domingo, 27 de janeiro de 2019

O anti-intelectualismo tem consequências

A semana do governo Bolsonaro, como não poderia deixar de ser, teve novidades, desta vez no campo do uso da gramática.

O anti-intelectualismo da nova direita tem consequências, como se pode constatar.

Nos tempos de Lula, a direita em voga mantinha o preconceito contra a fala de um operário que alcançara a presidência da República.

Agora, viver no submundo das fake news é um pressuposto para o atestado de ignorância, o maior galardão da nova hegemonia.

Marcus Vinicius Rodrigues substituiu Murilo Resende, acusado de plágio; Resende foi realocando e agora é assessor do MEC.

Vinícius, nesta quarta-feira (dia 24/01), na sua posse como presidente do INEP, pronunciou duas vezes a palavra "cidadões" e ainda disse a expressão "pseudos" intelectuais (https://twitter.com/analumeri/status/1088574538705784832).

Logo que chega de Davos, Bolsonaro fez pronunciamento formal sobre a notícia do desastre ambiental de Brumadinho-MG, e menciona uma "bagagem de dejeitos" (https://www.youtube.com/watch?v=RGmtEdldLSQ).

Já em Minas Gerais, Bolsonaro, em rápida entrevista com a imprensa mencionou o primeiro-ministro de Israel, como "Benjamin Netaniel" (https://twitter.com/PodresAltBr/status/1089381029176135681).

E, há três dias, o presidente afirmou em entrevista em que fazia o relato de sua atuação em Davos,  que, em poucos minutos fez "uma retrospectiva do Brasil do futuro" (https://www.youtube.com/watch?v=T2ZfNxipqJ0).

Para quem não dispensava os deslizes de português de um operário e ainda se escandalizava com os tropeços retóricos da Dilma, os apoiadores de Bolsonaro estão em situação delicadíssima.

domingo, 13 de janeiro de 2019

MAIS ARMAS, MENOS SEGURANÇA

Como era previsível, o governo Bolsonaro levará adiante a promessa de flexibilizar a posse e o porte de armas.

Pela proposta do governo, três em cada quatro brasileiros poderão ser contemplados pelo decreto que o governo Jair Bolsonaro está preparando para facilitar a posse de arma de fogo.

Haverá a liberação simplificada para quem mora em cidades onde a taxa de homicídios por 100 mil habitantes é maior que 10, ou seja 62% dos municípios do país, onde vivem 159,8 milhões de pessoas ou 76% da população brasileira.

Pela lógica, quanto mais violenta a cidade mais plausível a efetiva necessidade de o cidadão ter a posse de armas. As cidades que poderão ter as regras alteradas, além de compreender parcela significativa da população, concentram 94% dos homicídios.

Seremos o laboratório para testes defasados. Especialistas em segurança pública no mundo inteiro desaprovam a posse e ou o porte de armas como estratégia para prevenir a violência. O argumento do governo, contudo, parece ser ideológico: garantir o direito de legítima defesa, como princípio, como é nos EUA. O problema é que esse direito pode agravar o problema da violência, por isso não há como separar o princípio das estatísticas de violência.

Até no campo da esquerda há quem defenda a população armada, para combater eventuais governos tiranos. Invocam o mito de que os governos tiranos desarmam a população, mas em várias experiências autoritárias ocorreu exatamente o contrário: partidários desses governos se transformam em milícias armadas para reprimir os protestos da população.

O cenário também é previsível: aumentará o número de ocorrências envolvendo armas de fogo para situações não convencionais, tipo violência doméstica, brigas de bar, conflitos de trânsito, disputas entre vizinhos, suicídios, etc.

A Lei 10.826/2003 — conhecida como Estatuto do Desarmamento - foi um mecanismo fundamental para a redução do ritmo de crescimento dos homicídios por arma de fogo.

Enquanto entre 1997 e 2003 o número absoluto de homicídios por arma de fogo cresceu na média 6,8% ao ano, a partir de 2004, quando a lei entra em vigor, até 2015 (último ano disponível no DATASUS), o crescimento cai para 1,9% ao ano.

O Atlas da Violência 2018 afirma que entre 1980 e 2016 cerca de 910 mil pessoas foram mortas por perfuração de armas de fogo no país.

A corrida armamentista que vinha acontecendo desde meados dos anos 1980 só foi interrompida em 2003, quando foi sancionado o Estatuto do Desarmamento.

No começo da década de 1980 a proporção de homicídios por arma de fogo girava em torno de 40%, com esse indíce em progressão violenta até o ano de 2003, quando atingiu o patamar de 71,1%. O Estatuto garantiu uma estabilidade nesse índice de violência até o ano de 2016, mas o recorte da arma de fogo nos homicídios sempre foi muito alto. Por exemplo, em 2015, 71% dos homicídios se deram através de armas de fogo.

De lá para cá se observa que os estados onde se constatou o maior crescimento da violência letal na última década são aqueles em que houve, concomitantemente, maior crescimento da vitimização por arma de fogo.

Contra tudo e contra todos o governo Bolsonaro levará adiante uma proposta insana, por vários motivos:

a) o cidadão comum terá dificuldades para reagir a situações de violência, sem preparo emocional e psicológico e sem treinamento;

b) o recurso à arma de fogo será disponibilizado para pessoas violentas que tentarão resolver seus conflitos por intermédio da bala;

c) Organizações criminosas utilizarão laranjas para ter acesso a mais armas, incrementando a criminalidade armada;

d) O cidadão de posse da arma será alvo de criminosos, que buscarão se apossar das mesma;

h) O mercado clandestino de armas será incrementado, com o maior número de armas em circulação.

Dois setores, sem dúvida, lucrarão com a liberação das armas para a população: as funerárias e a indústria de armas. É pagar pra ver.


sexta-feira, 4 de janeiro de 2019

O ESTOPIM DO SISTEMA PRISIONAL

Mal houve a posse do novo governo, os presídios já deram o primeiro sinal das prováveis dificuldades que virão.

Jair Bolsonaro se elegeu fazendo um discurso agressivo contra a criminalidade e contra a população carcerária. No Maranhão, quem não se lembra de um vídeo, difundido em grupos de whatsapp, em que o capitão diz que a melhor coisa no Maranhão era Pedrinhas (fazendo alusão à sua posição em defesa do extermínio de presos).

Nas proximidade da posse, Bolsonaro defendeu a extinção do progressão de regime e a não concessão do indulto de Natal. Temer novamente não concedeu o indulto, pelo segundo ano consecutivo. A massa carcerária vem acumulando pressão.

Pode até não ter relação com o governo de Bolsonaro, mas os ataques que atingem o Ceará pelo terceiro dia consecutivo, nesta sexta-feira (4), ocorreram a mando de presidiários, depois de declarações do atual Secretário de Administração Penitenciária, Luís Mauro Albuquerque, que além de prometer maior rigor nas fiscalizações, afirmou não reconhecer facções e nem se sujeitar à separação delas por presídio.

Os CPPLs (CCPL 1, 2, 3 e 4) estão sendo apontados como os locais de onde estão partindo os "salves" . Lá estão presos membros do PCC (Primeiro Comando da Capital), do CV (Comando Vermelho) e do GDE (Guardiões do Estado).

 Ataques a ônibus e prédios públicos e privados ocorrem desde a noite de quarta-feira (2), em um total de 56 crimes. Quarenta e cinco pessoas foram detidas e três pessoas se feriram desde o início da onda de violência. 

Numa conjuntura em que soluções de força são anunciadas desde o palanque eleitoral, faz-se necessário lembrar do que foi capaz o PCC depois da criação do Regime Disciplinar Diferenciado nos presídios, em São Paulo.

E de lá para cá, muita coisa mudou. As facções são uma realidade nos presídios, com os governos estaduais adotando a gestão do mais fácil: conceder espaço para facções nos presídios.

Segundo estudo divulgado pela Pastoral Carcerária, o Brasil possui mais de 725 mil pessoas presos, ficando atrás apenas da China (1,6 milhão) e dos EUA (2,1 milhão) em população carcerária. 

As prisões do país têm uma taxa de ocupação de 200% – ou seja, elas têm capacidade para receber somente a metade do número de presos.

Boa parte desses presos hoje estão recrutados por facções criminosas que estão em uma guerra, desde meados de 2016, envolvendo a cisão entre os dois maiores grupos nacionalizados, PCC e CV.

Bolsonaro foi eleito também a partir de um clamor popular adestrado pela mídia sensacionalista dos programas policiais de rádio e de tv, que, dentre outras pérolas, defendem que "direitos humanos é para defender bandido" e que "bandido bom é bandido morto".

Essa lógica pode empurrar o governo federal para a linha dura no tratamento dos presídios, que exige maior e melhor estrutura, assim como análise profunda de questões criminológicas.

Sem estrutura para conter rebeliões em massa, coordenadas por facções nacionais, e sem conhecimento de causa de uma questão complexa como essa, o atual governo ainda não caiu na realidade. Se esse estopim for aceso, uma tragédia estará a caminho em breve no país.