segunda-feira, 28 de novembro de 2016

Hasta siempre, Salvador!




Justamente dentro da conjuntura de muita perplexidade e desorientação politica da esquerda mundial, algumas personalidades resolvem por bem nos deixar, não sem antes fazer indicações simbólicas.

Fidel partiu dentro da grande ofensiva conservadora para reafirmar o sonho da juventude comunista latino-americana, de que é possível vencer o gigante capitalista do norte, derrotando suas politicas colonialistas regressivas.

Salvador Jackson Fernandes era da geração herdeira da revolução cubana e que depois alcançou lograr reflexões mais apuradas acerca do socialismo com liberdade. Quis o destino que ambos - ele e Fidel Castro - partissem praticamente juntos parece que afirmando suas trajetória como exemplo de militância e coerência.

Salvador também foi dirigente da Cáritas Regional, mas foi como dirigente do PT estadual que se destacou politicamente. Sua postura conciliadora e sua honestidade intelectual serviram ao equilíbrio da legenda em tempos de duríssimas disputas internas. Foi indicado presidente estadual do partido por suas qualidades de mediador e apaziguador de contendas.

Não por acaso foi titular da Secretaria Geral e da Secretaria de Finanças do partido e presidente do Diretório Regional do PT no Maranhão nas gestões de 1996-1997 e de 1998-1999.

Ele viveu o apogeu e o declínio de um agrupamento interno petista que serviu e referência para atuação de grandes lideranças que se destacaram no cenário político do Estado, tais como Manoel da Conceição, Helena e José Antônio Hiluy, Valdinar Barros, Luís Vila Nova, Domingos Dutra e tantos outros.

Afastou-se da Cáritas para assumir o cargo de Secretário Municipal no primeiro governo Jackson Lago, por indicação de Domingos Dutra. Após o rompimento entre PT e PDT, viu-se desempregado, enfrentando a contingência dos concursos, período em que diminuiu sua militância partidária.

Foi aprovado para o cargo de analista de finanças e controle da Controladoria Geral da União, afastando-se temporariamente do Estado, não sem antes presenciar a intervenção do Diretório Nacional do PT, obrigando o partido a apoiar Roseana Sarney, em 2010, e a saída de seu grande amigo, Domingos Dutra, da legenda, logo depois das eleições.

Crítico dos rumos tomados pelo PT e pelo próprio PCdoB no Estado, este último por liderar uma coalizão à direita mais ampla do que a do próprio Jackson Lago, Salvador elaborava escritos e verbalizava suas opiniões de forma destemida, sem perder os antigos vínculos de amizade com os militantes de esquerda, especialmente com Domingos Dutra, a quem nutria grande amizade e admiração.

Nos últimos dias do combate contra o câncer - um linfoma de peculiar agressividade surgido na região do cérebro - manteve o mesmo humor sarcástico de sempre, inclusive em relação ao seu próprio estado de saúde.

Não poderia ser surpresa para os mais íntimos constatar as amizades conquistadas repentinamente no curto período de tempo em que esteve internado no hospital, na sequências de três delicadíssimas cirurgias. As enfermeiras que recebiam diários presente de comidas e frutas que lhes excediam do carinho atento de amigos e familiares foram testemunhas da sua ternura espontânea.

Rapidamente um frequente "seu Salvador" era ouvido na boca dos profissionais de saúde, que ajudavam os visitantes na localização de seu quarto de recuperação. Do seu lado, de quando em vez lembrava aos familiares da exploração que os operadores de saúde sofriam no exercício da profissão.

Dele não havia lamento, temor ou desespero. Havia, pelo contrário, planos de retornar ao trabalho e mesmo voltar à fazer política.

No período em que voltou ao Apeadouro,  Bairro onde sempre residiu, desde os tempos da genitora, ouvia-se Salvador falar em escrever artigos sobre política, sempre em conversas animadas, ou retornar a dirigir - algo que lhe dava indescritível sensação de liberdade. Tudo isso em que pese a perda gradativa da visão, sobretudo a periférica.

Contrariando o zelo dos familiares, ainda viajou por duas vezes para Chapadinha, em terras da família, onde, em uma das ocasiões celebrou a vitória eleitoral de Domingos Dutra em Paço do Lumiar, comendo sua iguaria preferida, a tradicional carne de bode.

As terras de Chapadinha, o interior, era seu refúgio psicológico, para onde se deslocava com frequência insistente, nos anos de saúde. Ali planejava encerrar seus dias de aposentadoria, sabíamos.

Sem temer a morte, seu corpo não resistiu a última e final cirurgia. Partiu como que nos dizendo para continuar lutando com a dignidade de um socialista. Deve estar em algum lugar do paraíso jogando dominó - sua outra paixão - com o velho Fidel. Hasta siempre, Salvador!

terça-feira, 22 de novembro de 2016

Quilombos na semana da consciência negra


Em 2009, 30 decretos quilombolas; em 2010, 11 decretos; em 2011, 01 decreto; em 2012, 11 decretos; em 2013, 10 decretos; em 2014, sem decretos; em 2015, 10 decretos; Em 2016, 5 decretos de desapropriação. 

Acompanhar esse percurso desvenda a forma como os governos do PT e do PMDB tratam a temática dos quilombos no país.

O governo Temer transferiu do extinto Ministério do Desenvolvimento Social e Agrário para a Casa Civil, a competência de titulação das terras dos remanescentes das comunidades dos quilombos. 

A sinalização já havia sido tentada no Governo Dilma. A mudança tem o objetivo de que as decisões políticas influenciem mais decisivamente o processo de titulação, o que por simetria deverá ocorrer com a reforma agrária.

A previsão orçamentária do governo Temer para 2017 indica a paralisação no atendimento da demanda dos quilombolas. Houve uma redução de 50% do orçamento do Incra para a titulação de terras quilombolas em comparação com 2016. Mas se em 2016 já trabalhávamos com apenas 8 milhões do governo petista, agora teremos somente 4,1 milhões para a política de titulação dos territórios.

Computadas áreas de competência estadual e federal, o Maranhão tem apenas 55 tituladas, dentre as 165 em todo o território nacional. É pouco diante da demanda de mais de quatrocentas áreas represadas desde os primórdios de 1988.

Desde o início do marco legal quilombola, o Estado brasileiro tem tornado mais complexo e burocrático os procedimentos de titulação. O decreto federal n° 4.887, de 2003, e a Portaria nº 49, do INCRA, conseguem ser piores do que a legislação da reforma agrária, atrasando os procedimentos de titulação e colocando em risco as comunidades ameaçadas de despejo.

O organograma abaixo, foi colhido do site do INCRA e dá apenas uma superficial ideia das dificuldades normativas, dentre elas uma certificação expedida pela Fundação Palmares; um RTID (Relatório Técnico de Identificação e Delimitação) mais minucioso e complicado do que um relatório antropológico que fundamenta a demarcação de território indígena; intervenções de órgãos e instituições cujos interesses sempre estão alinhados ou com a defesa territorial ou com as pretensões dominiais do agronegócio. 


Tudo isso deveria servir a uma reflexão mais apurada acerca do racismo à brasileira na semana da consciência negra.

Todos os ornamentais órgãos e instituições que servem apenas para legitimar a negação ou a tardia conquista de minguados direitos estarão a serviço da libertação de negros e negras ou apenas servem de amortecedor para os grandes conflitos que se aproximam?

Naturalizar essa negação de direitos em nome de espaços ilusórios de poder, nos escaninhos dos governos que promovem o agronegócio, não seria uma simples repetição da postura dos escravos da fazenda, que via de regra agiam em oposição aos escravos da senzala, por sua incômoda proximidade com os privilégios de amos submissos?

Por nunca esperar a adesão dos serviçais da corte para tensionar a podridão do sistema escravagista o quilombo sempre inspira a rebelião contra a injustiça.

quinta-feira, 17 de novembro de 2016

OS NÚMEROS QUE NÃO CALAM


Flávio Dino e seus homens de segurança: tudo bem sob a égidecomunista


O governo Dino continua se embananando com números da Segurança Púbica.

Em nota publicada no dia 29 de outubro, o governo se contrapõe aos dados do Anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, publicizados no dia 28 do mesmo mês.

Veja a nota do Governo (a numeração dos itens está errada mesmo no link original):


"Nota sobre 10º Anuário Brasileiro de Segurança Pública

29/10/201615H 50

Sobre os dados do 10º Anuário Brasileiro de Segurança Pública, divulgados nesta sexta-feira (28), o Governo do Maranhão, por meio da Secretaria de Estado da Segurança Pública (SSP-MA) esclarece que:

1. O suposto aumento de 7% deve-se à inclusão na estatística oficial do estado de 80 cidades que não estavam presentes em 2014, corrigindo uma subnotificação.

2. Portanto, a comparação de eventos morte no Estado do Maranhão entre os anos de 2014 e 2015 não se baseou nos mesmos parâmetros, uma vez que os dados analisados são heterogêneos. No ano de 2014, um total de 80 municípios maranhenses não eram contabilizados na consolidação da estatística oficial do Estado, cujos dados referentes a estas cidades apareciam zerados. Ciente da deficiência, a atual gestão corrigiu a aferição de dados com a criação da Unidade de Estatística e Análise Criminal da SSP e incluiu tais municípios na estatística oficial. Além disso, incluiu 18 representantes de estatísticas nas Unidades Regionais, no sentido de coletar números exatos.

3. Reiteramos que na Região Metropolitana da Grande Ilha, em que é possível uma comparação entre bases iguais de dados, houve redução de 20% nos registros de CVLI de janeiro a setembro deste ano, na comparação com o mesmo período de 2014.

4. A metodologia utilizada para a composição dos dados do Anuário diverge da metodologia oficial estabelecida pela Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp), que utiliza o termo Crimes Violentos Letais Intencionais (CVLIs) para contabilizar homicídios, latrocínios e lesão corporal seguida de morte. Já o Anuário inova com a expressão Mortes Violentas Intencionais (MVI), que inclui na contabilização de óbitos, as intervenções policiais em que há o confronto entre as polícias e o criminoso;

4. O Governo também passou a realizar contabilização qualitativa dos CVLIs de todo o Estado, expondo-os minuciosamente por meio de tabela com data, hora, nome da vítima, idade, arma utilizada, região, bairro etc, para uma melhor análise e combate estratégico às modalidades criminosas.

5. A SSP esclarece que, devido à intensificação do combate à criminalidade em todo o Estado, decorrente da reestruturação do Sistema de Segurança Pública com acréscimo de 1500 policiais e 300 novas viaturas, houve mais confrontos entre as polícias e o criminoso, aumentando consequentemente o número de mortes entre as partes;

6. Acerca da divulgação do números do 10º Anuário de Violência, destaca-se o Estado do Maranhão como um dos entes federativos com estatística confiável de dados de homicídios;

7. Por fim, a SSP acrescenta que o Estado do Maranhão possui um dos melhores índices de número de homicídios por 1000 habitantes, por ano."

Analisando o conteúdo da nota e dando uma espiada no Anuário, constata-se de plano que esse governo tem problema com números.

Ocorre que se consideramos índices onde não incidem a ampliação da base de dados e o conceito de MVI (Mortes Violentas Intencionais), usado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, vamos constatar que as coisas não vão bem, como querem que acreditemos.

Por exemplo, o Anuário traz índices de alguns delitos que ocorreram somente na Capital, como tráfico de entorpecentes, uso e porte de entorpecentes, roubo e furto de veículos e latrocínio. Nesses tipos penais não há que se alegar conceito envolvendo mortes e a inclusão de outros municípios, porque nesses casos não existe a ocorrência letal e os dados são homogêneos referentes a São Luís apenas.

De 2014 para 2015 houve uma variação de crescimento de 28,8% do tráfico de entorpecente na capital. No uso e porte de entorpecente o crescimento foi de 47,8% no mesmo período.No Roubo e Furto de Veículo o crescimento foi de 16,6%. O latrocínio em São Luís subiu simplesmente 106,8%.

Moral da história: nem tudo são flores.

Ps: Essa foto diz tudo.


Direitos humanos para humanos direitos?

Uma das manifestações mais simplórias do senso comum reacionário é a guerra contra os postulados de direitos humanos.

O protofacismo imbutido na mídia policialesca conseguiu elaborar uma verdadeira doutrina acerca dos chamados "direitos humanos", para justificar a seletividade.

Nada irrita mais um reacionário do que a possibilidade de os direitos serem extensivos a todos, sem distinção. A história da humanidade é a história das seletividades. Da Grécia até a Segunda Guerra Mundial havia todo um arcabouço discursivo para excluir alguns segmentos sociais da proteção dos direitos.

A doutrina dos direitos humanos promoveu a ruptura necessária, avançando para além dos limites das teorias comunistas ou socialistas. Incluiu vulnerabilidades não determinadas pelas lutas de classes, abrindo espaço para um novo sujeito de direitos, mais abrangente e universalizante.

Exatamente por pregar a universalidade dos direitos, os postulados de direitos humanos são antagônicos aos seletivismos. A máxima reacionária "direitos humanos para humanos direitos" é uma tentativa inútil de restringir a amplitude dos direitos humanos, reforçando estereótipos e estigmas.

É exatamente por ser universal que os direitos humanos questionam o lugar de quem posiciona as pessoas nessa lógica bipolar de "direito" e "errado". Não existe universalizações sem o prisma da historicidade. Os seres humanos são iguais em direitos e essa luta é histórica, para infelicidade dos carimbadores oficiais estigmatizantes.

A luta histórica dos direitos humanos reflete a trajetória da civilização contra os elitismos e os privilégios, assim como reflete a luta contra as desigualdades.

As tentativas de deslocamentos semânticos dos direitos humanos são apenas a consciência seletiva engendrando sua estratégia de defesa menos sutil: o punitivismo e o encarceramento em massa.

Onde os direitos universais ameaçam minorias proprietárias a solução é excluir, quando não simplesmente encarcerar. Essa doutrina tem um alvo: os mais pobres, os negros, os gays, as mulheres, os camponeses sem terra, os indígenas, as pessoas com deficiência...

Os sistemas punitivistas não são democráticos, porque são seletivos. Eles promovem em primeiro lugar o preconceito e o estereótipo, para orientar o perfil da clientela penal. Em países do terceiro mundo, os infratores criminais são em geral produto de profundas desigualdades sociais.

Os presídios estão superlotados de pobres, como se somente os pobres cometessem crimes. Eles são monitorados duramente pelo aparato policial ao mesmo tempo que são excluídos das políticas públicas fundamentais.

Além de monitorados, os mais pobres são obrigados a conviver com o preconceito e o estereótipo que os faz suspeitos perante o sistema de justiça criminal. São os preguiçosos, os vagabundos e os inúteis para o Deus-mercado.

Reagir contra o seletivismo penal talvez seja a tarefa mais inglória dos que aceitem os postulados universalizantes dos direitos humanos. É ali onde reside a principal trincheira do ódio.

Toda vez que se diz que um preso tem direito, mesmo que pratique os mais graves dos crimes, cutuca-se a ferida do sistema onde ela mais apodrece e gangrena. Por isso que os defensores de direitos humanos são tão vigiados quando atuam nos sistemas prisionais.

É ali onde ocorre hoje a principal luta da humanidade para universalizar direitos, rompendo a lógica principal da estratégia de negação do ser humano, como ser histórico e capaz de mudar o seu destino.

Não importa que intervenham em número infinito de temáticas, os defensores de direitos humanos serão taxados sempre pelos reacionários de "defensores de bandidos", porque o seletivismo acalenta um conceito muito particular onde se encaixa o perfil do que considera bandido: o pobre, negro e morador das periferias.

Nenhuma esquerda avançará no projeto de transformação da sociedade de braços dados com o populismo penal de cunho facistóide. O reencontro da teoria com a prática deve ocorrer na fusão oportuna da militância de esquerda com a militância de direitos humanos.

Derrotar o seletivismo penal é condição de possibilidade para o socialismo autêntico. A crítica de Marx aos Direitos Humanos continua de pé porque é a crítica aos chamados "direitos politicos" do cidadão burguês, na conjuntura em que emerge a Revolução Francesa com as limitações próprias daquela revolução política.

 Daí em diante, a caminhada dos direitos humanos foi além do direito pelo qual os desiguais de fato se igualam pela norma jurídica.

quarta-feira, 16 de novembro de 2016

Violência de gênero: uma reflexão

O Jornal O Imparcial anunciou hoje que seis homicídios (na verdade, feminicídios, diante de suas características tipológicas) ocorreram nos últimos dias.

Dois casos em São Luis, mais dois em Imperatriz, outros dois em Rosário e Alto Alegre.

A violência praticada contra a mulher tem suas especificidades.

Em primeiro lugar, detém forte carga revimitizatória. O autoconstrangimento que gera produz evidentes subnotificações.

Denunciar exige rupturas: famililares, afetivas, sociais e até econômicas.

Por outro lado, o aparelho de segurança trabalha ainda com os registros de ocorrência, instrumento inadequado para produção de estatísticas confiáveis a respeito deste tipo de crime.

Diante da cultura de estupro instalada e do machismo imperante, é notório que os índices estão subestimados, além de, como sempre, serem restritos a alguns poucos municípios onde existe a mínima rede de proteção à mulher..

Em São Luís, o caso envolvendo a sobrinha-neta do ex-presidente, José Sarney, alcançou a mídia nacional policialesca. Mariana Sarney não está mais aqui para ser revitimizada, mas estão seus familiares e membros do seu círculo afetivo.

A investigação chafurda agora sobre as motivações para o crime, abrindo espaço para a espetacularizações que os crimes passionais ou sexuais aprofundam.

Para além da elucidação de possíveis elementos para agravação ou atenuação da pena, sobressai a curiosidade preconceituosa, que reforça tabus misóginos, explorada por segmentos da mídia.

Falam em violência contra mulher, mas aprofundam o sofrimento que a espetacularização esgarça, violando a intimidade, a vida privada e até a liberdade sexual da vítima.

segunda-feira, 14 de novembro de 2016

Trump como ponto dentro da curva

"Melhor que ninguém, Trump percebeu as discordâncias cada vez maiores entre as elites políticas, econômicas, intelectual e mediática, por uma parte, e as bases do eleitorado conservador, por outra" - Créditos: Reprodução/ Desinformémonos


Ninguém ligou para Michael Moore, quando ele profetizou o que estava na cara.

Hillary, a primeira mulher presidente, respeitada pelo mundo, inteligente, preocupada com as crianças, herdeira do legado de Obama era simplesmente a candidata do sistema que ninguém aguenta mais.

Os mais preparados concorrentes nas plenárias republicanas contra a candidatura de Trump já havia experimentado a dificuldade: a antipolítica está vencendo.

Claro que esse projeto da antipolítica teve um empurrãozinho do sistema eleitoral norte-americano, onde é praticamente impossível conseguir que pelo menos metade dos eleitores compareçam às urnas.

Nos bairros pobres, negros ou hispânicos poucas urnas aumentam as filas e os dissabores para uma participação sem sentido, onde os dois candidatos não apontam para saída nenhuma.

Não foi à toa que a abstenção nas eleições presidenciais dos EUA foi maior nos condados nos quais Bernie Sanders venceu Hillary Clinton nas primárias.

Ontem, no Fantástico, uma reportagem adentrou na estratégia do comitê eleitoral de Trump. Simplesmente não havia. O marketing era ele mesmo, a antipolítica encarnada no bufão.

Por esse mesmo motivo esse tipo de candidato é difícil de vencer. Ninguém espera dele uma campanha convencional e nem um bom desempenho nos debates.

O fato é que a vitória de Trump se alinha com a razão crítica mediana sobre os atuais sistemas políticos. Está coerente com o debate sobre o Brexit - abreviação das palavras em inglês Britain (Grã-Bretanha) e exit (saída) e a votação pelo "No" na Colômbia.

As palavras hoje convergem com a noção de outsiders. Os que não se enquadram na sociedade emergem como crítica contundente aos sistemas políticos em bancarrota, no vácuo deixado por uma esquerda mais combativa.

Dizemos com frequência que nos EUA não há nada mais parecido com um Republicano do que um Democrata. Do lado de cá poderíamos dizer também que não há nada mais parecido com a direita do que a esquerda que se propõe a levar adiante os mesmos planos de recuperação econômica.

O forte sentimento anti-institucional hoje reflete menos do que uma busca por alternativa do que um furioso protesto. As alternativas mais bem posicionadas que havia se revelaram um engodo.

A esquerda pragmática - por seu exagerado apego à institucionalidade burguesa -  contribuiu para o fortalecimento da onda conservadora perfeitamente alinhada com a antipolítica, cuja âncora é o protofacismo e o ódio contra as minorias.

O problema é que o ódio é cego.

No clarim dessa nova era já se anuncia a barbárie anti-civilizatória. Quem sustenta a validade de uma experiência como essa - mesmo a título de caricatura - não quer apenas a extinção dos partidos de esquerda, mas negação da validade universal das atuais e precárias conquistas dos últimos quatro séculos.


quarta-feira, 2 de novembro de 2016

A ação da PM no Liceu


O governador fez de conta de que não viu as imagens da violência da PM contra os estudantes mobilizados contra a PEC da reforma do ensino médio.

Na terça-feira, policiais militares que integram o "Esquadrão Tornado" agrediram alunos da UEMA, durante uma tentativa de ocupação do prédio do Colégio Liceu Maranhense.

O governador disse no twitter: "Mas não posso ser precipitado e irresponsável para sair julgando condutas de servidores públicos sem que eles sejam ouvidos. Assim será”.

Logo em seguida a SSP-MA lançou nota sobre a confusão, falando de forma genérica sobre o episódio. Também tangenciando de que os fatos foram registrados em vídeo com ampla repercussão nas redes sociais, a Secretaria ainda sinaliza para que os prejudicados recorram à Corregedoria de Segurança Pública.

No vídeo, vê-se claramente pelo menos um PM desferindo chutes em um estudante e um outro PM ameaçando outro estudante que filmava o incidente.


Tudo errado.

Primeiro porque o protesto estudantil tem o apoio do governador. Ou pelo menos deveria ter, porque as ocupações de escolas são hoje a resistência mais visível ao governo Temer e ao pacote de reformas autoritárias no ensino público.

Segundo, porque prender estudante que protesta seria aceitável somente numa ditadura. Esses diretores que chamaram a polícia precisam ser enquadrados urgentemente. Eles pensam que são donos da escola.

Terceiro porque além de chutar e tentar preder estudante, a PM ainda tentou impedir o registro de sua intervenção. Alguém precisa avisar pra essa polícia que eles são servidores públicos e que a intervenção policial é pública e como tal, pode ser filmada ou registrada por qualquer do povo.

Aliás, a própria PM deveria filmar suas intervenções, para maior garantia da integridade física do cidadão.

E por último: pelo teor da imagens, o Corregedor deve instaurar o procedimento de ofício.

Veja a nota da SSP/MA:

"Nota sobre conduta policial durante ocupação no Liceu

Com relação ao ocorrido no Centro de Ensino Liceu Maranhense, nesta terça-feira (1º), a Secretaria de Estado da Educação (Seduc) informa que uma equipe do órgão permanece reunida com estudantes e a direção da escola, para averiguar o caso.

A Seduc reconhece a importância do debate da pauta nacional, conduzida por estudantes em todo o país, e considera relevante a discussão do tema no ambiente escolar, que é um espaço democrático, aberto para a manifestação de toda a comunidade escolar.

Conduta Policial

A Secretaria de Estado de Segurança Pública (SSP), por sua vez, esclarece que denúncias que envolvam a conduta de profissionais do Sistema de Segurança Pública devem ser feitas diretamente na Corregedoria de Segurança Pública, que funciona na sede do órgão, na Vila Palmeira.

O Comando Geral da Polícia Militar do Maranhão ressalta, ainda, que reprova qualquer atitude que viole o respeito à dignidade humana; e eventuais excessos serão devidamente apurados."

Depois do caldo entonado, a Secretaria de Educação apressou-se em dialogar com os estudantes. Resta saber se alguém vai conter a polícia na próxima vez.


O discurso mitico da união das esquerdas

Depois do cenário eleitoral de 2016 mais claro pelos seus números, resta ler as mais diferentes reflexões sobre o destino da esquerda no Brasil.

É importante fazer esse debate, mas não sem antes tomar algumas precauções.

Temos precauções em relação algumas linhas de raciocínio que pecam por sua superficialidade (malícia ou ingenuidade tudo indica impregnam tais análises também).

Portanto, é importante conhecer de onde partem tais análises e de que lugar partem, sob pena de aceitarmos pressupostos qustionáveis para o debate.

Em primeiro lugar. É preciso desconstruir o chavão de que "a esquerda só se une na cadeia". Alguns evocam a frase para reclamar de algo que merece aprofundamento. O chavão não ajudar a entender porque nos dividimos e apenas reforça o mito de que divergimos simplesmente porque somos loucos ou imbecis.

A direita também se divide. Mas também tem menos motivos para isso do que a esquerda. O programa da direita é o capital. O programa da esquerda, por outro lado, não é apenas o socialismo. Se fosse apenas o socialismo já seria complexo.

Nós nos dividimos porque não é simples derrotar o capitalismo. E o caminho para se chegar à vitória tem nuances.

O exemplo mais próximo de nós está no fracasso petista. Quando alcançou o poder, esse partido implementou uma determinada visão de governo e de sociedade. Não errou no objetivo estratégico (visto que talvez nem esteja mais no seu horizonte o socialismo) mas no caminho para consolidar um modelo de democracia.

No entanto, a derrota do PT não quer dizer que a esquerda esteja totalmente certa. Quer apenas dizer que uma das fórmulas para ocupar o poder foi testada e fracassou.

Por isso mesmo, quando alguém reclama da desunião das esquerdas, sendo do PT ou do PCdoB, prefere não tocar nas situações onde pareceu absurdo não haver coligações com o PSOL, como por exemplo em Belém, em Porto Alegre e no Rio de Janeiro. Nesse tipo de análise, o PSOL geralmente aparece como o partido que inviabiliza as alianças por sua radicalidade.

Outro exemplo são as postagens do Governador Flávio Dino, que receberam a chamada de "A esquerda deve olhar menos para trás e mais para a frente". De acordo com tais opiniões, será muito difícil unir a esquerda, mesmo. Digo porque:

a) A guinada do eleitorado para a direita não pode ser obra exclusiva da crise econômica. Os erros que a esquerda cometeu em torno do projeto de poder petista também devemm ser levados em consideração. Esse é o pressuposto importante para unir a esquerda: a autocrítica. E não olhar para trás quer dizer exatamente não fazer autocrítica. É um pressuposto para não estarmos diante da possibilidade de nos encontrar novamente com Henrique Meirelles, Kátia Abreu e todas as concessões à direita que inviabilizaram a reforma agrária, a titulação dos quilombos, a demarcação dos territórios indígenas, a democratização do sistema de segurança e a reforma do sistema prisional, por exemplo.

b) Quanto tempo levará a onda conservadora se a chamada esquerda flexível continuou a fortalecer em vários Estados os partidos do golpe?  Ou seja, esses partidos são contra o golpe mas compõe as forças do golpe? A pergunta é: temos como debater um programa com essa esquerda?

c) O Governador também defendeu a união das esquerdas sob um novo projeto, que reúna, "desenvolvimento" e garantia dos "direitos"; e um "novo programa sustentado por uma frente ampla", que volte a atrair a atenção do eleitor médio, que rapidamente "vai se desiludir com certas coisas esquisitas". Quanto à frente ampla das esquerdas temos acordo. O problema é saber a extensão dessa amplitude. Com o PSDB, por exemplo, como presenciamos no Estado, simplesmente é inviável. E temos muitas coisas esquisitas por aqui também.

Sem falar em nome de nenhum partido, posso dizer que existe uma esquerda que ainda se constrange em votar na direita ou na esquerda que paquera com o programa da direita.