo, inclusive respondendo a inúmeras ações judiciais.

A exoneração de Danilo dos Santos, sem motivo determinado, faz crer que o governo teve conhecimento prévio da operação e/ou que a operação surge como forma de retaliação de desafetos políticos. A prática da extorsão pode ter sido apenas um pretexto para o massacre moral que se seguirá. 2018 já se aproxima.

PS: Pelo visto já se sabe como Danilo dos Santos chegou ao cargo de adjunto na SEAP. Segundo o programa Ponto e Vírgula, da Rádio Difusora, teria sido uma indicação do deputado Estadual, Raimundo Cutrim (PCdoB).

sábado, 18 de março de 2017

Sobre a denúncia de Roberto Rocha

O Senador Roberto Rocha (PSB) denunciou nesta quarta-feira (5) a Comissão Estadual de Prevenção à Violência no campo na Comissão de Constituição e Justiça do Senado.

O órgão foi criado no governo Flávio Dino, por intermédio da Lei Estadual nº 10.246, de 29 de maio de 2015, como um espaço de mediação e de prevenção à violência fundiária.

Antes disso, havia apenas o cumprimento das decisões judiciais nas ações possessórias, de forma cega e sem critérios. Nem mesmo a existência de uma Ouvidoria Agrária Nacional e de suas recomendações impedia o arbítrio dos despejos forçados repentinos, à revelia das normativas internacionais a respeito do tema.

Por várias vezes eu assisti verdadeiras tragédias, via de regra vitimando o homem do campo, suas comunidades e povoados, na grande maioria das vezes ostentando posses centenárias. Tudo em função das pressões dos grandes grupos econômicos ou dos latifundiários. 

O Maranhão se notabilizou ao longo de sua história por sua perversa concentração fundiária e pela violência de seus conflitos pela posse da terra. Somos os campeões nacionais nessa modalidade de violação aos direitos humanos pelo quinto ano consecutivo.

Fazer oposição ao governo Flávio Dino tem sido a missão do Senador Roberto Rocha nos últimos anos. E um dos erros políticos mais graves desse governador foi exatamente apoiar essa candidatura ao Senado, por sua incompatibilidade com o ideário da esquerda brasileira.

Sequer podemos taxar o Senador de incoerente, visto que a incoerência maior foi a de Flávio Dino e seu grupo político em apoiar a candidatura de Roberto Rocha ao Senado. Desde a deposição de Dilma Roussef que as posições de Rocha avançam para o rompimento total com o grupo que o ajudou a se eleger, mas sempre pela direita.

A lei estadual que criou a Comissão Estadual de Prevenção à Violência no Campo e na Cidade – COECV, na verdade, foi um dos poucos avanços do governo Flávio Dino. Ela é a reserva moral do governo contra o agronegócios, depois de tantas concessões.

O Senador esquece que o direito de propriedade está condicionado à sua função social e que o sistema da ONU também protege o direito à moradia.

Em 6 de julho de 1992, por meio do Decreto 591, o Brasil ratificou o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos da ONU, fazendo-o ingressar na Ordem Jurídica Nacional com força de norma constitucional (Constituição do Brasil – 1988 – artigo 5º, §§ 2º e 3º) .

Esse Tratado Internacional sobre direitos humanos, em seu artigo 11, prevê a obrigação do Estado brasileiro de proteger e promover o direito à moradia digna. A redação do dispositivo é a seguinte:

“Art. 11. 1. Os Estados-partes no presente Pacto reconhecem o direito de toda pessoa a um nível de vida adequado para si próprio e sua família, inclusive à alimentação, vestimenta e moradia adequadas, assim como a uma melhoria contínua de suas condições de vida. Os Estados-partes tomarão medidas apropriadas para assegurar a consecução desse direito, reconhecendo nesse sentido, a importância essencial da cooperação internacional fundada no livre consentimento”.

No sistema ONU, o direito humano fundamental à moradia também está previsto em várias Convenções Internacionais de Direitos Humanos editadas para tratar de grupos vulneráveis: mulheres, crianças, idosos, refugiados, etc. 

Também constituem suporte normativo de status constitucional ao direito a moradia digna, o artigo V da Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial (1965) , o artigo 14.2 (h) da Convenção sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (1979) , o artigo 21, item 1 e 3 da Convenção sobre os Direitos da Criança (1989) .

Pelo Sistema Interamericano de Proteção aos Direitos Humanos, da OEA – Organização dos Estados Americanos, o Brasil também assumiu compromissos de proteger e promover o direito à moradia digna, fazendo tratados ingressarem no ordenamento jurídico interno como norma constitucional Dignos de referência são os retratados nos artigos 11, 24 e 26 da Convenção Americana de Direitos Humanos – Pacto de San José da Costa Rica.

Na Constituição Federal o direito à moradia digna emerge da proclamação da dignidade da pessoa humana como fundamento da República do Brasil (artigo 1º, III), da inserção da moradia entre as necessidades básicas da pessoa humana a serem atendidas pelo salário mínimo (artigo 7º, IV), da competência comum da União, Estados, Distrito Federal, e Municípios para promover programas de construção de moradias e melhorias das condições habitacionais (artigo 23, IX), da enunciação de que a casa é asilo inviolável do indivíduo (artigo 5º, XI), da competência da União para instituir diretrizes para o desenvolvimento urbano, inclusive habitação (artigo 21, XX), entre outros.

A Emenda 64/2010, inseriu explicitamente a moradia no rol dos direitos sociais (artigo 6º) desta Constituição.

Em relação aos despejos forçados, existe o Comentário Geral n. 7 do Comitê dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais da ONU, que explicita que os despesos não podem resultar em pessoas desabrigadas ou vulneráveis à violações de direitos humanos, incumbindo ao Poder Público garantir alternativa de moradia àqueles que sofrerem despejos, sejam ilegais ou em decorrência de remédios legais de proteção à posse ou propriedade de terceiros.

Portanto, embora pertinente para sua plataforma política endereçada especialmente ao agronegócio, não há razão jurídica para o Senador, em sintonia com princípios de direitos humanos.

Além do mais, convém repisar que lamentamos que a referida comissão não tenha podido avançar mais, diante da omissão do governo em tocar nas questões estruturais do Estado. São elas que reforçam as desigualdades sociais que cercam o fenômeno do despejo forçado.

Importante para a aspecto do processo judicial, redimensionando o tempo e o espaço das reintegrações de posse, a comissão oportuniza as mediações dos conflitos. Mas é preciso dizer que o litígio fundiário no Estado campeão nacional dos conflitos exige desconcentração da terra da terra, controle social e ambiental dos grandes empreendimentos do agronegócio e massiva política de regularização fundiária. Sem isso, a intervenção da COECV  é limitada.

Dessa forma, enquanto o Senador Roberto Rocha faz oposição pela direita ao governador Flávio Dino, nós fazemos a mesma coisa  - mas pela esquerda. E por isso mesmo apoiamos a existência da COECV e de uma política fundiária mais ousada, em favor dos trabalhadores rurais.

Nesse caso, o que o Senador acha muito, nós achamos pouco, simplesmente porque defendemos interesses divergentes.

sexta-feira, 17 de março de 2017

Por que linchamos?



O levantamento realizado pela Sociedade Maranhense de Direitos Humanos confirma a tendência de crescimento dos linchamentos no Maranhão.

A partir de 2015, os casos conheceram um aumento assustador, culminando em 2016 com 42 situações e 29 mortes.

O ano de 2017 já registra 7 casos em apenas 2 meses e meio. 

O linchamento é herança de ritos de sacrifício de comunas primitivas. A religião judaico-cristã está repleta de casos de linchamentos. Cristo, por exemplo, passou por um linchamento que culminou com a crucificação. 

No linchamento existe revanche mas também tentativa de purificação da sociedade pelo sangue. O sangue para determinadas religiões purifica a dor da morte. 

Se na Antiguidade e na Idade Média o linchamento era autorizado pelo Estado, a modernidade aboliu gradualmente essa modalidade de vingança privada.

Em alguns países o linchamento continua ser prática de punição oficial, influenciada pelo islamismo, onde o apedrejamento público ainda é prática corriqueira.

Muitos atribuem a origem da palavra ao coronel Charles Lynch, que praticava o ato por volta de 1782, durante a guerra de independência dos Estados Unidos, como pena endereçada aos pró-britânicos. 

Outros atribuem a origem do nome ao capitão William Lynch (1742-1820), do condado de Pittsylvania, Virgínia, que manteve um comitê para manutenção da ordem durante a revolução, por volta de 1780.

O fato é que a « lei de Lynch » deu origem à palavra linchamento, em 1837. A pena era endereçada especialmente aos indígenas e negros, numa ambiência de profundo ódio racial nos EUA.

O grupo racista denominado Ku Klux Klan, surgido dos "comitês de vigilância", notabilizou-se pela prática dos linchamentos.

Assim como naquele período, agora a desordem institucional e o descrédito da lei continuam contribuindo para a disseminação da prática dos linchamentos.

Eles ocorrem hoje sob forte influência do seletivismo penal e da espetacularização da violência, ambos com amplo respaldo nas redes sociais e nos meios de comunicação de massa.

quinta-feira, 16 de março de 2017

A MP da Maldade contra os Professores

Ontem (dia 15/03) a Assembleia Legislativa votou a Medida Provisória 230, que altera o Estatuto do Magistério e dispõe sobre o reajuste salarial dos professores da rede pública estadual do Maranhão.

A proposta está sendo rejeitada pela base da categoria, mas o sindicato silencia, em razão de suas inegáveis relações políticas com o partido do governador - o PCdoB.

A Medida Provisória encaminhada pelo governador Flávio Dino (PCdoB) ao Poder Legislativo, altera o texto do Estatuto sancionado em 2013, e prevê, para este ano, um reajuste de 8% sobre os vencimentos e a Gratificação por Atividade no Magistério (GAM) para quem ganha abaixo do piso, e somente sobre a GAM para as demais classes.

A categoria dos professores, na sua base,  no entanto, sustenta que os professores que ganham abaixo do piso são a minoria e exige reajuste dos vencimentos para toda a classe.

Votaram a favor da medida os deputados Ana do Gás; Antonio Pereira; Bira do Pindaré; Cabo Campos; Leo Cunha; Levi Pontes; Édson Araújo; Fabio Braga; Fabio Macedo; Glaubert Cutrim; Hemeterio Weba; Junior Verde; Othelino Neto; Paulo Neto; Prof Marco Aurélio; Rafael Leitoa; Raimundo Cutrim; Ricardo Rios; Rigo Teles; Rogério Cafeteira; Stênio Rezende.

Votaram contra os deputados: Wellingto, Edilázio Júnior, César Pires, Sousa Neto, Eduardo Braide, Max Barros, Andrea Murad, Alexandre Almeida, Graça Paz e Adriano Sarney.

O restante não compareceu à sessão.

O governo Flávio Dino não paga o piso nacional dos professores e não concedeu reajuste no ano passado.

Para completar, propôs a MP 230/2017, que alterou partes do Estatuto do Magistério (Lei Estadual nº 9.860/13), sem nenhum debate com a categoria, tratando do tema apenas com a direção do sindicato, filiada ao PCdoB.  A base dos professores teve que solicitar audiência pública na Assembleia para debater o tema, à revelia da vontade da base governista.

A MP viola as disposições do art. 32 do Estatuto do Magistério, único instrumento normativo que protege o mecanismo de reajuste do magistério estadual.

O MEC, por intermédio da Portaria nº 31, de 12 de Janeiro de 2017, publicou o novo valor do piso nacional dos professores, em conformidade com o art. 5º da Lei no 11.738, de 16 de julho de 2008.

O piso salarial dos docentes é reajustado anualmente, seguindo as regras da Lei 11.738/2008, a chamada Lei do Piso, que define o mínimo a ser pago a profissionais em início de carreira, com formação de nível médio e carga horária de 40 horas semanais.

O ajuste deste ano é menor que o do ano passado, que foi de 11,36%. O valor representa um aumento real, acima da inflação de 2016, que fechou em 6,29%. O novo valor começa a valer a partir deste mês.

A lei vincula o aumento à variação ocorrida no valor anual mínimo por aluno definido no Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb). 

A  lei estadual nº 9.860/13 (o Estatuto do Magistério), vincula o Piso Nacional  aos ajustes dos vencimentos a todos os profissionais da Educação Básica no Maranhão. Ela diz:

Art. 32. O Poder Executivo procederá aos ajustes dos valores do vencimento do Subgrupo Magistério da Educação Básica no mês de janeiro, no percentual do Piso Salarial Profissional Nacional do Magistério. (Lei nº 9.860/13).

Para eliminar esse incômodo normativo, o governo aprovou a MP 230 e agora vai conceder o reajuste diferenciado para os diferentes níveis da carreira. Agora teremos reajuste sobre a GAM e reajuste sobre vencimentos, conforme o nível da carreira do profissional do magistério da educação básica. Um verdadeiro retrocesso na luta por melhores condições de trabalho dos professores da rede estadual.

A campanha midiática do governo Dino vem distorcendo esse debate, propalando aos quatro ventos que os professores da rede estadual estão obtendo ganhos salariais, quando na verdade o piso está congelado há dois anos.

O artigo 2º da lei federal nº 11.738/2008, estabelece:

§ 1º O piso salarial profissional nacional é o valor abaixo do qual a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios não poderão fixar o vencimento inicial das Carreiras do magistério público da educação básica, para a jornada de, no máximo 40 (quarenta) horas semanais.

 Ou seja, o piso é o vencimento inicial das Carreiras do magistério público da educação básica. O governo do Maranhão distorce os fatos ao divulgar o valor de R $ 4.985,44 como piso dos educadores. Neste valor está incluída a GRATIFICAÇÃO DE ATIVIDADE DO MAGISTÉRIO - GAM, no percentual de 104%.

Até antes da aprovação da MP 230, o piso dos educadores da rede estadual com jornada de 40h era, de R$ 1.918,20. Este valor é R$ 380,60 inferior ao piso Nacional/2017, que alcança o montante de R$ 2.298,80.

Para a jornada de 20h, o piso dos educadores da rede estadual era de apenas R$ 959,10.

Com a aprovação da MP, o governo Dino continuará a descumprir a lei do piso para a grande maioria dos professores, porque receberão o reajuste de 8% apenas sobre a GAM. As perdas ao longo dos dois anos são muito maiores do que esse reajuste, diga-se de passagem.

Mas a propaganda continuará, impunemente.

terça-feira, 14 de março de 2017

A Advocacia Popular

Resolvi escrever sobre esse tema como uma tentativa de sistematização. Apesar de conviver com essa área do direito, há mais de vinte anos, percebe-se que são muitas as confusões acerca do perfil da intervenção da advocacia popular e seus limites e objetivos.

Aprofundar essas questões talvez ajude a esclarecer nossas atribuições e propósitos, ao mesmo tempo em que afirmamos esse modelo de advocacia como área própria e específica de atuação, de modo a orientar as escolhas dos futuros vocacionados, bem como a demanda que para ela recorre.

Em primeiro plano, a questão teminológica: advocacia pro bono, assessoria jurídica popular e advocacia popular são termos congêneres ou existem diferenças entre eles?

Existe uma diferença grande entre advocacia popular e advocacia pro bono. O termo pro bono na área jurídica refere-se aos serviços jurídicos prestados gratuitamente para aqueles que são incapazes de arcar com os custos da contratação de um advogado. É uma atividade voluntária e solidária direcionada aos mais pobres do país.

Essa atividade atua complementando a atuação das defensorias públicas, embora possa atender também as chamadas entidades da sociedade civil, comumente identificadas como entidades do terceiro setor.

Advocacia popular está para a assessoria jurídica como continente e conteúdo. A assessoria jurídica é parte da advocacia. Somente advogados podem prestar assessoria jurídica. O termos são parecidos, mas a assessoria jurídica popular é uma especificidade da advocacia popular.

O termo "popular" para advocacia exprime um conceito mais restrito do que o termo pro bono, embora muita gente faça confusão entre as duas coisas.

A advocacia popular se faz dentro do campo político dos movimentos sociais, incluindo-se aqui as entidades da sociedade civil, como as Ongs e as associações. A advocacia pro bono nem sempre, em virtude de seu viés assistencial aos mais pobres.

A assessoria jurídica é o eixo não contencioso da advocacia popular. Se faz nos limites da orientação e da consulta, da educação popular, como defesa, reparação e promoção de direitos humanos.

Embora se possa utilizar termos como direitos sociais, direitos sindicais, direitos possessórios, direitos étnicos, direitos homoafetivos etc, a advocacia popular é uma advocacia em favor do direitos humanos, na sua ampla acepção, mas dentro do campo de atuação da sociedade civil organizada.

A litigância em direitos humanos (que vem do termo litígio) também envolve a defesa, promoção e reparação dos direitos humanos, no seu viés judicial e contencioso junto ao Poder Judiciário e aos organismos internacionais de direitos humanos, 

Assim, a advocacia popular atua de acordo com variadas estratégias e instrumentos jurídico-políticos, a depender do movimento social que tem por referência. Importa dizer que seu diferencial está na linguagem crítica ao direito formal e no método de litigância judicial combinado com mobilizações ou campanhas políticas que, via de regra, apontam para questões paradigmáticas no sistema jurídico.