terça-feira, 26 de abril de 2016

O governo Dilma se aproxima do fim: qual a moral da história?



O governo Dilma está na UTI política. A votação na Câmara dos Deputados anunciou o fim do Lulismo e o fim da bonança econômica. No Senado, a comissão que vai apreciar a admissibilidade do impeachment também tem maioria oposicionista.

Nesse caso, o afastamento da presidenta por seis meses é certo. Entra Michel Temer, que fará a reforma Ministerial, a gosto de seu partido e seus aliados. Nesse quadro, a possibilidade de retorno de Roussef é quase nula.

Perderemos o ano, no debate morno do impeachment, que somente se encerrará no final de outubro, em previsão otimista. Não só isso. Perderemos a possibilidade de fazer avançar a democracia no país, a partir de um patamar, onde programas sociais e determinadas posturas progressistas eram preservadas. Agora é tiro, porrada e bomba, como diz a história.

Dilma venceu a campanha de 2014 assegurando a seus eleitores que continuaria priorizando as melhorias nas condições de vida dos trabalhadores, ao mesmo tempo em que atacou o seu oponente do PSDB por planejar reverter os acúmulos sociais feitos pelo PT, cortando benefícios e atingindo assim os mais pobres.

Antes de iniciar o mandato já mudava de rumo, adotando parte do programa político do candidato derrotado. O ajuste fiscal impôs Joaquim Levy na condução da política econômica, simplesmente o diretor da gestão de ativos do segundo maior banco privado do Brasil, representante da Escola de Chicago. Como efeito do pacote fiscal o país mergulhou numa recessão generalizada – queda nos investimentos, diminuição dos salários, o desemprego voltando, contração do PIB, diminuição das receitas, aprofundamento da dívida pública.

A deterioração da economia se juntou com o quadro da abdicação das promessas com as quais o PT elegeu pela segunda vez Dilma Roussef. Governar com o programa do adversário foi tão ruim quanto a falta de firmeza do partido quanto às questões éticas imbrincadas no financiamento de campanha, criminalizadas seletivamente por um segmento da mídia, do Poder Judiciário, do Ministério Público e da Polícia Federal.

A parcialidade dessa demanda ética desequilibrou a disputa política, de tal modo que as chamadas "pedaladas fiscais" foram sem dúvidas o argumento menos utilizado para derrubar o governo Dilma. E as acusações de corrupção contra o PT não alcançam o vice, Michel Temer, nem tampouco o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha. Os dois atravessam o terreno minado incólumes até agora, embora até as pedras saibam que o financiamento privado ilegal atingiu todos os partidos que compõem governo e oposição de direita.

A esperança é pensar que a sessão da Câmara possa ter jogado na cara do eleitor o escárnio de sua própria representação: a miragem de uma face horrenda no espelho. Michel Temer nas pesquisas com 1% das intenções de voto e mais de 50% do eleitorado desejando a sua cassação. Ou seja, a direita, apesar de tudo, não tem um líder e pode estar jogando o país num cenário de grande indefinição.

Como ninguém tem o controle das marés, a onda conservadora não vai demorar a se espraiar para além das canaletas de seus ideólogos hipócritas, principalmente quando a cartilha da direita for implementada na economia. 

É nesse cenário que os limites da tolerância implodirão,  permitindo recriar o novo terreno da política. Resta saber quem vai querer somar dentro da nova ordem, se depurando, ou simplesmente se jogará aos tubarões do mesmo jogo de poder. 

Nossa primavera ainda não se completou.

segunda-feira, 25 de abril de 2016

Poder Judiciário em Anajatuba criminaliza ribeirinhos que lutam em defesa dos campos naturais



No dia 14 de abril a Polícia Civil cumpriu em Anajatuba decreto de prisão preventiva expedido pela juíza da Comarca, Jaqueline Rodrigues da Cunha, que determinou a prisão de 21 pessoas da zona rural do município, quase todos pescadores, trabalhadores rurais e extrativistas.

Tudo decorrente ainda de um problema social que tem como causa principal a ganância de grileiros de terras públicas e a omissão do Estado brasileiro. Os grileiros avançam sobre os campos naturais, erguendo cercas, de forma ilegal, há vários anos, com a tolerância das autoridades locais e em prejuízo da comunidade e do meio ambiente.

Esses campos alagados são do patrimônio público, de acordo com a Lei nº 5.047/90, áreas de preservação permanente ou de reserva ecológica, onde são vedadas atividades econômicas e a transferência dessas áreas para particulares, a qualquer título.

O decreto estadual 11.900/90 criou a Área de Proteção Ambiental da Baixada e a SPU identifica incidência de águas federais nesse conjunto lacustre. No ano de 2000, a APA foi reconhecida como sítio RAMSAR.

Desde 2004, o Ministério Público Estadual propõe ações civis públicas e expede recomendações visando impedir a criação de búfalos e o cercamento dos campos naturais. Diversas denúncias foram protocoladas pelas comunidades, relatando o problema mas nada de concreto foi feito até agora.

Todo esse anteparo jurídico continua sendo solenemente desrespeitado pelos fazendeiros da região de Anajatuba e a população prejudicada passou à ofensiva, derrubando por conta própria as cercas ilegais.

O mandado de prisão preventiva tipifica as condutas dos populares no Código Penal, como dano à propriedade privada (art. 163), formação de quadrilha (art. 288), desobediência (Art. 330) e exercício arbitrário das próprias razões (Art 345).

Duas pessoas foram presas, por enquanto. O Habeas Corpus impetrado já teve liminar negada pelo Desembargador plantonista, Marcelo Carvalho, e agora pelo Desembargador Relator, Tyrone José Silva.

Por detrás de todo esse acontecimento, está presente a apropriação privada dos campos naturais inundáveis, e o fato de que pescadores e lavradores locais estão praticamente cercados e prejudicados em seus direitos de ir, vir, transitar, pescar, abastecer suas residências com água e criar seus animais.

Uma das supostas vítimas da ação comunitária, Maria José Pinheiro Carvalho, acionou o Poder Judiciário local, tendo a juíza Jaqueline Rodrigues da Cunha prontamente concedido liminar em Ação de Interdito Proibitório, afirmando estar provado ser “A autora a legítima possuidora do imóvel localizado na Baixa do Porto das Gabarras, povoado Afoga, município de Anajatuba/Ma, com área total de 280.39,60 hectares, conforme certidão de Posse expedida pela Serventia Extrajudicial desta comarca e levantamento topográfico”.

A fragilidade técnica da decisão começa pela expressão "certidão de posse", um pretenso documento expedido pela serventia extrajudicial da comarca. O ordenamento jurídico desconhece essa função cartorial: expedir certidões de posse. O que caracteriza a posse é uma situação de fato, nisto ela difere da propriedade.

Tem mais. Foi a suposta desobediência a essa liminar, precisamente, dito pela juíza como "perigo à ordem pública", que fundamentou o decreto de prisão preventiva.

Consultando o sistema Themis,  constata-se que a pretensa "proprietária (ou posseira?)" entrou com Ação de Usucapião na comarca pleiteando a referida área, Processo nº 4302009, mas a juíza anterior, Edeuly Maia Silva, acolhendo manifestação da Advocacia-Geral da União, cuja sentença transitou livremente em julgado, reconheceu a incompetência absoluta do juízo de Anajatuba para julgar o feito em razão da matéria.

Com base no Relatório de Vistoria, expedido pela Secretaria de Patrimônio da União, a AGU afirmou categoricamente que a área pleiteada por Maria José Pnheiro é "terrenos de marinha com acrescidos, bem imóvel da União, consoante o art. 20 – VII da CRFB/88” (fls.38). Daí o interesse da União Federal sobre o processo.

Tal processo encontra-se agora na 5ª Vara Federal, sob o nº 0017372-61.2014.4.01.3700, havendo, inclusive, ação de oposição aos direitos da requerente, interposto pela Advocacia Geral da União, 0064020-02.2014.4.01.3700, ambas ações não julgadas até a presente data. Como tal proprietária-posseira poderia ter alcançado a titularidade do domínio ou mesmo o direito de posse, em detrimento de toda a comunidade local que sobrevive há séculos dos campos naturais que ela insiste em cercar?

A juíza da Comarca de Anajatuba está errando feio, do cível ao criminal, porque não poderia conceder medida liminar, se as terras em disputa pertencem ao patrimônio da União Federal. Muito menos poderia mandar prender pessoas cujas condutas estão amparadas pelo instituto do desforço imediato (CC, art.1.210, § 1º) ou mesmo pelo legítimo estado de necessidade.

A incapacidade em conduzir o processo possessório não autoriza a instituição do Estado penal máximo.

Segundo a alegação da Advocacia-Geral da União, os campos naturais da baixada, na proximidade de igarapés com influência de marés, caracterizam-se quase sempre como “terrenos de marinha com acrescidos”, integrando, portanto, o acervo patrimonial da União, de responsabilidade da Secretaria de Patrimônio da União (SPU).

Como disse o o juiz aposentado, Jorge Moreno, a real situação desses campos precisa ser devidamente investigada e apurada, pois pode ser a ponta de um iceberg de uma das maiores grilagens de terras públicas da União, cabendo ao Ministério Público Federal e à Polícia Federal investigarem a ocorrência desses crimes.

quarta-feira, 6 de abril de 2016

Pausa para a poesia



Dois poemas me vieram numa inspiração repentina. Compartilho agora:



RIO DE LÁGRIMAS


Se fui o menino das águas turvas dos rios, da lágrima e do açoite,
Sobrevivi na lama e no lodo, nas entranhas espúrias da terra,
De onde ergui meu canto de lâmina que no corpo se enterra.
Sou testemunha que viu o rio chorando no fundo da noite.

Tantas vezes vi o rio aportando na madrugada
Coroado de névoa branca, rangendo os dentes no frio.
Tantas vezes ergui o punho na sezão amarela desse rio
Que me perdi nas veredas de uma estrada assombrada.

E quem não sentiu o abraço cálido de um rio não foi menino,
Não chegou a deslizar nas águas turvas da chuva fina
E não se jogou do alto da árvore no vácuo da própria sina.

Esse um outro que miro torto no espelho da íris assassina
Apenas deixou passar o tempo líquido na janela do destino,
Morrendo de angústia desesperada que se dobra como um sino.



ENGASGO

Esse poema que me trai na ausência do verbo alado
É pura sintonia fina da alma na insônia delirante.
Ele anda comigo, qual vício da bebida no silêncio alcoolizante,
E me recolhe no espasmo do dia trêfego e mal iluminado.

Eu busco a letra, a forma dilatada de um sol incessante,
Impassível à pronúncia, baú hermeticamente fechado
Ao pavor de asas coloridas - sentimento emboscado.
É o vagir do nascimento ruidoso de extinta língua pulsante.

Esse poema que repousa no prato qual comida intragável
É a mariposa insone das minhas noites de chuva tropical
Cerceando o ar escuro na luz de um mar improvável.

Ele vem, qual banzeiro, quando, ensimesmado, paro de navegar,
E fala, quando inexiste boca, na sombra do clarão do esgar
Vomitando flores vivas no repasto da hora capital.