quarta-feira, 23 de junho de 2010

José Dirceu não vai atropelar o PCdoB no Maranhão

Às vésperas da reunião do Diretório Nacional do PT no último dia 11, circulou em Brasília um comentário atribuido ao ex-ministro petista José Dirceu de que iria atropelar o PCdoB no Maranhão. Em sua crueza, ele expressava a decisão de intervir na seção maranhense do PT, para forçar o apoio a Roseana Sarney (PMDB) e não a Flávio Dino (PCdoB) para governador, como o Encontro PT-MA deliberara em abril. Agora o ex-líder petista calunia o candidato do PCdoB a governador do estado, com a pecha mentirosa de 'serrista'.

Por Bernardo Joffily


Flávio Dino, no traço de Spacca
Nas entrelinhas, o comentário deixa entrever talvez também algum peso na consciência do autor. Ele confessa a natureza do gesto violento, não só contra o PCdoB e seu candidato, mas contra a maioria do PT, o PSB, os movimentos sociais, os legítimos anseios mudancistas e modernizadores que ganham força no Maranhão.

Dois a 12 contra Dirceu, em seu próprio blog...

Em público, porém, José Dirceu não mantém a mesma pudicícia. Em seu Blog do Zé (http://www.zedirceu.com.br), agora deu para acusar Flávio Dino de "serrista".

"Tanto Flávio Dino quanto o ex-governador Jackson Lago (PDT), também candidato a voltar ao Palácio dos Leões, estão ligados ao PSDB e à candidatura Serra há muito tempo", postou Dirceu, no último sábado (19).

Nesta terça, o post tinha 15 comentários: dois concordavam com o autor; e 12 discordavam. Um exemplo:


"O PT tomar uma decisão baseado em interesses nacionais pode ser questionado e até aceito, mas ouvir palavras contra Flávio Dino chega a ser desonesto. Este blog mesmo já publicou entrevista do comunista, se referindo ao mesmo como um aliado. Sr José Dirceu, defenda os interesses do PT mas não cuspa no prato que comeu. Durante a crise do mensalão o PCdoB foi um dos mais fiéis ao governo, muito petista fugiu da raia. Não sou comunista sou petista" (Xilder).

Jerry: "O palanque mais legítimo de Dilma"

Talvez inconformado com a rebelião dos leitores de seu blog, Dirceu voltou à carga na segunda-feira (21). Acusou Flávio Dino de fazer "um papelão ridículo", por buscar ampliar sua base de apoio para o PDT de Jackson Lago, o PPS e o PSDB. Recebeu mais contestações indignadas como esta:


"Flávio Dino é o candidato da militância petista e esquerdista no Maranhão (quantos votos os petistas paulistas têm no Maranhão?). A cúpula nacional pode ficar com os Sarneys se assim lhes aprouver, mas a militância já fez a sua escolha" [Paulo Silva].

Uma resposta mais alentada e fundamentada veio do jornalista e professor Márcio Jerry, presidente do PCdoB-São Luís, no "Caderno Maranhense" do Vermelho. Sob o título É pela esquerda, Zé Dirceu (veja a íntegra), Jerry responde com argumentos ao tiroteio de Dirceu:


"O palanque mais legítimo e limpo de Dilma no Maranhão é o liderado por Flávio Dino. É nele, repito, que estão o PCdoB, o PSB e o PT da luta que não se curvou à oligarquia quarentona. No de Roseana Sarney, aliada de Zé Dirceu, estão o DEM, de onde ela migrou recentemente, e o PTB, ambos com Serra; e o PV, da candidata Marina Silva."

"Quem não for Roseana é Serra"?

Dirceu deveria medir as palavras antes de se lançar com tanta fúria fraticida contra o PCdoB. Não deveria escrever o que sabe ser uma inverdade.

Não deveria sair taxando se "serrista" a quem desde 1989 fez campanha para Lula, e ousou defender o presidente, e o então ministro-chefe da Casa Civil e deputado federal José Dirceu de Oliveira e Silva, mesmo nos dias mais críticos de 2005, quando eram eles os caluniados e os vilipendiados. Se Dirceu acredita de fato que "a campanha no Maranhão é presidida pela questão nacional" (como é), não deveria se empenhar numa tentativa disparatada de descartar apoiadores convictos, e sólidos, e programáticos, da candidatura Dilma Rousseff. Não deveria usar o argumento de que "quem não for Roseana é Serra", que não convencerá um só maranhense com mais de dois neurônios funcionando.

O Maranhão já não cabe na velha forma

O cenário maranhense exige e merece um olhar menos vesgo. José Sarney ajudou o Maranhão quando venceu a oligarquia de Vitorino Freire, nos idos de 1965. Ajudou o país ao romper com a ditadura em 1984, e ao presidir a República nos difíceis momentos iniciais da democratização e da Constituinte, ao apoiar Lula em 2002 e 2006, e Dilma agora. Devido a estes méritos sofreu, no ano passado, uma sórdida rasteira do bloco conservador-midiático tentando derrubá-lo da presidência do Senado.

Isto não significa que o Maranhão deva completar meio século governado pelo mesmo clã familiar. O Brasil mudou – triunfou sobre a ditadura militar, superou a tirania neoliberal e abriu um novo ciclo com a eleição de Lula. O Nordeste mudou como não mudava há séculos – muito especialmente com a Pequena Revolução Política de 2006, que varreu com as velhas oligarquias locais. O Maranhão mudou. Já não cabe na velha forma. Quer outros valores e concepções, outras plataformas, outros estilos e métodos, e portanto outros nomes. A campanha Flávio Dino governador expressa e concretiza esta mudança.


"A candidatura de Flávio Dino insere-se num contexto em que amplos setores sociais, especialmente aqueles alinhados com o campo democrático e popular, manifestam-se claramente em favor da renovação política no Maranhão, que pode ser feita concretamente sob hegemonia da esquerda, fato este de inegável alcance estratégico para os que pelejam por uma sociedade socialista. A candidatura é um desdobramento regional das conquistas sob a era Lula e está em absoluta sintonia com os avanços necessários sintetizados no projeto da candidatura Dilma Presidente", afirma com razão Márcio Jerry.

Homenagem a outro maranhense atrevido

Não é uma mudança qualquer. Nos anos 1830, o Maranhão era uma próspera e avançada província do Brasil recém-emancipado: São Luís era a quarta maior cidade (após Rio de Janeiro, Salvador e Recife). Quase dois séculos depois, é evidente que algo 'desandou' no estado que disputa os piores lugares em índices de desenvolvimento urbano; e que as duas gerações do clã Sarney fazem parte do problema e não da solução.

Em 1838 estourou a partir da vila de Manga uma rebelião popular, que as elites por preconceito aristocrático apelidaram 'Balaiada'. Entre os muitos dirigentes do levante, que chegou a ter mais de 10 mil homens em armas, havia um certo Preto Cosme (Cosme Bento das Chagas), líder de um quilombo nas cabeceiras do Rio Preto (nordeste da província).

Cosme merece as honras de um herói brasileiro, quando mais não fosse por ter criado uma escola em seu quilombo, quando a ordem imperial-escravista proibia os cativos de frequentar salas de aula. Seus guerreiros-quilombolas foram os mais firmes da 'balaiada'. Ele próprio, alfabetizado sabe-se lá por que artes, ousava assinar como "Tutor e Imperador das Liberdades Bem-te-vi" (ave-símbolo do partido liberal).

A autoconcessão dos títulos pareceu um insulto aos senhores de terras e homens. Por estas e outras, o "infame Cosme", como o chamou o barão de Caxias, terminou preso e enforcado, em 1842.

Não vá agora José Dirceu infamar Flávio Dino por atrever-se a fincar as estacas de um segundo palanque, avançado, de Dilma no Maranhão. O desmentido ao ex-ministro virá em outubro, bem mais cedo do que as estátuas que o Preto Cosme merece.

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