segunda-feira, 23 de janeiro de 2017

A diluição ideológica e o taticismo da esquerda

 Zygmunt Bauman dizia que  a modernidade é um processo de “liquefação” . "Derreter os sólidos" foi uma frase cunhada no Manifesto Comunista, com o sentido de proclamar os trabalhadores pela superação do passado. Era também um clamor pela destruição da armadura protetora das crenças e lealdades da sociedade que deveria ser superada.

Por trás da desintegração sem dúvida nenhuma está a crise ideológica. Ela atinge direita e esquerda. O Brasil por excelência é o laboratório perfeito para análise dessa crise.

Bolsonaro é o nosso Trump, embrião da nova direita - ou o ressurgimento da direita velha, nos padrões do anticomunismo do pós-guerra. Sua presença no cenário político é o resultado mais acabado da diluição do pensamento conservador, que hoje opera em distintas nuances.

A direita brasileira não tem um representante confiável, nem para ela mesma. Por isso, a sucessão é sempre um problema. Depor Dilma pelas pedaladas fiscais foi uma das soluções encontradas para resolver o problema do vazio de liderança desse campo.

A agitação moralista produzida pelos segmentos mais conservadores da sociedade não é racional e coerente. É apenas uma estratégia de mídia, para enganar os incautos. A direita brasileira não tem hoje uma liderança moral, por isso manobra nos bastidores do poder, desconfiada dos efeitos práticos das eleições.

O discurso conservador, elaborado pelo PSDB, ávido pela retomada do poder, saiu dos limites da direita racional. Ele ameaça agora todos os postulados do liberalismo e avança sobre conquistas civilizatórias, que não são propriedades absolutas nem da direita e nem da esquerda.

A direita não apenas se diluiu, mas também se fragmentou, nesse aspecto. Por dentro dessas nuances envergonhadas é que opera um setor da esquerda, com suas políticas de alianças.

Georg Lukács disse em entrevista a Leandro Konder, sobre a crise do marxismo:

"A crise existe. No processo histórico do seu desenvolvimento, o marxismo ainda não conseguiu dar respostas realmente satisfatórias aos problemas apresentados pelas novas condições mundiais. A divisão do comunismo é uma manifestação da crise".

Ele se referia à crise teórica do marxismo sobre os partidos comunistas. Calha bem ao que a esquerda brasileira enfrenta agora. Chamar alguém de comunista nos tempos atuais pode ser uma danação, mas pode ser também um elogio injustificado.

No Brasil, um setor da esquerda quer retomar o poder sem fazer a autocrítica, elegendo o "taticismo" como engenhoca produtora de milagres. O esvaziamento ideológico contribuiu para o chamado "golpe parlamentar da direita" e continua operando pelas relativizações éticas, no melhor estilo: eles não podem, mas nós podemos".

Diria Lukács, se tivesse tido tempo de estudar essa esquerda decrépita:

"Na raiz da nossa crise, está uma modalidade de oportunismo que é, talvez, a mais grave das deformações que nos deixou Stalin: o taticismo. Ao invés de utilizarmos os princípios teóricos gerais do marxismo para criticar e corrigir a ação prática, subordinamo-los mecanicamente, a cada passo, às necessidades imediatas, às exigências momentaneas da nossa atividade política. Com isso, renunciamos a uma das conquistas fundamentais da perspectiva marxista: a unidade de teoria e prática. A teoria fica reduzida à condição de escrava da prática e a prática perde sua profundidade revolucionária. Os efeitos de semelhante situação são catastróficas."

Por isso, quando alguém falar sobre os comunistas, é bom sempre investigar de que lugar ele fala e para quem fala.


sábado, 21 de janeiro de 2017

terça-feira, 3 de janeiro de 2017

Nova Tragédia Prisional em Manaus

A mais nova tragédia do sistema prisional brasileira desta vez ocorreu em um presídio de Manaus, no Complexo Penitenciário Anísio Jobim, o Compaj, no primeiro dia do ano.

A Família do Norte (FDN) do Amazonas, apontada como a terceira maior facção criminosa do país,  matou cerca de 60 detentos, todos ligados ao PCC (Primeiro Comando da Capital).

A disputa entre PCC e Comando Vermelho (CV) é o acontecimento mais importante no cenário da segurança pública nos últimos dez anos. 

Um dos possíveis marcos da cisão entre as duas facções foi o espetacular assassinato do empresário e narcotraficante Jorge Rafaat Toumani, em junho de 2016, em Pedro Juan Caballero (fronteira seca entre o Brasil e o Paraguai). Foi a terceira e fatal tentativa de assassinato contra o narcotraficante, com o uso até de armamento antiaéreo e metralhadoras de uso exclusivo das Forças Armadas.

Toumani era ligado a grupos criminosos paraguaios mas também ao PCC e era conhecido como o "rei do tráfico" na fronteira. O crime foi considerado pelas autoridades como o início de uma guerra por um dos principais corredores de transporte de maconha e cocaína da América do Sul, o que significa o monopólio sobre a cadeia de produção, comércio e distribuição de drogas da região.

Toumani ocupou o espaço deixado por Luiz Fernando da Costa, o Fernandinho Beira-Mar, quando este foi preso em 2002, assumindo a distribuição de drogas em Pedro Juan Caballero e em cidades próximas como Bella Vista Norte e Capitán Bado, todas na fronteira com o Estado de Mato Grosso do Sul. 

Seu relacionamento com o PCC se deteriorou quando começou a cobrar um “pedágio” mais caro para que esse grupo transportasse drogas do Paraguai para o Brasil, culminando com a sua inevitável eliminação física.

A partir daí, o PCC traçou um plano de expansão que desconsiderou seu principal aliando, o CV carioca, que por sua vez passou a desenvolver uma estratégia de bloqueio das pretensões da facção paulista. Em pouco espaço de tempo, ocorreu um realinhamento das facções locais nos Estados, a partir da cisão principal, entre PCC e CV.

O massacre do Compaj não ocorreria se não houvesse a ambiência necessária para isso, contudo, incluindo a superpopulação carcerária e a paz de cemitério negociada com facções.

Três lideranças da facção criminosa paulista PCC foram brutalmente degoladas entre junho e julho de 2015 dentro de presídios de Manaus. 

Logo em seguida ocorreu o chamado "Fim de Semana Sangrento": entre a tarde de sexta feira, dia 17 de julho, e a manhã de segunda-feira dia 20, foram 38 homicídios nas ruas da capital amazonense, boa parte de pessoas supostamente ligadas ao PCC e a outros grupos criminosos.

 As investigações constataram que o banho de sangue na capital foi determinado a partir do telefone do traficante José Roberto Fernandes Barbosa, um dos fundadores da FDN, aliada do CV. A FDN tem o monopólio do tráfico na chamada "rota do Solimões" e a hegemonia no sistema carcerário local.

O avanço do PCC sobre os territórios da FDN e as escaramuças pontuais já faziam entrever uma disputa de grandes proporções em curto espaço de tempo. O líder do FDN já havia tentado negociar com autoridades amazonenses a retirada do pavilhão onde estavam os membros do PCC no Compaj.


A guerra declarada entre os dois grupos já custou a vida de ao menos 18 detentos em presídios de Roraima e Rondônia no início de outubro de 2016, a maioria deles ligados à Família do Norte e ao CV. 

A rixa e o potencial do conflito dentro das cadeias já era do conhecimento das autoridades, que podem fazer pouco diante do grau de desorganização dos presídios e da equivocada política prisional adotada no país.

Apesar do teatro montado pelo Ministro da Justiça, não há como prever e nem conter a retaliação do PCC, que já deve estar sendo planejada cuidadosamente e pode acontecer em qualquer presídio onde estejam aliados do CV.

O Estado brasileiro chocou o ovo da serpente. Os discursos do populismo penal agora se resumem a anunciar euforicamente a morte dos "bandidos", para a glória dos "homens de bem", mas as consequências serão imprevisíveis.