sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

Uma estúpida operação policial

Não esqueci da operação da polícia civil (Seic) no Bairro de Fátima. Fico aguardando uma voz se elevar no meio de tanta omissão, mas é inútil.
No início da noite do dia 23, no Bairro de Fátima, na movimentada rua do Peixe, teria ocorrido a abordagem do veículo conduzido por Márcio "Patrão", realizada por uma equipe de policiais da superintendência estadual de investigações criminais. No tiroteio, a mulher de Márcio, grávida de quatro meses, tombou morta e mais duas pessoas saíram feridas à bala: o filho de Márcio, de apenas quinze anos e um pedreiro da família, por apelido, "Negão". O adolescente foi ferido de raspão no braço esquerdo, o pedreiro, de 24 anos, baleado no ombro. Márcio foi alvejado no abdômen, pescoço e braço esquerdo.
Não vou me ater aqui ao mérito das versões de cada lado, porque são muito diferentes uma da outra. Caberá ao inquérito apurar a veracidade de cada uma. Vou apenas descrever tais versões, para no final me posicionar sobre a operação em si mesma.

Versão da polícia:
a) Márcio seria líder da facção PCM e estaria envolvido com o tráfico de armas;
b) Márcio teria reagido à prisão e sacado de uma arma no momento da abordagem.
c) Uma arma teria sido apreendida em poder de Márcio.

Versão da família:
a) Márcio é filho de um empresário do ramo de caminhões de frete e sempre trabalhou com o pai, não tendo envolvimento com crimes;
b) Márcio não estava armado no momento da abordagem;
c) A polícia chegou atirando, com arma de grosso calibre;
d) A arma teria sido implantada pela policia, para justificar a operação.

Márcio foi abordado violentamente depois de sair da casa da sogra, onde esteve junto com sua família, mulher e filhos, incluindo uma criança de 04 anos de idade, que não estava na Toyota, porque preferiu ficar com a avó.
Segundo a polícia, Márcio já vinha sendo monitorado pela polícia, em função de suas atividades supostamente criminosas. Mas a pergunta que fica no ar é: se estava sendo monitorado, porque a polícia não sabia quem estava dentro do veículo?
Sobre técnica: se não se sabe quem está dentro do veículo, o correto é atirar? Se a abordagem implica risco de confronto, é correto abordar numa via pública, arriscando vida de grande número de transeuntes? Se estavam monitorando, porque não sabiam quantas e quem eram as pessoas dentro do veículo?
Minha opinião:
É o primeiro líder de facção ficha limpa que já vi. E, se fosse, seria o mais burro, porque tentaria se confrontar com a polícia, em maior número, expondo a sua vida e a de sua família.
Uma operação desse tipo poderia ter exterminado não somente todas as pessoas do veículo, como também poderia ter atingido muitas pessoas que estavam na rua, naquele exato momento.
Mesmo se ao final ficar comprovado que Márcio realmente tem envolvimento criminoso, é possível justificar uma operação desse tipo? 
E melhor: mesmo diante do cadáver de uma mulher grávida, ninguém se levantará pra dizer que essa operação policial foi estúpida?


Juízes assinam carta aberta ao Comitê de Gestão da Crise Carcerária

Dois juízes alertam para a ineficiência das medidas anunciadas pelo Comitê da Crise Carcerária.  Lembram que o mais urgente agora é conter a violência, as fugas e o quadro geral de violação de direitos humanos nos presídios. A carta é oportuna, diante do quadro de desorientação que se alastra, sobre autoridades e governo. A superlotação está se agravando, a quantidade de presos provisórios em relação aos presos definitivos está subindo e os métodos de contenção pela força estão se demonstrando ineficazes. Enquanto isso, prevalecem as medidas paliativas e superficiais, o espírito de corpo e a insistência nas solenidades, com discursos improfícuos e sem sentido. O documento reconhece que permanece a mesma mentalidade de encarceramento, em afronta à reforma do CPP, que prevê a adoção de medidas cautelares alternativas. Enquanto a pressão nos presídios sobe, as autoridades do sistema de justiça, estão fugindo dos presídios, diante do crescente número de denúncias de violência e arbitrariedades praticadas pelo GEOPE e pela PM. Será que vão ler a carta? 


CARTA ABERTA AO COMITÊ DA CRISE CARCERÁRIA

Senhores Membros,

É preocupante a eficácia e exequibilidade das medidas anunciadas pelo Comitê da Crise Carcerária para conter a violência, mortes e fugas no sistema prisional da capital a curto prazo.

Segundo dados da Secretaria de Justiça e Administração Penitenciária – Sejap, de 2014, a capacidade dos presídios masculinos da capital é para 1.897 vagas e hoje tem-se, aproximadamente, 2.535 presos, sendo 1.464 provisórios e 1.071 definitivos, logo, uma população carcerária excedente ou déficit de 638 vagas. No Estado, a população carcerária, inclusive feminina, é de 4.763 para 3.607 vagas, com déficit de 1.156 vagas.

Registre-se que essa capacidade é superestimada, pois a alínea “b” do parágrafo único do art. 88 da Lei de Execução Penal-LEP estabelece o espaço mínimo de seis metros quadrados por preso. No Centro de Detenção Provisória, por exemplo, há 49 celas, cada uma com 13,40 metros quadrados e oito pedras que servem de cama, ou seja, a capacidade estabelecida pela Sejap é para 410 detentos, enquanto pelo número de “pedras” seria 392 e pelo critério legal, 109. Atualmente, 655 presos ocupam esse espaço, 245 acima da capacidade estabelecida pela Sejap e 546 além do que estabelece a LEP.

Para superar a crise no sistema prisional, o Governo do Estado editou em 10 de outubro de 2013 decreto de emergência, apresentando algumas propostas, dentre as quais a construção e reforma de unidades prisionais. Três meses depois (em janeiro deste ano) criou o Comitê de Gerenciamento da Crise, reafirmando essas medidas e incluindo, dentre outras, a realização de mutirão carcerário.

Segundo o governo estadual, serão investidos mais de R$ 131 milhões no reaparelhamento do sistema penitenciário. Entre as medidas encaminhadas está a construção de um presídio de segurança máxima em São Luís, com 150 vagas, reforma e ampliação das unidades de Coroatá (150 vagas), Codó e Balsas (200 vagas em cada uma). Um presídio em Imperatriz, com 250 vagas. O secretário da Sejap anunciou que em seis meses, com essas e outras obras, irá zerar o déficit de vagas no sistema prisional do Estado.

Essas medidas são inexequíveis a curto prazo. A maior unidade prisional, que poderia abrigar parte desse excedente, é a de Ressocialização de Imperatriz, com capacidade para 250 presos, que se encontra com as obras paralisadas e certamente não ficará pronta em menos de seis meses. Diga-se: para construção de presídio não basta boa vontade, decreto ou sentença! O Plano de Emergência de 180 dias, decretado em 10 de outubro do ano passado, também tinha essa proposta de construções e reformas. Decorreram-se 120 dias e o que foi feito? Por outro lado, a construção de presídios regionais está enfrentando a resistência e a oposição local, como em Balsas. A experiência mostra que a população aceita pequena unidade prisional para aqueles que cometam crimes em seu município.

O mutirão carcerário em curso é válido e importante, mas não vai minimizar esse excedente. É que a finalidade do atual mutirão cinge-se à apreciação da legalidade das prisões e à tentativa de pacificação do ambiente carcerário, com informações diretas aos detentos da realidade formal de sua prisão ou, quando muito, se houver julgamento, convertê-los de “provisórios” em “definitivos”.

Registre-se que em setembro de 2013 a Unidade de Monitoramento do Sistema Carcerário do TJMA realizou mutirão de presos provisórios e definitivos no Estado e, nas correições ordinárias deste ano, ocorridas durante o recesso judiciário, todos os juízes da área criminal foram orientados a reexaminar a situação dos seus presos, sem maior impacto na superação desse excedente. Tem sido também relevante o trabalho da Defensoria Pública, do Ministério Público e da assistência jurídica da Sejap no atendimento dos encarcerados.

Acrescente-se que a motivação predominante da violência e mortes entre os detentos não é a prisão ilegal. Percebe-se que é pela superlotação insuportável que ofende e brutaliza o ser humano, submetendo-os às disputas de facções criminosas.

Por outro lado, são presos em flagrante aproximadamente 15 pessoas por dia, sendo a maioria das prisões convertida em preventivas e, raramente, são aplicadas medidas cautelares alternativas.

Sem resposta ao excesso de presos ou déficit de vagas (urgente criação de vagas ou liberação de presos), teme-se que apenas a presença da Força Nacional e da Polícia Militar seja suficiente para evitar mais mortes, fugas e desrespeito a direitos humanos.

Constata-se, portanto, um impasse: ou fica-se com o Estado Democrático de Direito, observando-se a necessidade de humanização dos presídios e de prevenção urgente de mais mortes e até de chacinas, quiçá de um “Carandiru”; ou fica-se com o discurso fácil e demagógico de que “as mortes não passam de disputa de facções e nada devemos fazer para prevenir”. Optar pela segunda alternativa fortalece a possibilidade de intervenção, de impeachment ou federalização dos crimes contra os direitos humanos no ambiente carcerário.

A resolução do impasse deve ser pela prevenção de novas mortes e chacinas, bem como pela minimização do desrespeito brutal a direitos humanos que vem ocorrendo no sistema carcerário.

É nesse sentido que, percebendo a impossibilidade de criação a curto prazo de vagas para atender o contingente de 638 presos, se sugere a adoção das seguintes medidas:

1) Destinar a Penitenciária Feminina, com capacidade para 210 vagas, para presos do sexo masculino, pelo prazo de seis meses;

2) Converter as prisões definitivas das mulheres em “prisão domiciliar” e as prisões provisórias em “recolhimento domiciliar” ou outra medida cautelar alternativa, com a fiscalização pela Sejap, através do Núcleo de Monitoramento ao Egresso-Numeg;

3) Destinar a Casa de Albergado da Rua do Sol (CAAE) para as mulheres que descumprirem as exigências da “prisão domiciliar” ou de “recolhimento domiciliar” e para aquelas que vierem a ser presas provisoriamente, pelo prazo de seis meses;

4) Conceder aos 114 apenados em regime semiaberto, com saída diária para o trabalho, da unidade prisional do Monte Castelo, com capacidade para 80 vagas, o “recolhimento domiciliar”, com a fiscalização pela Sejap, através do Núcleo de Monitoramento ao Egresso-Numeg;

5) Realizar mutirão carcerário com a finalidade específica de apreciar a substituição, sempre que possível, da prisão preventiva por “outras medidas cautelares alternativas”, para, pelo menos, 150 presos provisórios;

6) Concluir com urgência a reforma da Cadet, cuja capacidade é de 400 presos e abriga atualmente 203, para atender mais 197 presos;

7) Criar imediatamente a Vara das Garantias na Comarca da Ilha (antiga Central de Inquérito) para análise e filtragem das prisões em flagrante;

8) Adaptar urgentemente as carceragens das delegacias de polícia do interior, transformando-as em unidades prisionais de ressocialização, sob gestão da Sejap;

9) Convocar imediatamente concurso público para agentes e servidores do sistema penitenciário.

Somente a adoção de medidas urgentes para reduzir a superpopulação carcerária evitará mais violência, fugas e mortes.


São Luís, 31 de janeiro de 2014.

Carlos Roberto Gomes de Oliveira Paula

Juiz Auxiliar da 1.ª Vara de Execuções Penais

José dos Santos Costa

Juiz da 2.ª Vara da Infância e Juventude

quinta-feira, 30 de janeiro de 2014

NOTA TÉCNICA SOBRE EXTERMÍNIOS DE PRESOS NO MARANHÃO


   
* Luis Antonio Câmara Pedrosa

O cruzamento dos dados sobre mortes de presos no Maranhão exige uma reflexão urgente. Um primeiro resultado, aponta que, além de já atingirmos o número de 62 presos em 2013, iniciamos o ano de 2014 com mais cinco mortos.
Os dois últimos presos são de unidades prisionais do interior do Estado: Santa Inês e Balsas. As duas mortes revelam o mesmo método de extermínio. Ou seja, preso contra preso. É uma peculiaridade no Estado, desde antes da estruturação das facções criminosas nos presídios.
Dos presos mortos em 2013, um dado assustador: 44% eram presos provisórios. Uma pesquisa recente demonstrou que no Estado do Rio de Janeiro 39%  dos presos provisórios terminam sendo absolvidos pelo Poder Judiciário. Nos demais Estados o índice não deve ser muito diferente. Significa dizer que prováveis inocentes estão morrendo em larga escala. Uma linha tênue separa esse tipo de presídio de um crematório nazista. Talvez a distinção maior seja o engodo. Ou seja, o detento entra ouvindo o discurso de que o Estado se responsabilizará por sua custódia.
Dos 62 presos mortos em 2013, apenas 10 tinha processos de origem no interior do Estado.  Isso quer dizer que no mínimo são frágeis as análises que imputam as causas dos extermínios ao confronto entre presos da capital e interior, organizados por facções distintas.
Como se sabe, o Primeiro Comando do Maranhão tem o objetivo declarado de organizar e defender os presos do interior das violências praticadas pelos presos da Capital. A divisão principal entre os presos do Maranhão se dá na tensão entre PCM e Bonde dos 40. As outras facções teriam responsabilidades diminuídas nesses confrontos.
Isso levar a crer que, embora os confrontos entre PCM e Bonde tenham  causado as cenas mais espetaculares de violência, os extermínios individualizados, silenciosos e sistemáticos prevaleceram ao longo do ano de 2013. Morreram dessa forma principalmente presos da Capital.
Isso põe por terra o argumento de que a mistura de presos da Capital e do interior seria o principal motivo para as mortes. Algo para além disso está ocorrendo, embora manter os presos em presídios descentralizados seja ainda a providência mais correta a ser adotada.
Dos 62 presos mortos, simplesmente 56 foram exterminados em prisões provisórias (CCPJs, Casa de Detenção e Centro de Detenção Provisória). Essas unidades se transformaram em verdadeiros alçapões do sistema penitenciário maranhense, exigindo estratégias diferenciadas de controle e monitoramento da violência. Esse dado precisa ser cruzado com o seguinte.
Dos 62 presos mortos, 50 estavam em unidades prisionais incompatíveis com seus regimes prisionais, geralmente presos condenados em estabelecimento para presos provisórios.  Duas leituras possíveis desse dado: a) ou o sistema transfere para proteger melhor a vida dos detentos ameaçados e não consegue; b) ou o sistema está transferindo para exatamente provocar o extermínio. Matéria para as investigações que estão em curso.
Um ponto pode transversalizar os dois últimos dados: a fragilidade na triagem de presos. As transferências podem estar ficando cada vez mais complexas, dificultando as alternativas disponíveis para remoções de presos ameaçados por rivais. 
Mas diante da constatação de que a esmagadora maioria de presos que morrem são oriundos da Capital, quem seriam os rivais?
_______________________________
* - Luis Antonio Câmara Pedrosa é advogado, assessor jurídico da SDMH e presidente da Comissão de Direito Humanos da OAB-MA. 
Obs: o texto constitui nota técnica para subsídio de futuras intervenções judiciais e extrajudiciais da SMDH.

A HISTÓRIA DOS CRIMES DE PEDRINHAS


Conectas

ONGS PEDEM DETALHES ÀS AUTORIDADES MARANHENSES29/01/2014

Apesar de ter escancarado os males crônicos do sistema penitenciário brasileiro, a violência no complexo de Pedrinhas, no Maranhão, não conseguiu tirar das sombras as principais vítimas dessa estrutura: os próprios presos. A ocupação do presídio pela polícia militar em dezembro aprofundou a falta de informações e, até hoje, apesar da exposição do caso na imprensa nacional e internacional, pouco se sabe sobre quem eram e como morreram os 65 detentos assassinados no complexo desde o início de 2013.

Para garantir que eles tenham nome e história e que os culpados pelas sistemáticas violações no presídio sejam responsabilizados, Conectas, Justiça Global e Sociedade Maranhense de Direitos Humanos requisitaram, através da Lei de Acesso à Informação, detalhes sobre cada um dos crimes.

O pedido foi direcionado a juízes de execução penal, ao secretário estadual de Justiça e Administração Penitenciária, ao secretario de Segurança Pública, à Procuradoria-Geral de Justiça e ao promotor de Justiça que coordena o Centro de Apoio Operacional do Controle Externo da Atividade Policial.

As organizações querem saber o nome dos presos mortos, a data dos crimes e os procedimentos já adotados para esclarecê-los, como a realização de exames de corpo de delito, a instauração de inquéritos e a abertura de processos judiciais.

“Essas informações nos darão a medida de quanto o governo maranhense tem realmente trabalhado para evitar que a tragédia de Pedrinhas se repita”, afirma Rafael Custódio, coordenador de Justiça da Conectas. “As violações que acontecem contra presos sob a tutela do Estado devem ser investigadas de maneira transparente, à luz do debate público sobre os rumos da política penitenciária.”

Acesse aqui os documentos enviados às autoridades maranhenses:

Roberto de Paula e Fernando Mendonça, juízes de Execução Penal
Sebastião Uchôa, secretario estadual da Justiça e Administração Penitenciária
AluIsio Guimarães Mendes Filho, secretario estadual de Segurança Pública
Regina Rocha, Procuradora-Geral de Justiça, e José Cláudio Cabral Marques, promotor de Justiça e Coordenador do Centro de Apoio Operacional do Controle Externo da Atividade Policial

quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

Detento espancado no presídio de Balsas morre em ITZ

Imirante

A Polícia Civil já identificou três suspeitos de praticar o crime.
Alan Milhomem / Imirante Imperatriz*
29/01/2014 às 13h01 - Atualizado em 29/01/2014 às 14h34



Reprodução / TV Mirante Balsas


Valdiano foi preso em Fortaleza dos Nogueiras.


BALSAS – O detento Valdiano Fernandes da Silva, 27 anos, que estava na Unidade de Ressocialização de Balsas, foi espancado na cela no último sábado (25) e morreu na tarde de ontem (28) no Hospital Municipal de Imperatriz (Socorrão).

Valdiano foi preso depois de praticar assalto em Fortaleza dos Nogueiras. Ele estava na cadeia da cidade e foi transferido para a Unidade Ressocialização de Balsas na tarde da última sexta-feira (24). Na manhã de sábado (25), Valdiano foi espancado na cela.

O preso foi resgatado por agente penitenciário e socorrido pelo Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu). Em estado grave, a vítima foi encaminhada para o Socorrão, mas não resistiu aos ferimentos e morreu na tarde de ontem (28).

Segundo a Polícia Civil de Balsas, que investiga o caso, três suspeitos de praticar o crime já foram identificados, são eles: Sebastião da Conceição Silva, Amaro Dias de Castro e Antônio José Sales de Oliveira. Os três devem ser ouvidos nos próximos dias. Segundo o delegado regional de Balsas, Eduardo Galvão, eles serão indiciados por homicídio qualificado.

*Com informações da TV Mirante Balsas

OAB pede que conselho da ONU cobre Brasil sobre presídios

G1

28/01/2014 18h27 - Atualizado em 28/01/2014 18h34


Ação foi protocolada no Conselho de Direitos Humanos, em Genebra.
Ordem dos Advogados denuncia situação crítica no MA e no RS.


Mariana OliveiraDo G1, em Brasília

A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) protocolou pedido no Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU), em Genebra, para que o órgão internacional cobre do Brasil providências sobre a situação do sistema prisional do Maranhão e do Rio Grande do Sul.

A ação foi assinada pelo presidente da entidade, Marcus Vinícius Furtado Coêlho, e protocolada no dia 22 de janeiro. O conteúdo foi divulgado nesta terça-feira (28).

O Conselho de Direitos Humanos da ONU é formado por mais de 40 países e faz parte da Assembleia Geral da ONU, que pode recomendar punições a países por violações dos direitos humanos.

A OAB pede que o Estado brasileiro seja cobrado "urgentemente" para separar os presos provisórios dos condenados definitivos, separar os presos em função da gravidade dos crimes cometidos, conceder assistência médica e jurídica efetiva aos presos e seus familiares, iniciar a construção de novos presídios para controlar a superlotação e efetuar indenização às família de presos mortos nas unidades prisionais.
saiba mais
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Ministro anuncia plano emergencial para conter crise em presídios do MA
Tribunal internacional pede medidas no Presídio Central de Porto Alegre

A ação da OAB se baseia em relatório do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) que aponta que foram registradas 60 mortes em 2013 nas prisões do Maranhão e citou "extrema violência" no presídio, mortes de detentos com decapitações e estupro de familiares durante visitas. Neste ano, três detentos foram mortos.

No começo de janeiro, em comentário sobre a situação prisional, o Alto-Comissariado de Direitos Humanos da ONU expressou preocupação com a situação.

Em relação ao Rio Grande do Sul, a OAB denuncia a situação do Presídio Central, em Porto Alegre, onde, segundo a entidade dos advogados, as condições de saúde, higiene e alimentação são degradantes. A Ordem diz que o presídio tem 2,9 mil vagas, mas abriga 4,4 mil detentos.

Maranhão é o Estado com maior índice de desvio de recursos públicos

Corporativismo em pauta

Um grupo de destemidos sindicalistas compareceu  hoje na porta da OAB-MA, munidos de carro de som e palavras de ordem, apoiados pela revolucionária entidade sindical, denominada "Força Sindical" (aquela do Paulinho), para reivindicar o direito de serem considerados uma categoria impoluta, sem nenhuma defecção de cunho ético.
Tais revolucionários, empunhando suas bandeiras idealistas, conseguiram mobilizar uma multidão de quinze pessoas para o ato corajoso, que pretende ensinar às outras instituições do Estado a fórmula mágica de moralizar o sistema penitenciário, a partir do domínio exclusivo de agentes penitenciários abnegados.
A revolta desses verdadeiros guerrilheiros, acredita-se, se dá por conta da atuação do presidente da comissão de direitos humanos daquela seccional, que insiste em não acreditar na pureza absoluta da categoria e ainda de vez em quando os denuncia pela prática de tortura.
Aterrorizado com tamanha multidão na porta da seccional, seu presidente entendeu por bem em  atender uma gloriosa comissão de negociadores, que apresentaram uma pauta, muito melhor aproveitada se endereçada ao CNJ e à Delegacia que apura crimes funcionais (Supervisão de Investigação de Crimes Funcionais), de onde partem as alentadas e injustas acusações contra esta impetuosa categoria.
Depois de negociarem a tortuosa pauta, saíram todos orgulhosos da vitória obtida, após travarem renhida batalha contra as forças da opressão. Sem dúvida, foi dado o primeiro passo para a absolvição de todos os companheiros investigados nos vários procedimentos instaurados contra agentes penitenciários. Uma cabal demostração de força que tornou por abalar as estruturas da sociedade e do Estado. Avante, companheiros!

terça-feira, 28 de janeiro de 2014

Quem combinou que é proibido falar de agiotas?

Li hoje uma matéria no Jornal O Imparcial, falando a meu respeito. Alguém me avisou, fui procurar o jornal, em cima da mesa de alguém.
Surpresa. O jornal dizia que eu poderia ter problemas com a justiça, porque disse que a hegemonia política instaurada no Maranhão tinha relações com a agiotagem. Pareceu um aviso. Aquele negócio que uma turma da pesada gosta de fazer: "cuidado, seu limite é até aqui". Li e reli o que disse e não consegui encontrar onde iria ter problemas com a justiça. Pensei até que estavam achando que eu tinha problemas com agiotas.
No Maranhão não funciona assim -  parece que a matéria queria dizer para o incauto leitor. Não são os agiotas que devem ter problemas com a justiça, mas aquele que ousar falar deles.O blogue do "Marrapá", reproduziu a polêmica artificial (veja aqui), com uma chamada mais ameaçadora ainda: "Na mira da justiça". Vejam só. Eu que não ando tomando drinques com agiotas, estou na mira da justiça e ainda poderei responder por calúnia e difamação, diz ali um advogado que milita na área, defendendo exemplares da tradicional política no Maranhão.
Penso comigo: pode ser que haja um pacto, já que os dois lados estão bem representados na lista de prefeitos envolvidos com agiotas, divulgada pela polícia federal (para lembrar). Verdade, quem poderia introduzir esse debate nas eleições? Somente quem não se meteu na encrenca, óbvio.
Explico para mim mesmo: a campanha ainda não começou, mas existem regras de jogo implícitas, estabelecidas por setores da mídia local, dos grupos políticos e de seus interesses econômicos. Talvez eu não soubesse dessa regra, né? Teve até uma pré-candidata que tentou me defender, dizendo que teria cometido um "ato falho". Ato falho? Como assim?
Depois de todo o escândalo, ninguém pode mais falar no assunto, porque, na melhor das hipóteses, é ato falho?
Quem é do sistema e tem certeza de que vai ser candidato, já tem seus esquemas de financiamento. Portanto, já criou para si, algumas regras do discurso. Sabe quem e o quê pode atacar. Geralmente essas pessoas pertencem a grupos políticos e grupos de interesses econômicos. Sem isso, a campanha é pobre, e as possibilidades de êxito muito restritas.
Existem diversos tipos de candidatos do sistema. Eles podem ser de oposição ou de situação, porque o esquema financia os dois lados. Por isso, nos dois lados se gasta muito, durante a campanha. Os programas eleitorais são caros, porque são elaborados por grandes empresas de marketing político. A campanha é cara, porque é necessário aliciar lideranças políticas ou até  mesmo comprar votos; bancar um sem número de despesas, geralmente para ludibriar o direito de livre escolha do eleitor.
O resultado mais visível desse modelo da campanha do sistema é o caixa dois e o financiamento por agiotas. Já presenciamos escândalos nacionais, envolvendo a polarização PT-PSDB, envolvida numa modalidade de caixa dois: o mensalão. O esquema dos agiotas estourou no Maranhão, durante as investigações do assassinato do jornalista Décio Sá.
O esquema consiste em emprestar dinheiro, com taxa de juro elevada e sem autorização legal e compreende algumas variações em torno da mesma estratégia criminosa. Esse tipo de financiamento de campanha também é considerado caixa dois, porque não é declarado à justiça eleitoral. Aqui no Maranhão, as investigações revelaram pelos menos quatro quadrilhas de agiotas, em franca atuação.
Por causa dessas e outras é que o Maranhão é o campeão de ações de improbidade administrativa contra gestores.
Alguém poderia dizer, "mas doutor, nem todo mundo tem relações com agiotas" (e aqui no Maranhão muita gente, incluindo jornalistas, tem problema com interpretação de texto), "não se pode generalizar". Mas onde foi que generalizei? Se a polícia tivesse falado em dois ou três prefeitos, até duvidaria em fazer uma análise de contaminação sistêmica. Mas foram simplesmente 41. Lembra?
Então, a quem interessa interditar o debate?

segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

NO AUGE DA CRISE, BRASIL IGNORA A ONU DILMA CANCELA REUNIÃO SOBRE PRESÍDIOS COM AS NAÇÕES UNIDAS SOB DURAS CRÍTICAS DE ONGS

Conectas

No auge de uma das mais graves crises em seu sistema prisional, com registros de mais de 60 mortes em apenas um complexo prisional, o Brasil cancelou reunião de especialistas da ONU que debateriam em Brasília, entre os dias 28 e 31 de janeiro, a revisão das Regras Mínimas para o Tratamento de Presos – documento elaborado em 1956 para garantir a dignidade, o acesso à saúde e o direito à defesa da população carcerária. Delagações de 60 países estariam presentes, segundo o governo federal.

A decisão foi recebida com repúdio por organizações que participariam do encontro. Emcarta dirigida à presidente Dilma Rousseff, à Casa Civil, ao Ministério da Justiça, à Secretaria Especial de Direitos Humanos, ao Itamaraty e ao Conselho Nacional de Justiça, Conectas e Pastoral Carcerária afirmaram que o Brasil perdeu uma oportunidade única para discutir, na presença de especialistas internacionais, os problemas de sua política penitenciária.

“A apenas uma semana do início do evento o Brasil informou que o encontro seria adiado, sem ao menos indicar nova data, demonstrando um descaso perante a comunidade internacional e a sociedade civil nacional com relação a um tema tão urgente.”

As entidades também ressaltaram que a falta de previsibilidade na organização de eventos desse porte mina a participação da sociedade civil. “Temos assistido a atitudes como essa por parte desse Governo e interpretamos essas ações como um enfraquecimento e negligenciamento de canais de diálogo que foram arduamente fortalecidos nas últimas décadas”, diz a carta.

A justificativa oficial para o cancelamento é a de que circunstâncias internas não previstas estariam demandando atenção das autoridades que deveriam participar do evento.

Leia aqui o documento na íntegra.

Esforço internacional

O processo de revisão das Regras Mínimas teve início abril de 2012. Desde então, o Grupo Intergovernamental de Especialistas já se reuniu em duas ocasiões: em Viena, na Áustria, e em Buenos Aires, na Argentina. Conectas esteve presente nas duas oportunidades.

Em outubro de 2013, a organização apresentou, em conjunto com o Cels (Centro de Estudos Legais e Sociais), da Argentina, um documento de 49 páginas com contribuições para os especialistas.

A Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA apoiou a inclusão das propostas da Conectas e do Cels no processo de revisão das Regras Mínimas para Tratamento de Presos - especialmente a proposta de banir definitivamente do procedimento adotado nos presídios a chamada "revista vexatória". Nesta prática, agentes penitenciários chegam a revistar o interior de órgãos genitais de homens, mulheres e crianças de colo que visitam parentes encarcerados, sob pretexto de barrar a entrada de armas e chips de celular nas celas. Mulheres também são obrigadas a agachar, nuas, repetidas vezes, na frente dos agentes. Leia o documento no qual a OEA acolhe proposta da Conectas e do Cels.

sexta-feira, 24 de janeiro de 2014

O julgamento midiático


Interessante observar o comportamento da mídia local, quando a juíza auxiliar da 1ª Vara Criminal, Lewman Silva, determinou ontem a soltura de Sansão dos Santos Salles e Julian Jeferson Sousa da Silva, acusados de participação nos ataques a ônibus no último dia 03 de janeiro, que resultaram na morte da menina Ana Clara Souza e feriu quatro pessoas.

Sansão e Julian foram presos logo depois dos atentados, após investigação da polícia que prendeu mais 14 pessoas apontadas como co-autores dos crimes.

Além dos ataques a ônibus e da morte da menina Ana Clara, eles também foram acusados de atirar contra delegacias de polícia na capital maranhense.

Diante do alarido, o Ministério Público Estadual apressou-se em publicar nota, explicando as razões pelas quais não denunciou os indiciados no inquérito (leia aqui).

Daí em diante, foi possível constatar que, na verdade, não foi um ato unilateral da juíza da 1ª Vara Criminal, mas simplesmente uma decisão decorrente da ausência de denúncia em relação a essas duas pessoas, por absoluta falta de provas.

E aí vem a pergunta. Se não há prova contra eles, por que a policia os prendeu?

Relembrei as declarações de delegados e uma entrevista coletiva, na sede da Secretaria de Segurança, onde Sansão e Julian foram expostos publicamente, ao lado dos outros acusados pelo crime (relembre aqui).

Eles foram apontados indistintamente como figurantes na câmera de monitoramento do ônibus, alvo do ataque, no dia 03 de janeiro. Apesar da péssima qualidade das imagens (veja aqui), a polícia dizia que Sansão e Julian teriam aparecido no vídeo, naquele dia.

A mídia já havia condenado e julgado, quando a notícia da exclusão da denúncia chegou como uma bomba.

A reação primeira foi tentar desqualificar a juíza. Depois, foram para cima do Ministério Público. Por último, já sem graça, estão sorrindo amarelo para a polícia.

O delegado Marcos Afonso, de forma corajosa, veio a público (veja aqui). Foi a pá de cal.

As imagens dessas pessoas ganharam o mundo. Houve um linchamento coletivo, em relação ao dois, porque afinal e ao cabo, não havia provas contra eles. E agora, quem restabelecerá o prejuízo, quem apagará o estigma que foi criado?

Assim como aconteceu com Sansão e Julian, quantos presos provisórios não são absolvidos no final dos seus processos?

Quantos constrangimentos, quantas violências e até a morte, não pesaram sobre suas cabeças, antes que tivessem direito ao um julgamento técnico?

Lembrei quando entrevistava hoje um preso, membro de uma facção no CDP. Ele dizia: tudo bem, somos bandidos, mas aqui tem muita gente inocente esperando julgamento. Acordei que estava no CDP, um Centro de Detenção de Presos Provisórios.

Lembrei dos presos lesionados por balas de borracha, da apresentação do objetos pessoais de presos, misturados com celulares e armas, como se tudo fosse posse ilegal. E os presos reclamando do confisco de rádios de pilha, televisores, ventiladores e alimentos, este últimos sendo estragados com desinfetantes, quando não jogados no lixo.


Sobre o Cancelamento do encontro da ONU de Especialistas sobre Regras Mínimas para o Tratamento dos Presos

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De São Paulo para Brasília, 21 de janeiro de 2014.
Ofício Conectas_J_001_21 jan 14







Excelentíssima Presidenta da República
Sra. Dilma Rousseff
Excelentíssima Ministra Chefe da Casa Civil
Sra. Gleise Helena Hoffman
Excelentíssimo Ministro da Justiça
Sr. José Eduardo Cardoso
Excelentíssimo Ministro das Relações Exteriores
Sr. Luiz Alberto Figueiredo Machado
Excelentíssima Ministra da Secretária de Direitos Humanos da Presidência da República
Sra. Maria do Rosário Nunes
Excelentíssimo Ministro Presidente do Conselho Nacional de Justiça
Sr. Joaquim Benedito Barbosa Gomes



Ref.: Cancelamento do encontro da ONU de Especialistas sobre Regras Mínimas para o Tratamento dos Presos

Excelentíssimos Sra. Presidenta e Srs(as). Ministros(as),
É lamentável que o Brasil tenha cancelado o encontro de especialistas que sediaria nos dias 28 a 31 de janeiro de 2014, a ser realizado pela Organização das Nações Unidas (ONU), para tratar da importante Revisão das Regras Mínimas de Tratamento do Preso. A apenas uma semana do início do evento o Brasil informou que o encontro seria adiado, sem ao menos indicar nova data, demonstrando um descaso perante a comunidade internacional e a sociedade civil nacional com relação a um tema tão urgente. A justificativa oficial é de que circunstâncias não previstas em nível interno estariam demandando atenção das altas autoridades que deveriam estar presentes no evento. Vale lembrar que este evento já havia sido adiado uma vez.
Tal cancelamento e com tão pouca antecedência é uma grande perda para a discussão sobre as questões prisionais mundiais que vinham avançando consideravelmente nos dois primeiros encontros realizados (a primeira reunião foi realizada em Viena e a segunda em Buenos Aires). Sendo que esse cancelamento acarretará grande prejuízo para o próprio processo de Revisão das Regras Mínimas deTratamento do Preso.
Ademais, para o próprio Brasil, em um momento tão delicado de sua história penitenciária,se fazia ainda mais importante que essa discussão fosse seriamente realizada com a participação de especialistas e autoridades de diversos países membros da ONU, o que ofereceria uma oportunidade para o Brasil repensar sua política penitenciária de modo mais aberto.
No mais, manifestamos nosso descontentamento com a falta de previsibilidade de eventos como esses que fazem com que a participação da sociedade civil seja praticamente alijada, dificultando sobremaneira essa forma de atuação tão essencial, uma vez que são atores sociais que lidam diariamente com os problemas do sistema penitenciário e que podem contribuir de modo substantivo para a criação de instrumentos mais adequados à realidade dos presídios e dos presos.
Temos assistido a atitudes como essa por parte desse Governo e interpretamos essas ações como um enfraquecimento e negligenciamento de canais de diálogo que foram arduamente fortalecidos nas últimas décadas.
Conectas Direitos Humanos e Pastoral Carcerária, representando a Comissão Internacional de Pastoral Carcerária, por terem status consultivo junto à ONU se fizeram presentes nas primeiras duas reuniões e estariam presentes nesse terceiro encontro. Estamos transmitindo também à ONU nossa insatisfação com a atual postura desse Governo.
É com grande desapontamento que firmamos a presente carta.

Atenciosamente,

Lucia Nader
Diretora Executiva da Conectas Direitos
Humanos
lucia.nader@conectas.org

José de Jesus Filho
Membro da Coordenação Nacional da
Pastoral Carcerária
jose@carceraria.org.br

quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

Pedrinhas: as lágrimas que me descem em slow motion

Conjur

SENSO INCOMUM


Por Lenio Luiz Streck

Todos conhecem o famoso livro Papillon, que retrata a fuga espetacular da pior prisão do mundo, a Ilha do Diabo, na Guiana Francesa. Há também o livro escrito pelo verdadeiro prisioneiro que fugiu, René Belbenoit, A Ilha do Diabo(Dry Guillotine — nome original), publicado em 1938. Depois desse livro, a França desativou o presídio. O livro retrata o inferno. O filme, com Steve McQueen, provoca fortes emoções, raiva, indignação.

Pois bem. Desafio a qualquer pessoa a assistir ao filme sem se emocionar. Embora o livro retrate um acontecimento real, trata-se de uma ficcionalização. Quanto mais ficcionalizado, mais nos emocionamos. Choramos. Fungamos pelos cantos do cinema. Ficções da realidade...realidade das ficções, como dicotomizava Warat, deixando cair as cinzas do cigarro que não tragava sobre os papéis em cima da mesa, rodeada de xícaras vazias de café de vários dias.

Emocionamo-nos com as ficções e damos uma banana para a realidade. Qualquer folhetim, com boa trilha sonora, arranca-nos algo que, sem sonoplastia, não verteria. Por isso, tenho uma proposta, sobre a qual já escrevi em outro(s) lugar(es): colocar-sonoplastia-no-cotidiano. Flambar a realidade. Assim, quando a gente vai dar um esporro no mendigo, antes disso toca o alto falante do cotidiano... E a gente se torna terno. Imagine a música do filme Ghost... Minha mão começaria a tremer e uma lágrima desceria em slow motion, fazendo tobogã nas rugas que o tempo já me deu. Bingo. E eu abraçaria o meu semelhante... Isso. Tudo pode ser como...no Natal. Tudo pode ser... Como nas propagandas. O mundo estaria salvo. Alvíssaras. Até que levo jeito para a coisa, pois não? E a verdade... bem, a verdade deve estar lá fora.

A verdade está lá fora... em Pedrinhas e por aí
A verdade está lá fora... em Pedrinhas, no Maranhão, no Presidio Central de Porto Alegre, em tantos lugares. A Ilha do Diabo é aqui. Não só o Haiti é aqui. Papillon é aqui. Imaginem os leitores se, na hora em que o ministro da Justiça estivesse concedendo uma coletiva, alguém mostrasse em um telão as cenas de Pedrinhas... com sonoplastia feita pela Rede Globo. As cabeças decepadas dos presos rolando pelo chão, com trilha sonora dessas holiudianas. O corpo com mais de 150 facadas mostrado com a música do filme Papillon. Os presos gritando em slow motion e um Vangelis de fundo musical. E quando o ministro ou alguma autoridade dissesse “as prisões brasileiras são masmorras medievais”, um música potente da trilha do filme Laranja Mecânica irrompesse no estúdio em que a entrevista estivesse ocorrendo. E aquela gargalhada do personagem do filme de Kubrick, o Alex (A-Lex) entrondamente constrangesse a todos...

Talvez assim pudéssemos levar a sério a discussão sobre essa vergonha nacional que são essas masmorras medievais. Só com sonoplastia no cotidiano. Só com um grande alto-falante. Só com uma espécie de alto-falante fundamental, se me entendem a ironia. Como é possível que o Brasil não se levante face à ignominiosa situação do presídio de Pedrinhas? Perdemos totalmente a capacidade de indignação. Nosso cotidiano nos esfalfelou.

De tanto vermos o vilipêndio dos presos, “normalizamos o nosso olhar”. Não por menos, durante o mutirão carcerário do CNJ em todo país, descobriu-se que 10,4% dos detentos estavam presos ilegalmente. Quer dizer, quase 50 mil pessoas (aqui)! Isso revela que em boa medida o Judiciário e o Ministério Público também são parte do problema, afinal, como é que não se enxerga um contingente de gente que lotaria qualquer estádio da Copa? E olha que o mutirão ainda não terminou... Uma explicação, talvez, esteja no fato de que as responsabilidades legais e éticas individuais terminam por se diluir no conglomerado, em que cada ser humano — ator jurídico — se funcionaliza, transforma-se em uma espécie engrenagem dentro da grande máquina do sistema punitivo. Assim como Arendt aponta em Eichmann in Jerusalem, é o espaço da burocracia que desumaniza o homem e dessignifica a barbárie.[1] Criamos capas de sentidos que nos imunizam contra o dar-se-conta-da-barbárie. Puzilanimizamos o nosso cotidiano. Sim: pu-si-la-ni-mi-za-mo-NOS!

Em 2009, em face de vários processos nos quais oficiei como procurador de Justiça, pelos quais constatei a barbárie no sistema prisional gaúcho, representei ao procurador-geral da República pela intervenção federal no estado. Mostrei filmes, documentos, depoimentos. Números e mais números. Desgraças e mais desgraças. Mostrei que o presídio central está(va) loteado pelas facções criminosas. Parte do presídio foi “vendida” por uma facção a outra. Quando o preso ingressa no sistema, deve optar por umas das facções... Pois bem. O então procurador-geral pediu informações à governadora. Que disse estar tomando providências-que-nunca-foram-implementadas. Como está hoje? Perguntem à Associação dos Juízes do RS que representou à ONU e à Corte Interamericana de Direitos Humanos.

E Pedrinhas? Muito pior. Dezenas de mortos no ano passado, três só este ano. Cabeças cortadas, corpos picados à faca. Os presídios brasileiros deixam as celas abertas, exatamente para que as facções dominem as galerias. As pedras sabem disso. Pedrinhas sabem disso. Todos sabemos. Mas, sem sonoplastia, sem fundo musical, não nos indigna(re)mos. Os dominadores-chefes dos presídios cobram pela droga distribuída, pelos celulares, pelo “seguro-de-bunda”, pelo lugar para dormir... E furam a mão (ou o pé) do inadimplente. Muitos presos não querem sair no Natal e em datas festivas porque têm de executar tarefas fora do “sistema”. Os familiares dos presos têm que comprovar os depósitos por recibo bancário. Tudo profissionalizado. Pelos menos a ordem é que se use o banco estatal. Parece que não confiam nos bancos privados...

Beccaria morreu e nasceu o canibalismo
Quando pensávamos que o sistema carcerário tinha atingido o fundo do poço em Pedrinhas... esta semana a revista Época narrou canibalismo em um presídio do Rio Grande do Norte (aqui). Então? Escrevi esta coluna sem fundo musical. Ainda consigo me indignar. Mas o grosso da comunidade jurídica e parcela considerável da população acha que, se os presos estão lá e sofrem, é “porque alguma coisa devem ter feito para merecer isso”. Como se isso fosse um carma que cada preso tivesse que carregar. Beccaria teria arrepios se visse os castigos corpóreos pelos quais passam os presos de terrae brasilis. Mas, não foi para isso — o fim das penas corporais — que surgiu o iluminismo penal? Beccaria morreu. Nem seu legado teórico é respeitado.

E sabem o que vem pela frente? Em vez de construirmos presídios dignos, como os países civilizados fazem, vamos criar um atalho. Pindorama é pródigo nisso. Vamos atirar a água suja fora...com a criança dentro. Ou seja, em vez de construirmos presídios, já começam a surgir propostas de acabar com tudo. Sim. Para que prender? Se a prisão é tão ruim, acabemos com as penas e as prisões, dizem alguns setores.

Eis o busílis da questão. Criamos o caos, incentivamos o inferno prisional, não fazemos nada para evitá-lo e, depois, apresentamos a solução: prisão só para quem “precisa”. Só que não se sabe o sentido da tal “precisão”. Ah, dizem alguns, prisão é só para crimes violentos. OK. E o que é um crime violento? Sinto um cheiro “estamental” no ar... Voltarei a esse assunto em outra coluna.

De todo modo, ao escrever esta coluna, lembrei-me de Anatole France, poeta e escritor que viveu no século XIX. Com sua ácida crítica, cunhou um “aforisma” genial: “A Lei, em sua magnifica ‘igualdade’, proíbe ao rico e ao pobre dormir debaixo de pontes, assim como mendigar pelas ruas e furtar pão”. A diferença é que, desde logo, sabemos quem não será jamais “pego pelas malhas dessa lei”. Por mais igualdade que exista na lei, alguns não serão apanhados... pela simples razão que a eles não se destina. Há outro dito castellano que ajuda a entender o problema: Las leyes son como las telarañas: los insectos pequeños quedan atrapados en ellas, los grandes las rompen.

Numa palavra final
O que me impressiona, entre tantas coisas — e peço para os meus estagiários ligarem a trilha sonora — é que a OAB e outras entidades precisem fazer queixas para organismos internacionais. Inacreditável. Isso é a confissão de que fracassamos. Cá para nós. Um rotundo fracasso. Se não temos mecanismos internos para preservar os direitos humanos da população carcerária, vamos entregar os pontos. Arriar a bandeira. Não confiamos em nossas instituições para resolver isso? Não, por favor, não respondam...
_______________________________________________________________________
[1] Está para sair um livro de um orientando meu, Rosivaldo Toscano, que aborda essa dimensão perversa contida na transformação das instituições estatais em grandes corporações, voltadas a uma eficiência numérica e cega, e seus efeitos nefastos ao sistema de Justiça como um todo.

quarta-feira, 22 de janeiro de 2014

OAB Nacional cria Coordenação de Acompanhamento do Sistema Carcerário

OAB-MA

Publicada em 21/01/2014GeralO representante do Maranhão será o presidente da CDH da OAB/MA, Luís Antônio Pedrosa



Brasília – O Conselho Federal da OAB anunciou sexta-feira, 17, a criação da Coordenação de Acompanhamento do Sistema Carcerário, formada por Conselheiros de todos os estados e do Distrito Federal. A coordenação será presidida por Adilson Geraldo Rocha, de Minas Gerais, com Márcio Vitor Meyer de Albuquerque (CE) como vice-presidente e Umberto Luiz Borges D’Urso (SP) como secretário. O representante do Maranhão será o presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB/MA, Luís Antônio Câmara Pedrosa. Dia 29 de janeiro o Conselho Seccional do Maranhão vai se reunir extraordinariamente para tratar da situação carcerária do estado. A reunião contará com a presença do presidente da OAB Nacional, Marcus Vinicius Furtado Coêlho.

A Coordenação de Acompanhamento do Sistema Carcerário da OAB será empossada no dia 4 de fevereiro, na sede do Conselho Federal, em Brasília. O jurista Miguel Reale Jr. fará uma palestra no dia da posse, que também marca a primeira reunião de trabalho do grupo. Os presidentes de todas as Seccionais receberão convite para o evento, assim como o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, e Augusto Eduardo de Souza Rossini, diretor do Departamento Penitenciário Nacional. Cardozo e Rossini também serão convidados a participar da reunião.

Durante o mês de dezembro, em conversas com os presidentes das Seccionais, o Conselho Federal da OAB decidiu criar a Coordenação de Acompanhamento do Sistema Carcerário. Naquele mês, a OAB apresentou denúncias à Organização dos Estados Americanos (OEA) pelas péssimas condições do Presídio Central de Porto Alegre e do Presídio de Pedrinhas, no Maranhão – em janeiro, o complexo em São Luís virou símbolo do caos e da barbárie quando três presos foram decapitados em uma disputa de facções.

No enfrentamento da crise no sistema penitenciário nacional, o Conselho Federal, além da criação da Coordenação de Acompanhamento do Sistema Carcerário, orientou as Seccionais a analisarem a situação em cada Estado e ajuizarem ações civis públicas cobrando dos governos melhorias nas condições dos presídios. Segundo o presidente da entidade, Marcus Vinicius Furtado Coêlho, “o Estado é responsável pela proteção da vida das pessoas submetidas à sua custódia”.

A OAB também irá requerer aos juízes de cada Estado que os presos provisórios sejam separados dos presos condenados e que também haja divisão de acordo com a gravidade dos crimes cometidos.

Confira abaixo a lista completa dos membros da Coordenação de Acompanhamento do Sistema Carcerário do Conselho Federal da OAB, criada por meio da portaria 011/2014, de 16 de janeiro de 2014:

Adilson Geraldo Rocha (MG) - presidente; Márcio Vitor Meyer de Albuquerque (CE) - vice-presidente; Umberto Luiz Borges D'urso (SP) – secretário; Elísio Manoel Pinheiro Mansour Filho (AC); Francisco de Assis França Junior (AL); Epitacio da Silva Almeida (AM); José Calandrini Sidonio Junior (AP); Marcos Luiz Alves de Melo (BA); Alexandre Vieira de Queiroz (DF); Gilvan Vitorino da Cunha Santos (ES); Rodrigo Lustosa Victor (GO); Luis Antonio Câmara Pedrosa (MA); Luiz Carlos Saldanha Rodrigues Junior (MS); Betsey Polistchuck de Miranda (MT); Ivanilda Barbosa Pontes (PA); Wilson Sales Bechior (PB); Adeildo Nunes (PE); Lúcio Tadeu Ribeiro dos Santos (PI); José Carlos Cal Garcia Filho (PR); Maira Costa Fernandes (RJ); Hélio Miguel Santos Bezerra (RN); Rodolfo de Freitas Jacarandá (RO); Ednaldo do Nascimento Silva (RR); Ricardo Ferreira Breier (RS); Victor José de Oliveira da Luz Fontes (SC); Evânio José de Moura Santos (SE); Ester de Castro Nogueira Azevedo (TO).

Com informações do Conselho Federal

Foto: Arquivo

Detento é encontrado morto em um balde de lixo na Unidade de Ressocialização em Santa Inês

Esse já é o quarto preso morto dentro de presídios no Maranhão.

Imirante.com, com informações da Mirante AM
22/01/2014 às 18h07 - Atualizado em 22/01/2014 às 19h32

SÃO LUÍS – Um detendo foi encontrado morto, na tarde desta quarta-feira (22), na cela da Unidade Prisional de Ressocialização da cidade de Santa Inês.
Foto: Divulgação.
Segundo as primeiras informações, o preso foi identificado como Cledeílson de Jesus Cunha. Ele teria sido encontrado dentro de um balde de lixo. Os investigadores estão no local averiguando as causas da morte. A unidade tem capacidade para 78 presos mas, atualmente, está com 94.
Com essa morte, chega a quatro o número de presos mortos em presídios do Maranhão, só no primeiro mês de 2014. Os três primeiros foram assassinados dentro do Complexo Penitenciário de Pedrinhas.

Incra e Fetaema discutem ocupação da reserva awá-guajá com agricultores



21/01/2014 17h32 - Atualizado em 21/01/2014 17h32

Reunião ocorreu na cidade de Zé Doca.
Foram tratadas apenas necessidades dos que ocupam a reserva.
Do G1 MA, com informações da TV Mirante

O Incra e a Fetaema participaram de uma reunião em Zé Doca com representantes de agricultores que ocupam a reserva indígena awá-guajá, no noroeste do estado. O encontro, que seria para apresentação das terras para onde eles serão remanejados, acabou servindo também para discussão de algumas necessidades dos agricultores.

Na reunião, foram tratadas apenas das necessidades dos agricultores que ocupam a reserva. "É preciso discutir com os órgãos fundiários não só quem são as pessoas que são beneficiadas com esse assentamento, mas para onde vão, como está o andamento dos processos de desapropriação ou de regularização fundiária, e só então nós vamos poder discutir outros benefícios que essas pessoas têm direito, em função do impacto que essa desintrusão vai gerar pra eles", disse Luís Antônio Pedrosa, advogado da Fetaema.

Outra preocupação foi com as terras para onde as famílias serão remanejadas. O Incra começou a fazer o cadastro do agricultores notificados para deixar a reserva. O problema é que apenas 10% das famílias notificadas fizeram o cadastro.

"A partir do momento que a informação chega a essas famílias, de formamais correta, acredito que as famílias passarão a ter outro comportamento. Receberão a notificação do oficial de Justiça e, em seguida, procurarão a equipe do Incra para que o cadastro seja feito", explicou o superintendente do Incra, José Inácio Rodrigues.

A reunião não foi o que os agricultores esperavam. Eles saíram sem saber, ao certo, para onde serão remanejados, depois que saírem da reserva awá-guajá
.

terça-feira, 21 de janeiro de 2014

Escuridão, aperto e doenças: uma visita a uma prisão maranhense

BBC Brasil


João Fellet

Enviado especial da BBC Brasil a Açailândia (MA)


Atualizado em 21 de janeiro, 2014 - 07:42 (Brasília) 09:42 GMT



Elisângela Santana de Lima, presa há dois anos e cinco meses sem jamais ter sido condenada

Na cela feminina, uma mulher está presa há dois anos e quatro meses à espera de julgamento. A poucos metros dali, um doente que diz ter hanseníase vive amontoado com outros 18 detentos numa cela onde deveria haver até nove. Nos compartimentos vizinhos, homens detidos há quase um ano ainda não foram sequer ouvidos pela Justiça.

Os casos, presenciados pela BBC Brasil numa prisão de Açailândia (a 600 km de São Luís), mostram que longe dos holofotes voltados à crise no complexo penitenciário de Pedrinhas, na capital maranhense, presos do interior do Estado também enfrentam superlotação, insalubridade e a lentidão da Justiça.

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Segundo organizações que monitoram as prisões maranhenses, a falta de vagas em presídios no interior do Estado é uma das causas para a crise em Pedrinhas, onde 62 detentos foram assassinados desde 2013.

Elas afirmam que transferências de presos do interior para a penitenciária da capital acirraram rixas entre facções criminosas, motivando grande parte das mortes.

Já o governo maranhense diz investir para ampliar o número de vagas e reformar os presídios no interior.
Carcaças de veículos

A BBC Brasil visitou o Centro de Detenção Provisória (CDP) de Açailândia no último sábado. Embora se destine a presos provisórios, a unidade – uma delegacia reformada para virar presídio – também abriga internos definitivos. Naquele dia, 120 presos ocupavam uma área projetada para abrigar 70.

Apesar da superlotação, parte da área externa do presídio serve de depósito a cerca de 30 veículos apreendidos pela polícia. Expostos a sol e chuva há vários anos, alguns automóveis viraram carcaças.

Atrás da recepção e da gaiola onde os detentos tomam banho de sol duas vezes por semana, corredores ligam as nove celas. Escuros e abafados, dão a impressão de que se está numa masmorra medieval.

Para driblar a falta de espaço nas celas, presos se penduram em redes, enquanto os demais – quase todos sem camisa, por causa do calor – se encolhem no chão.

Pequenas frestas nas paredes impedem a entrada de luz natural e a circulação do ar. Há forte cheiro de mofo, cigarro e suor.


Presos do interior do Estado também enfrentam superlotação, insalubridade e a lentidão da Justiça

A visita agita os detentos, que abrem espaço junto às grades para que os colegas que aguardam julgamento há mais tempo exponham seus casos.

Na única cela feminina do presídio, separada das demais por um portão de ferro, Elisângela Santana de Lima, de 32 anos, está presa há dois anos e cinco meses sem jamais ter sido condenada.

Acusada de homicídio, crime que ela nega, Lima diz não ter ideia de quando seu caso será levado a júri. "Tenho uma filha pequena lá fora, nunca mais vou recuperar os anos que passei longe dela."

Na cela vizinha, misturado a outros 18 presos, Samuel Alves de Souza mostra feridas no braço. O preso diz que tem hanseníase e que interrompeu o tratamento após ser preso, no fim de 2013.

Antes chamada de lepra, a doença é contagiosa e pode provocar graves deformidades no corpo.

A BBC Brasil enviou fotos das feridas a um dermatologista do Hospital das Clínicas de São Paulo. Ele diz que, embora sejam necessários exames para confirmar o diagnóstico, sinais na mão do preso indicam que ele pode mesmo ter a doença.

Segundo o médico, caso ele esteja com hanseníase e não se trate, há risco de que os demais colegas de cela sejam infectados.

Responsável pelos processos criminais na Justiça de Açailândia, o juiz Pedro Guimarães Junior diz que um laudo médico atestou que Souza está curado da hanseníase e não oferece risco aos outros presos. Mesmo assim, ele afirma que o interno terá nova consulta médica no dia 27.

Outros detentos da prisão aguardam atendimento. Numa das celas, um preso com febre foi posto pelos demais junto às grades para diminuir o risco de contágio.

A direção do presídio afirma que não dispõe de veículos nem funcionários suficientes para transportar os presos a hospitais sempre que necessário.

Outros presos se queixam da lentidão da Justiça ou do que consideram falhas em seus ritos processuais. Ao menos cinco detentos disseram estar presos há quase um ano sem ter sequer sido convocados para audiências judiciais, uma das primeiras etapas do julgamento.

O juiz de Açailândia, no entanto, afirma priorizar os casos em que os réus estão presos, "alcançando a instrução e o julgamento sempre dentro do prazo legal".

Há uma semana, outro juiz, de São Luís, deu prazo de 60 dias para que o governo maranhense ampliasse o número de vagas em seus presídios.

O governo do Maranhão diz que "tem cumprido com os prazos determinados por lei para a licitação de obras de construção e ampliação de unidades prisionais no Estado". Em nota, a gestão afirma que, além de Imperatriz, outros oito municípios do interior ganharão novos presídios, e quatro terão suas unidades reformadas.

Segundo o governo, recentemente foram entregues cinco Unidades Prisionais de Ressocialização (UPR) no interior maranhense.


Teme-se que as más condições agravem a tensão entre os detentos


Fossa no limite

Entre os agentes prisionais de Açailândia, teme-se que as más condições agravem a tensão entre os detentos.

O diretor do presídio, Bruno Marcos Peixoto Costa, diz que as verbas do governo para limpar a fossa sanitária da prisão estão atrasadas e que, se ela encher, excrementos poderão voltar para as celas.

Ele também se queixa da falta de funcionários na unidade. Hoje, somente três agentes penitenciários se revezam nos plantões do presídio, que também contam com um vigilante armado e oito monitores terceirizados.

Segundo o coordenador da Pastoral Carcerária no Maranhão, padre Elisvaldo Cardoso Silva, a prisão de Balsas, também no interior maranhense, é ainda pior que a de Açailândia. Ele diz que lá há 150 presos para 50 vagas.

Na prisão do município vizinho de Imperatriz, o segundo maior do Maranhão, 345 presos ocupam local projetado para 280.

O diretor do presídio, Francisco Firmino de Brito Silva, diz temer que o caos em Pedrinhas faça o governo dar menos atenção aos presídios do interior.

"Como dizia a minha avó, aqui no interior está queimando um fogo de Montoro", diz ele. "É como aquele fogo que ninguém vê porque está coberto por folhas, mas que de repente ganha força e, aí, ninguém mais consegue apagar."

O novo método fazendo água

Hoje morreu o terceiro preso em Pedrinhas, no ano de 2014. Foi encontrado enforcado na CCPJ de Pedrinhas, presídio onde foi deflagrada a greve de fome, palco de pelos menos dois motins, nos últimos dias.

No Comitê Gestor da crise, anunciado pelo Governo, não se fala em atendimento pessoal dos presos, por alegadas razões de segurança. Agora, mais do que nunca já cabe perguntar: segurança para quem, cara pálida?

As restrições ao trabalho das entidades e comissões de direitos humanos podem ter outros objetivos, diante do caos que se apesenta. Um deles pode ser ocultar uma metodologia de força, fundamentada em mais violações de direitos humanos.

Em nenhum momento, na história dos presídios maranhenses esse impendimento de acesso aos presídios se demonstrou necessário. Nem nas situações onde várias cabeças rolaram, nos corredores de pavilhões.

A presença da PM nos presídios pode ser conciliada com a fiscalização de seu métodos e com o atendimento pessoal de presos que reclamam da arbitrariedade. Isolar o preso de qualquer possibilidade de queixa, mesmo que sem fundamento na realidade, é aumentar a tensão na massa carcerária.

O incrível mesmo é que a instituições que compõem o sistema de justiça até agora avalizam o novo método, sem nenhuma margem de crítica. Além da entidades de direitos humanos da sociedade civil, incluindo OAB, não se ouve mais nenhuma voz.

É preciso também romper com a cumplicidade, se quisermos contornar a crise, sem mais derramamento de sangue.

Detento é encontrado morto na CCPJ de Pedrinhas, em São Luís

Imirante


Local foi isolado. Essa é a terceira morte em presídios registrada em 2014.
Imirante.com, com informações da Mirante AM
21/01/2014 às 06h55 - Atualizado em 21/01/2014 às 08h02


SÃO LUÍS – Um detento foi encontrado morto no início da manhã desta terça-feira (21) em uma cela da Central de Custódia de Presos de Justiça (CCPJ) de Pedrinhas, em São Luís. A informação foi divulgada pela Rádio Mirante AM.

A Secretaria de Estado de Justiça e Administração Penitenciária (Sejap) deve se pronunciar oficialmente, nas próximas horas, sobre o caso. Em contato por telefone com a reportagem do portal Imirante.com, o secretário Sebastião Uchoa afirmou que o local está isolado, aguardando o delegado e a perícia para autuação em flagrante dos detentos que ocupam a mesma cela e investigação do crime.

Terceiro em 20 dias

No início do ano, dois presos foram mortos no Complexo Penitenciário de Pedrinhas. Na madrugada do dia 2, o preso Josivaldo Pinheiro Lindoso, de 35 anos, foi o primeiro detento assassinado no Complexo Penitenciário de Pedrinhas em 2014. Em menos de 24h, outro caso foi registrado: Sildener Pinheiro Martins, de 19 anos, foi assassinado pela tarde, no Centro de Detenção Provisória (CDP), conhecido como "Cadeião".

Em 2013, segundo relatório do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), 60 detentos morreram nos presídios do Maranhão.

domingo, 19 de janeiro de 2014

Entrevista com Raúl Eugenio Zaffaroni

Última Instância

"Cada país tem o número de presos que decide politicamente ter", diz ministro do Supremo argentino

Viviane Tavares/Agência Fiocruz - 23/07/2013 - 15h59

O ministro da Suprema Corte Argentina e professor titular e diretor do Departamento de Direito Penal e Criminologia na Universidade de Buenos Aires, Raúl Eugenio Zaffaroni, fala em entrevista à Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio/Fiocruz sobre o direito penal na América Latina e como ele vem sendo usado para fazer uma "limpeza social".

Segundo Zaffaroni, a demanda da redução da maioridade penal e o combate às drogas seguem esta mesma linha de criminalização e exclusão do pobre.


Vivane Tavares/Fiocruz: Por que o sr. defende a necessidade de uma identidade latina no direito penal?
Raúl Zafforoni: Nossos países estão vivendo um crescimento da legislação repressiva, porém, deveríamos caminhar para fortalecer a solidariedade pluriclassista em nosso continente. Não podemos seguir os modelos europeus e, muito menos, o norte-americano, em que a política criminal é marcada por uma agenda midiática que provoca emergências passageiras, resultando em leis desconexas que, passada a euforia midiática, continuam vigentes.

VT - No Brasil, estamos diante de um cenário em que a guerra contra as drogas mata mais do que a droga em si. Como o sr. analisa isso?
RZ - É um fenômeno mundial. Quantos anos demoraria para que o México alcançasse a cifra de 60 mil mortos por overdose de cocaína? No entanto, já alcançou, em cinco anos, como resultado da competição para ingressar no mercado consumidor dos EUA.

VT - Atualmente, a grande questão do sistema penal brasileiro é a redução da maioridade penal. Qual é a sua opinião sobre isso? O que deve ser levado em conta para se limitar essa idade?
RZ - A redução da maioridade penal é também uma demanda mundial que se relaciona à política de criminalização da pobreza. A intenção é pôr na prisão os filhos dos setores mais vulneráveis, enquanto os da classe média continuam protegidos. Embora haja alguns adolescentes assassinos, a grande maioria dos delitos que eles cometem são de pouquíssima relevância criminal. O Brasil tem um Estatuto [Estatuto da Criança e Adolescente] que é modelo para o mundo. Lamento muito que, por causa da campanha midiática, ele possa ser destruído.

VT - Na Argentina existe um modelo de responsabilidade penal para adolescentes de 16 anos. Como isso se dá?
RZ - Na Argentina, a responsabilização penal começa aos 16 anos, de maneira atenuada, e somente é plena a partir dos 18 anos. Não obstante, somos vítimas da mesma campanha, embora os menores de 16 anos homicidas na cidade de Buenos Aires, nos últimos dois anos, sejam apenas dois. A ditadura reduziu a idade de responsabilização para 14 anos e logo teve que subir de novo para 16, ante ao resultado catastrófico dessa reforma brutal, como tudo o que fizeram, claro. Ninguém pode exigir que um adolescente tenha a maturidade de um adulto. Sua inteligência está desenvolvida, mas seu aspecto emocional, não. O que você faria se um adolescente jogasse um giz em outra pessoa na escola? Em vez disso, o que você faria se eu jogasse um giz no diretor da faculdade de direito em uma reunião do conselho diretivo? Não se pode alterar a natureza das coisas, uma adolescente é uma coisa e um marmanjo de 40 anos, outra.

VT - Muitos especialistas consideram esse modelo atual de encarceramento dos jovens falido. Por que a sociedade continua clamando por isso? Qual seria a alternativa?
RZ - Não creio que a sociedade exija coisa alguma. São os meios de comunicação que exigem, e a sociedade, da qual fazem parte os adolescentes, é vítima dos monopólios midiáticos que criam o pânico social. Melhorem a qualidade de vida das pessoas, eduquem, ofereçam possibilidades de estudo e trabalho, criem políticas públicas viáveis. Essa é a melhor forma de lidar com os jovens. O Brasil é um grande país, e tem um povo extraordinário, o que vocês fazem é muito importante para toda a região, não se esqueçam disso. E não caiam nas garras dos grupos econômicos que manipulam a opinião através da mídia. O povo brasileiro é por natureza solidário e de uma elevada espiritualidade, quase mística. Não podem se deixar levar por campanhas que só objetivam destruir a solidariedade e a própria consciência nacional.

VT - Como o sr. avalia o sistema de encarceramento?
RZ - As prisões são sempre reprodutoras. São máquinas de fixação das condutas desviantes. Por isso devemos usá-las o menos possível. E, como muitas prisões latinoamericanas, além disso, estão superlotadas e com altíssimo índice de mortalidade, violência etc., são ainda mais reprodutoras. O preso, subjetivamente, se desvalora. É um milagre que quem egresse do sistema não reincida. Enquanto não podemos eliminar a prisão, é necessário usá-la com muita moderação. Cada país tem o número de presos que decide politicamente ter. Isso explica porque os EUA tenham o índice mais alto do mundo e o Canadá quase o mais baixo de todo o mundo. Não porque os canadenses soltem os homicidas e estupradores, mas porque o nível de criminalidade média é escolhido de forma política. Não há regra quando se trata de casos de delinquência mediana, a decisão a respeito é política, portanto, pode ser arbitrária ou não. Ademais, a maioria de nossos presos latino-americanos não estão condenados, são processados no curso da prisão preventiva. Como podemos discutir o tratamento, quando não sabemos se estamos diante de um culpado?

VT - Como podemos explicar este foco no tráfico de drogas como o principal mal da sociedade atual? Ele precisa ser combatido?
RZ - A proibição de tóxicos chegou a um ponto que não sei se tem retorno sem criar um gravíssimo problema ao sistema financeiro mundial. A única solução é a legalização, porém não acho que seja possível. A queda acentuada do preço do serviço de distribuição provocaria uma perda de meio bilhão de dólares, no mínimo. Esta mais-valia totalmente artificial entra na espiral financeira mundial, através da lavagem de dinheiro, que o hemisfério norte monopoliza. Sem essa injeção anual, se produziria uma recessão mundial. Como se resolve isso? Sinceramente, não sei. Só sei que isso é resultado de uma política realmente criminal, no pior sentido da palavra.

VT - No Brasil estamos vivendo um fenômeno com o crack. Em estados como Rio de Janeiro e São Paulo, os usuários estão sendo encaminhados para uma internação compulsória, uma espécie de encarceramento para o tratamento. Como o sr. avalia isso?
RZ - Não sei o que é esse crack, suponho que seja um tóxico da miséria, como o nosso conhecido "paco". O "paco" é uma mistura de venenos, vidro moído e um resíduo da cocaína. É um veneno difundido entre as crianças e adolescentes de bairros pobres, deteriora e mata em pouco tempo, provoca lesões cerebrais. Como se combate? Quem deve ser preso? Os meninos que são vítimas? Isso não pode ser vendido sem a conivência policial, como todos os outros tóxicos proibidos. Porém, nesse caso, é muito mais criminal a conivência. Seria preferível distribuir maconha. Isso é o resultado letal da proibição. Nós chegamos a isso, a matar meninos pobres.

VT - Existe alguma forma de combater a violência sem produção de mais violência por parte do Estado?
RZ - Na própria pergunta está a resposta. Se o Estado produz violência não faz mais que reproduzi-la. Cada conflito requer uma solução, temos de ver qual é a solução. Não existe o crime em abstrato, existem, sim, conflitos concretos, que podem ser solucionados pela via da reparação, da conciliação, da terapêutica, etc., esgotemos antes de tudo essas soluções e apenas quando não funcionarem pensemos na punição e usemos, ainda assim, o mínimo possível a prisão. Não podemos pensar em soluções com a polícia destruída, mal paga, não profissionalizada, infestada por cúpulas corruptas, etc. Ou não estou descrevendo uma realidade latinoamericana ?

(*) Entrevista concedida à Viviane Tavares (Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio/Fiocruz)
Foto: Wikicommons





Casa de Detenção de São Paulo (complexo do Carandiru), destruída em 2002

Maranhão: para não omitir a verdade

Depois que li dois artigos, no jornal Folha de São Paulo, da lavra de dois expoentes dos principais grupos políticos que disputam o governo do Estado, fiquei tentado a me manifestar. A uniformidade nos títulos dos artigos talvez denuncie as semelhanças (veja aqui o artigo de Roseana Sarney; e aqui,o artigo de Flávio Dino) nos dois campos políticos.

Não que não haja diferenças entre os dois articulistas, para além da capacidade intelectual, cujo referencial não pode ser o mais importante para uma análise das duas propostas políticas, em francas escaramuças. Elas se separam na base, mas se reconciliam no topo da pirâmide, representada pela coalização PT-PMDB.

Os dois não dizem novidades, evidenciando apenas o que interessa a cada um dizer, no momento da crise.

Cabe perguntar se a crise não está encrustada em algum lugar da política, visto que governos são obras de grupos de interesse. Convém indagar também, se, após quase 50 anos de domínio, o povo maranhense não consegue identificar as práticas desses grupos e a quem as mesmas beneficia, no explícito jogo do empurra, muito próprio de uma província pobre, que enriquece surpreendentemente seus profissionais da política.

O PIB, na cabeça da governadora, é a prova dos nove. É por ele que ela quer explicar o aumento da violência, ruborizando seus aliados de primeira hora no Planalto Central. Sobre nossa riqueza, não diz novidade, no entanto, Roseana. Mas há quase 50 anos, o objetivo principal do maranhense é vê-la distribuída para todos, não apenas para uma elite parasitária, comensal de palácios de luxo.

Flávio teria razão em falar do Maranhão de Verdade, se o seu grupo representasse com mais segurança a mudança política. Ele consegue, na verdade, emprestar sentido pejorativo ao termo Balaio - lembrança de mártires do povo dominado pelos interesses colonialistas - cunhado aqui como sinônimo de bagunça ideológica. Presenças incômodas, biografias corroídas, fazem entrever menos do que um grupo, mas uma verdadeira matilha.

Nesse sentido, cabe pesquisar por onde anda o valor republicano nos dois grupos. Um esforço de apertada síntese poderia identificar pontos de estrangulamentos, que funcionam como verdadeiros "grampos", que prendem os grupos de Roseana e Flávio Dino no mesmo roupão patrimonialista:

a) a mesma base ruralista, com nuances no trabalho escravo, agronegócio, madeireiros, pistoleiros e coronéis do latifúndio;
b) a mesma base na corrupção política e administrativa, na prática de agiotagem e na violência política;
c) a mesma matriz de desenvolvimento, trançada pelos grandes projetos de desenvolvimento, beneficiando grandes grupos econômicos, sob a coordenação do governo federal;
d) a mesma política de segurança, configurando um mesmo padrão de soluções: mais presídios, mas seletividade penal; ausência de uma nova politica antidrogas, que se contraponha à orientação norte-americana; mais repressão e menos transparência na gestão dos recursos;
e) a mesma base de sustentação política no Congresso Nacional: ruralistas, fundamentalistas, coronéis da política (Sarney, Collor, Maluf, Rena Calheiros, para ficar apenas nos mais queridos).

Para combater a doença, haveremos que lançar mão de remédios. Bactérias se combatem com antibióticos. Vírus, com vacinas. De igual modo, não se pode combater uma oligarquia, alimentando suas práticas.