terça-feira, 30 de novembro de 2010

CARTA DE REPÚDIO AO PROGRAMA EXIBIDO PELA TV RECORD NO DOMINGO ESPETACULAR NO DIA 07 DE NOVEMBRO DE 2010.



Nós, mulheres indígenas reunidas no Encontro Nacional de Mulheres Indígenas para a proteção e Promoção dos seus Direitos na cidade de Cuiabá entre os dias 17 e 19 de novembro de 2010, vimos manifestar nosso repúdio e indignação contra reportagem produzida pela ONG religiosa ATINI exibida no dia 07 de novembro de 2010 em rede nacional e internacional. No Programa do Domingo Espetacular, da emissora RECORD, foram mostradas cenas de simulação de enterro de crianças indígenas em aldeias dos estado de Mato Grosso (Xingu), Mato Grosso do Sul (Kaiowá Guarani) e no sul do Amazonas (Zuruaha), pelos fatos e motivos a seguir aduzidos:

1. A malfadada reportagem coloca os povos indígenas como coletividades que agridem, ameaçam e matam suas crianças sem o mínimo de piedade e sem o senso de humanidade.

2. Na aludida reportagem aparecem indígenas atores adultos e crianças na maior “selvageria” enterrando crianças.

3. A reportagem quer demonstrar que essas ações nocivas aos direitos à vida das crianças indígenas são praticas rotineiras nas comunidades, ou de outra forma, são praticas culturalmente admitidas pelos povos indígenas brasileiros.

4. Que os produtores do “filme” desconhecem e por tanto não respeitam a realidade e costumes dos indígenas brasileiros. São “produtores Hollywoodianos”.

Vale esclarecer em primeiro lugar que a reportagem não preocupou em dizer que no Brasil existem mais de 225 povos ou etnias diferenciadas em seus usos, costumes, línguas, crenças e tradições. Essa reportagem negou aos brasileiros o direito ao conhecimento de que na década de 1970 a população indígena não chegava a duzentas mil pessoas ao ponto de antropólogos dizerem que no século XX os indígenas iriam acabar.

Se de fato os indígenas estivessem matando suas crianças, a população indígena estaria diminuindo, mas a realidade é outra, pois a população naquele momento em decréscimo hoje chega ao patamar de 735 mil pessoas, segundo censo de 2000 do IBGE.

A reportagem que mostra apenas uma versão das informações, não entrevista indígenas nem antropólogos que conhecem a realidade da vida na comunidade, pois senão iriam ver que crianças indígenas não vivem em creches nem na mendicância. Crianças indígenas são tratadas com respeito, dignidade e na mais ampla liberdade.

A reportagem maldosa e preconceituosa feriu intensamente os direitos indígenas nacional e internacionalmente reconhecidos, pois colocar povos indígenas e suas comunidades como homicidas de crianças é o mesmo que dizer que certas religiões praticam seus rituais matando suas crianças ou que a população brasileira em geral abandona suas crianças em creches, nas drogas e na mendicância se sem com elas se importarem. Mais, seria dizer que pais de classes médias altas jogam dos prédios suas crianças matando-as e que é comum famílias brasileiras em geral jogas seus filhos recém nascidos no lixões das grandes cidades, ou que os lideres religiosos são todos pedófilos.

Quais são as verdades dos fatos por trás das notícias caluniosas e difamatórias contras os povos indígenas.

Não seriam razões escusas de jogar a população brasileira contra os povos indígenas para buscar aprovação pelo Congresso Nacional brasileiro de leis nefastas aos povos indígenas? Ao dizer que os indígenas não têm condições de cuidar de seus filhos automaticamente estará retirando dos indígenas a autonomia em criar seus filhos, facilitando assim a intervenção do Estado para retirar crianças do convívio familiar indígena entregando-as a adoção principalmente por famílias estrangeiras. Na reportagem, o padrão de sociedade ideal é o povo americano, pois demonstrou que a criança retirada da comunidade agora vive nos Estados Unidos da América e até já fala inglês. Sociedade justa, moderna bem-feitora. Seria mesmo a “América” o modelo padrão de sociedade justa apresentado na reportagem? Vale esclarecer que a ONG religiosa ATINI e sua produtora de Hollywood têm sua sede nos Estados Unidos.

Candidatos gastaram R$ 75,9 mi no Maranhão; Lobão foi o que mais gastou

http://www.oimparcialonline.com.br/noticias.php?id=66017



Dados do Tribunal Superior Eleitoral apontam o Maranhão como o 12º estado em gastos pelos candidatos nas eleições de 2010. Foram R$ 75,9 milhões.


Francisco Bezerra


Edison Lobão foi o candidato que declarou a maior despesa. O peemedebista foi o candidato mais votado do estado e gastou a quantia de R$ 5,3 milhões.

O Maranhão foi o 12º estado em gastos de campanha nas eleições deste ano. Os 491 candidatos maranhenses gastaram no total R$ 75,9 milhões. Os números são do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que divulgou os dados gerais das finanças eleições por cargo e estado em todo o Brasil. O levantamento utiliza apenas dados dos candidatos que prestaram contas.

As eleições brasileiras custaram R$ 2,77 bilhões aos candidatos. Um total de 16.683 candidatos prestou contas à Justiça Eleitoral. Os maiores gasto de campanha foram dos candidatos de São Paulo, estado que concentra mais de 20% do eleitorado nacional. Os 2.552 candidatos paulistas declararam despesas na soma de R$ 482,04 milhões.

O Maranhão, com 4.324.696, apresentou o custo médio de R$ 17,56 por eleitor. Na campanha para governador, o Maranhão foi o 8º estado que mais gastou. Puxados por Roseana Sarney (PMDB), que teve a campanha mais rica, os sete candidatos que apresentaram suas despesas gastaram R$ 28,4 milhões. Os postulantes ao Palácio dos Leões gastaram R$ 5,08 para cada eleitor, em média.

Os 11 candidatos a vaga ao Senado Federal que prestaram contas de sua campanha apresentaram despesas de cerca de R$ 9,1 milhões. Os candidatos gastaram R$ 828.694,95 em média. Edison Lobão foi o candidato que declarou a maior despesa. O peemedebista foi o candidato mais votado do estado e gastou a quantia de R$ 5,3 milhões. Para cada eleitor, os pleiteantes gastaram, em média, R$ 2,11.

Dos 420 candidatos a deputado estadual, 334 prestaram contas. Os dados apresentados pelo TSE apontam que a campanha para o legislativo estadual maranhense custou R$ 23,4 milhões. Por cada eleitor conquistado, os aspirantes à Assembleia despenderam R$ 5,42.

Em valores absolutos, a campanha para a Câmara Federal custou menos que para a Assembleia Legislativa. Os 139 candidatos apresentaram à Justiça despesas no valor total de R$ 14,8 milhões. A despesa por eleitor também foi menor. Os deputados federais gastaram R$ 3,40 por cada voto adquirido. Cento e setenta e quatro candidatos concorreram às 18 vagas na Câmara.

Os candidatos à presidência apresentaram gastos de R$ 24,4 milhões. No entanto, os dados divulgados pelo TSE informam apenas as despesas dos sete candidatos que não disputaram o segundo turno. O calendário eleitoral determina que os candidatos que disputaram o segundo turno, Dilma Roussef (PT) e José Serra (PSDB), têm até hoje para apresentar seu relatório de arrecadações e despesas, com detalhes sobre os doadores e fornecedores de campanha.

'Permanência do juiz de D. Pedro causa vergonha e descrédito no Judiciário'


http://www.jornalpequeno.com.br/2010/11/30/permanencia-do-juiz-de-d-pedro-causa-vergonha-e-descredito-no-judiciario-139117.htm
Envie para:

ENTREVISTA: JORGE MORENO


POR OSWALDO VIVIANI


Em entrevista ao Jornal Pequeno, o juiz aposentado Jorge Moreno deu detalhes do episódio que resultou em sua prisão e de outros dois militantes sociais, na noite de terça-feira (23), no município em Dom Pedro. A detenção foi ordenada pessoalmente pelo juiz da comarca, Thales Ribeiro de Andrade, com a finalidade de acabar com um ato público contra ele, diante do Fórum da cidade – que, apesar dos atos arbitrários do juiz, aconteceu. Veja a entrevista.

Qual o objetivo da manifestação ocorrida em Dom Pedro, no dia 23 de novembro?

A sociedade civil maranhense e em especial as entidades sociais de Dom Pedro convocaram o ato público para a entrega de um abaixo-assinado, contendo mais de 5 mil assinaturas de populares de Dom Pedro, em que requerem que o juiz Thales Ribeiro seja processado junto ao Conselho Nacional de Justiça. O abaixo-assinado seria entregue à comissão do Tribunal Popular do Judiciário/Observatório da Justiça e Cidadania. Eu estava presente a convite da comissão, para presenciar a entrega.

E por que as entidades locais não encaminharam o abaixo-assinado à Corregedoria-Geral de Justiça, não seria mais fácil?

Primeiramente, é preciso entender que era uma deliberação do movimento social e uma metodologia de despertar o poder popular e fazer nas ruas, por meio de uma manifestação, esse exercício de direito e de poder soberano, até para a população inteira saber que não é denúncia anônima, é denúncia pública contra o juiz Thales. Segundo: a população não confia mais nos órgãos de correição do Poder Judiciário maranhense, até mesmo porque já tiveram sua oportunidade. As punições aplicadas ao juiz deram a entender para o povo de que se tratava de premiação, ante as transgressões cometidas, que são extremamente graves.

E quais foram essas transgressões?

Segundo relatório da Controladoria-Geral da União, o juiz Thales teve suas diárias de hotel, em Dom Pedro, pagas com recursos do Fundef. Algo de uma gravidade sem medida. Qual a pena aplicada pelo Tribunal, quando do julgamento do juiz? Pena de advertência, que no meu entender foi completamente desproporcional ao ato ilegal praticado. Outra denúncia feita, de que o juiz não residia na comarca e ministrava aulas numa faculdade de São Luís, distante 324 km da comarca de Dom Pedro. Dupla infringência à Constituição e à Lei Orgânica da Magistratura. Pena aplicada: censura. Isso fez com que a sociedade entendesse que não vale a pena denunciar o juiz nos órgãos estatais do Maranhão, pois aqui ele desfruta, no entender das entidades, de uma proteção corporativista.

Como ocorreu o ato do dia 23, em Dom Pedro?

Cercado por aparato policial, Força Tática da PM, policiais com metralhadoras, carro de som apreendido sem motivo algum, demonstração clara de intimidação dirigida aos manifestantes. Mesmo sem som, somente com uma bicicleta, as pessoas decidiram fazer a marcha pelas ruas de Dom Pedro. Quando chegaram em frente ao Fórum da comarca, o juiz Thales ficou na porta, chamou o tenente Cid, comandante do batalhão, e começou a indicar quem deveria ser preso. Primeiro, foi o militante social Robério [Marcos Robério dos Santos], que foi agarrado pelos policiais e colocado na viatura, sem saber o motivo. Somente depois, quando a viatura retornou, o juiz entregou ao tenente Cid um papel, que este colocou na viatura. Depois, o juiz apontou novamente para o Dimas dos Santos, militante social de Cantanhede, que estava ali prestando solidariedade ao povo de Dom Pedro. Os policiais então foram para o meio da multidão, alguns com metralhadoras, e prenderam o Dimas.

Tinham algum mandado?

Num primeiro momento, não apresentaram. Então, resolvi indagar sobre o mandado, e disseram que tinham um mandado. Disse para apresentarem e vi que no mandado estava escrito apenas para prender a Vera Alves [presidente do Sinserpdom, sindicato dos servidores municipais] e o Gessildo Ferreira [secretário de Finanças do sindicato], nada mais, nenhuma referência a absolutamente nada. Disse que a pessoa presa não correspondia ao nome que estava no mandado, que deveriam primeiro pedir a identificação da pessoa. Quando Dimas tirou sua carteira de identidade, um dos policiais a tomou e levou para o juiz Thales. Enquanto isso, Dimas ficou detido. Argumentei que aquilo era ilegal e que os policiais estavam cumprindo uma ordem manifestamente ilegal, poderiam ser processados por isso. Aí um dos policiais disse para eu me calar, senão seria preso. Em seguida, me agarraram pelos braços e me jogaram no camburão da viatura.

E o que o senhor fez em seguida?

Comuniquei o fato ao ouvidor da Polícia Civil, Ribamar Araújo, e ao representante da Comissão de Direitos Humanos da OAB, Diogo Cabral, sobre o ocorrido e todos os atos arbitrários praticados. Quando da minha prisão, falei para o delegado de Dom Pedro, Otávio Cavalcante, que aquela prisão era ilegal e ele, como autoridade policial, não fez absolutamente nada, mesmo sabendo que a prisão era ilegal.


E na delegacia?

Passamos mais de duas horas presos. O mandado de prisão do Dimas chegou por volta de 21h15, entregue pelo tenente Cid ao delegado Otávio. Perguntei se o mesmo iria cumprir aquele mandado, ele apenas me disse: “são ordens do juiz, tenho de cumprir”. Disse que aquela ordem era ilegal e que ele poderia ser processado. Ele disse que eu poderia fazer o que eu quisesse. Estavam presentes na sala, além de mim e o delegado, o Dimas e os advogados Iriomar Teixeira e Milton Aragão. Minutos depois, o delegado chamou o advogado Milton e disse que não iria cumprir o “mandado de prisão”, transformando em Termo Circunstanciado de Ocorrência (TCO), tendo Dimas como réu de injúria e difamação contra o juiz Thales. O juiz sequer compareceu à delegacia. A não ser que tenha telefonado para o delegado ou o delegado deve ter entendido que se pode transformar um mandado de prisão em TCO...

E do que o senhor foi acusado?

O delegado fez contra mim um TCO, em que se afirma que cometi as seguintes condutas: ameaça, desacato à autoridade e desobediência. Primeiramente, afirmar de forma veemente, como fiz, na delegacia, quando já estava preso, que o tenente Cid e os policiais que cumpriram a ordem ilegal seriam processados não constitui crime de ameaça. Em segundo lugar, não desacatei nenhuma autoridade, pois vi ali policiais, sob o comando de um tenente, que se despiram das insígnias e fardamento públicos, desrespeitando as funções de agentes públicos, transformando-se em jagunços, obedientes a um “coronel”. Ali não existia nem ordem legal, nem autoridade pública no sentido republicano do termo. Se não tivessem armados, o povo poderia ter exercido o seu direito de prendê-los, como diz o artigo 301 do Código Penal. Já quanto ao delegado de polícia, era seu dever prender os policiais, por abuso de autoridade, e ele não fez nada.

E agora, quais medidas o senhor pretende tomar?

Encaminhar as representações, contra os policiais, o delegado de polícia Otávio Cavalcante e o juiz Thales Ribeiro. Existem provas suficientes para isso: documentos, imagens e testemunhas. Serão processados por abuso de autoridade. E espero que, observados os procedimentos, essas pessoas sejam demitidas a bem do serviço público.

Para finalizar, quais as conclusões que o senhor tira do que aconteceu em Dom Pedro?

Foi um fato extremamente grave para a sociedade brasileira, para a democracia, para a consolidação do Estado Democrático de Direito. Em Dom Pedro, a ordem constitucional foi rompida, a constituição foi rasgada pelo juiz, pelos policiais e pelo delegado. Este último procedeu a todos os atos arbitrários, fazendo-os parecer legais, quando sua obrigação era, no mínimo, circunstanciar tudo e encaminhar para os correicionais. Quanto ao juiz, ele só fez isso porque encontrou suporte em algo ou em alguém, e isso precisa ser devidamente investigado, não mais pelos órgãos locais, mas pelo Conselho Nacional de Justiça. A permanência desse juiz na comarca de Dom Pedro cria sérios riscos à ordem pública, à legalidade e à garantia dos direitos humanos. Sua permanência na magistratura hoje causa vergonha e descrédito do Judiciário junto ao povo.

Desembargador encaminha ofício a corregedor pedindo providências

O desembargador José Luiz Oliveira de Almeida encaminhou ontem um ofício ao corregedor geral de Justiça do Maranhão, desembargador Antônio Pacheco Guerreiro Júnior, solicitando “medidas urgentes da Corregedoria, no sentido de apurar, com rigor, os fatos narrados [pela mídia, em relação a atos do juiz de Dom Pedro, Thales Ribeiro], em face de sua gravidade”. O desembargador José Luiz de Almeida também pede “medidas administrativas urgentes” referentes à comarca de Vitória do Mearim, que, segundo o desembargador, vive um “caos” devido à “inação [inércia] do magistrado Milvan Gedeon Gomes”, titular da comarca. Veja o teor do ofício:

São Luís(MA), 29 de novembro de 2010.

Ofício Nº 070/2010-GABJL


Excelentíssimo Senhor
Desembargador Antônio Pacheco Guerreiro Júnior
Corregedoria Geral de Justiça


Preocupa-me, sobremaneira – como de resto preocupa a todos nós -, o desgaste da imagem do Poder Judiciário do nosso Estado, a repercutir, como sói ocorrer, em nossa (já pouca) credibilidade.

Nos últimos meses, eminente Corregedor, tem-se veiculado, iterativamente, notícias acerca da atuação do magistrado Thales Ribeiro de Andrade, da Comarca de Dom Pedro.

Aliás, preclaro Corregedor, depois de 25 (vinte e cinco) anos de plena atividade judicante, vivendo intensamente as questões que envolvem o Poder Judiciário do meu Estado, nunca testemunhei uma carga tão grande de acusações contra um magistrado, razão bastante para deflagração, desde o meu o olhar, das necessárias medidas administrativas de viés disciplinar.

No último domingo, o Jornal Pequeno, edição nº 23.518, repercutiu mais um fato, decorrente da ação judicante (?) do magistrado em apreço, com a seguinte manchete de primeira página:

“Mais de 60 entidades repudiam ‘atos arbitrários’ do juiz de D. Pedro”.

Creio, senhor Corregedor, que, em face dessa – e de outras notícias já veiculadas -, medidas urgentes devem ser implementadas – se é que ainda não o foram – pela Corregedoria Geral de Justiça, no sentido de apurar, com inexcedível rigor, os fatos narrados, em face de sua gravidade, com adoção, em sendo o caso, das medidas preventivas que se fizerem necessárias.

Da mesma sorte, senhor Corregedor, entendo que a situação da comarca de Vitória do Mearim está a reclamar medidas de cunho administrativo – urgentes, sem mais demora – tendentes a expungir o caos que ali se estabeleceu, em face da inação do magistrado Milvan Gedeon Gomes.



Vejo do relatório da lavra dos eminentes Juízes Auxiliares da Corregedoria – Kleber Costa Carvalho e José Jorge Figueiredo dos Anjos – que havia, por ocasião da correição, 2.178 (dois mil, cento e setenta e oito) processoas aguardando despacho, e 326 (trezentos e vinte e seis) aguardando sentença. Vejo do mesmo relatório, ademais que o juiz nunca realizou uma única sessão do Tribunal do Júri, apesar de se encontrar na comarca há mais de 06 (seis) anos.

Ter-se-á de convir, senhor Corregedor, que a situação descortinada no relatório dos eminentes Juízes Auxiliares da Corregedoria é de estarrecer, pelo que contém de nefasto para a imagem do Poder Judiciário, sem perder de vista o desconforto e os danos infligidos aos que se aventuram bater às portas da Justiça.

É verdade, estimado Corregedor, que, por ocasião da correição realizada na mencionada comarca, noticiada através do ofício 2827/2010-GAB/CGJ, de 18 de outubro, foram fixados prazos para que o magistrado corrigisse as omissões e equívocos constatados pelos eminentes Juízes Auxiliares da Corregedoria. Inobstante, não sei, ao certo, se, em face dessas orientações/sugestões/advertências, o magistrado corrigiu o rumo de suas (in)ações; ainda que o tenha feito, creio que não se deva descurar de acompanhar, de perto, o seu trabalho, para que os jurisdicionados de Vitória do Mearim não sejam “castigados” ainda mais do que têm sido.

Consigno, só pelo incontrolável prazer de argumentar, que, a exemplo de um crime de natureza pública, a autoridade administrativa, tendo notícias da prática de uma falta administrativa, ainda que apenas por intermédio da imprensa, deve, sim, instaurar o necessário procedimento preambular (sindicância), do qual poderá, ou não, resultar a instauração de um Procedimento Administrativo Disciplinar.


Sobreleva gizar que, com esta solicitação, não antecipo nenhum juízo de valor acerca da ação do magistrado Thales Ribeiro de Andrade, o qual presumo inocente, até que se prove em sentido contrário.


Com as considerações supra, rogo a Vossa Excelência que informe ao signatário:

I – quais as providências adotadas, no sentido de apurar os fatos noticiados na imprensa local, reiteradamente, em face da conduta do juiz Thales Ribeiro de Andrade, da Comarca de Dom Pedro; e


II – quais as providências adotadas, em face do que foi constatado na Comarca de Vitória do Mearim, na correição antes mencionada.

Fico de já agradecido pela atenção, consignando, ad cautelam, que o único sentimento que me move é o da preservação da imagem do Poder Judiciário.


Atenciosamente,

Desembargador José Luiz Oliveira de Almeida

Bandidos fugiram do Alemão pelo esgoto e com uniformes do PAC, diz delegado



http://www.jornalpequeno.com.br/2010/11/29/bandidos-fugiram-do-alemao-pelo-esgoto-e-com-uniformes-do-pac-diz-delegado-139058.htm
Pedro Dantas - O Estado de S.Paulo

RIO - O delegado titular da 14ª Delegacia de Polícia (Leblon), Fernando Veloso, que participa nesta segunda-feira, 29, das operações de busca a traficantes, drogas e armas no Complexo do Alemão, zona norte do Rio, afirmou que criminosos utilizaram a rede de esgoto e as galerias de águas pluviais como rotas de fuga. "A prova disso é que, após uma informação de um morador, prendemos oito criminosos em uma tubulação de esgoto na noite de ontem", disse.

O delegado também contou que criminosos roubaram uniformes de funcionários das obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), do governo federal, e de concessionárias que atuam no conjunto de favelas, na Penha. A polícia ainda apreendeu, no início da tarde, três pistolas automáticas na Favela da Grota. Em outra localidade, um homem ainda não identificado foi preso.

Ontem, sete dias após o primeiro ataque da semana de terror no Rio, 2.700 homens das Polícias Civil, Militar e Federal e das Forças Armadas entraram no Complexo do Alemão. Não houve o combate que se esperava. Tampouco foram presos os chefes do tráfico da Vila Cruzeiro, Fabiano Atanazio, o FB, e do Alemão, Luciano Martiniano da Silva, o Pezão.

Rotina

Nesta segunda, os agentes do Exército continuam a revistar todos os moradores que entram e saem do complexo de favelas. Com clima calmo, o comércio reabriu e funciona normalmente. Os agentes encontram dificuldades em alguns pontos por causa de barricadas colocadas por traficantes em ruas e acessos. Ja Rua Joaquim Queiroz, na Favela da Grota, por exemplo, o asfalto foi danificado e há um vazamento de água, por onde carros não conseguem passar.

Funcionários de algumas obras do PAC também já voltaram ao trabalho, inclusive na contenção do vazamento no acesso ao Morro da Fazendinha. Em contraste com o clima de guerra, a Estrada de Itararé, antes tomada apenas por policiais, hoje tinha até congestionamento.

Em busca de drogas, policiais também estão vasculhando casas em busca de drogas e armamentos. Uma equipe de policiais do 1º BPM (Estácio) apreendeu em uma localidade conhecida como Zona do Medo, no alto do Morro da Fazendinha, seis fuzis, cinco granadas, quatro bombas de fabricação caseira e uma pistola. O armamento estava escondido sob folhas de bananeira.

Homens da Polícia Civil também apreenderam, na Rua Canitar, na Favela da Grota, 3 mil papelotes de cocaína e coletes a prova de balas. De acordo com os agentes, a droga estava próxima ao local onde eram realizados bailes funk patrocinados por traficantes de drogas.

Mas moradores reclamam da forma como os agentes trabalham e alguns, inclusive, falam de arrombamentos e saques. Um pedreiro de 47 anos saiu sábado às 17h de casa porque viu que a polícia ia invadir o morro, não queria ficar no meio do tiroteio e foi dormir na casa de um amigo.

Após a tomada do local pela polícia, ele resolveu voltar. Quando chegou em casa, viu que o local já tinha sido arrombada pela polícia e havia sumido seu computador. "Eles tinham que esperar o morador chegar antes de arrombar. Ainda estragaram minha porta de madeira novinha que eu tinha acabado de colocar", reclama.

Hospitais. Todas as unidades de saúde estão funcionando regularmente na cidade nesta segunda-feira, inclusive nas regiões da Penha e Complexo do Alemão. Nestas locais e em alguns bairros da zona oeste, unidades chegaram a ser fechadas nos últimos dias por questões de segurança. No Alemão, a Unidade de Pronto Atendimento (UPA), na Estrada do Itararé, atende normalmente os casos de urgência e emergência dos moradores desde domingo, 28.

Entre quinta-feira, 25, e domingo, 28, a Central de Regulação municipal transferiu 31 pacientes do Hospital Estadual Getúlio Vargas para outras unidades com o objetivo de liberar leitos para possíveis feridos nos confrontos no Complexo do Alemão. No fim de semana, a Secretaria Municipal de Saúde e Defesa Civil do Rio (SMSDC) disponibilizou um helicóptero para fazer transferências para hospitais especializados.



(Com Rodrigo Burgarelli e Priscila Trindade)

(Estadão)



Em 2 dias, facção criminosa perde R$ 68 milhões no Rio


http://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/agencia/2010/11/30/em-2-dias-faccao-criminosa-perde-r-68-milhoes-no-rio.jhtm

Em São Paulo

Delegado mostra metralhadora apreendida nesta terça-feira no Complexo do Alemão, no Rio


A tomada do Complexo do Alemão pela polícia não significa somente a perda do território mais importante para o Comando Vermelho, mais antiga facção criminosa do Rio. Só nos dois últimos dias de operação, a quadrilha chefiada por Luiz Fernando da Costa, o Fernandinho Beira-Mar, e Márcio dos Santos Nepomuceno, o Marcinho VP, teve um prejuízo aproximado de R$ 68 milhões, apenas com a apreensão de drogas e armas.


A polícia ainda não sabe onde os chefes da quadrilha que estão soltos vão se restabelecer, mas a aposta é que tentem conquistar alguma favela que compense a perda com a venda de drogas. "A única em que o movimento se assemelha ao do Alemão é a Rocinha, que pertence a uma facção rival do CV, a Amigos dos Amigos (ADA)", disse um oficial da Inteligência da PM.


Segundo este oficial, até que consigam se reabastecer de armas e munição, os principais chefes do tráfico no local devem se refugiar em outras favelas dominadas pelo CV. Entre as mais importantes estão o Complexo de Manguinhos e a Mangueira, ambas na zona norte. "Eles vão passar um tempo mais quietos, mas depois vão precisar praticar crimes que capitalizam a quadrilha, como roubo a banco e roubo de carro", disse o policial.


A transferência de Marcinho VP da Penitenciária de Catanduvas, no Paraná, para Porto Velho, em Rondônia, também foi mais um golpe para a rápida rearticulação do CV. "O VP foi o responsável por determinar os ataques incendiários que levaram à invasão do Alemão. Ele foi transferido e os seus comandados perderam território", diz o oficial.

O prejuízo do Comando Vermelho pode ser ainda maior. Não foram contabilizados nas perdas os revólveres, pistolas e granadas apreendidos. A polícia também tem informação de que os traficantes guardavam dinheiro na favela. Na véspera da invasão, a polícia apreendeu um menor que tentava sair do complexo com US$ 36 mil. Segundo investigações, ele compraria munição para a quadrilha. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

Cerco Mal Sucedido

Causa estupor saber que os criminosos sitiados na favela do alemão tenham fugido através de galerias construídas por obras do PAC. Trabalhadores da empresa teriam sido obrigados a construir galerias amplas para facilitar a passagem de bandidos.

Durante o cerco, constatamos que o sistema de segurança ainda não tinha informações confiáveis sobre a posição do bandidos, os possíveis quartéis generais e rotas de fuga. No último caso, mais de três mil ligações do disque-denúncia não foram o bastante para o acesso a essas informações, de algum morador.

Diante de tais falhas, os principais líderes do narcotráfico das favelas do Cruzeiro e do Alemão continuam soltos e vão se organizar certamente em outras favelas ou até mesmo em outros Estados. Haveria tido um acordo, para evitar o confronto final, com muitas baixas?

Como é possível constuir galerias, por intermédio de ameaças a trabalhadores de uma empresa, no meio de uma favela, sem que nenhuma informação pudesse ser colhida pelo sistema de segurança do Rio?

Nas favelas os moradores poderiam denunciar anonimamente. Até a própria polícia tem amigos e familiares que moram nos morros e poderiam denunciar tais fatos. Porque não se planejou o cerco, contando com rotas de fuga tão evidentes?

Não é verdade que os criminosos que escaparam do cerco passariam a conviver com dificuldades, fora de seu território de atuação. Essas organizações criminosas estão espalhadas por outras favelas, onde a polícia sequer sonha em ir, o que possibilitará a reestruturação territorial de seus membros, em outras localidades.

Por essas e outras é que se diz que o objetivo do sistema de segurança carioca é a retomada de espaços geográficos estratégicos para a expansão do mercado imobiliário, às vésperas das Copa Mundo e das Olimpíadas.

domingo, 28 de novembro de 2010

A Guerra contra o Tráfico numa Sociedade Falida


http://racismoambiental.net.br/2010/11/a-guerra-contra-o-trafico-numa-sociedade-falida/
Por racismoambiental, 27/11/2010 20:43

Renato Prata Biar*

Ao acompanhar esse “BBB” da caçada aos traficantes dos morros e favelas, que são a parte do varejo no grande mundo da venda de drogas, e esperarmos de forma esperançosa começar a caçada aos traficantes do asfalto e dos condomínios de luxo, que são a parte do atacado (será que veremos isso um dia?), fica uma inevitável pergunta: será que alguém, que não tenha o seu nível de cinismo extremamente elevado, ainda acredita que estamos vivendo numa era que se intitula de pós-moderna? O espetáculo transmitido ao vivo por praticamente todos os grandes canais de televisão que reprisam ad infinitum as cenas mais violentas – ou seria mais apropriado dizer emocionantes? –, parece não deixar dúvidas de que sequer saímos da Pré-história.
É claro que nos dias de hoje nós temos algumas vantagens sobre os nossos queridos ancestrais das cavernas. Por exemplo, as cenas de selvageria que ocorriam na Pré-história terminavam ali mesmo, pois não havia esses recursos tecnológicos para que pudéssemos rever a mesma cena milhares de vezes. Você poderia assistir outras cenas, mas jamais teria o “prazer” e o sadismo de ficar por horas e horas assistindo a mesma coisa. Outra vantagem que toda essa tecnologia nos proporciona é que nos intervalos que a mídia nos empurra entre uma caçada e outra, nós podemos escolher o melhor perfume para o nosso vaso sanitário, o iogurte mais vitaminado e saboroso para o nosso filho, a melhor margarina para o seu delicioso café da manhã com a sua família e, obviamente, aqueles produtos que têm mais a ver com a programação oferecida, como o melhor alarme para o seu carro, o melhor serviço de rastreamento que desliga o seu carro em caso de roubo e também o melhor seguro de vida para você e sua família, pois, vai que… Né? É melhor ter.
Sem dúvida que da Pré-história até os dias de hoje nós avançamos em muitas coisas, mas basta um olhar um pouco atento para descobrirmos que ainda não passamos de meros animais, pois nos matamos e nos violentamos sob a pressão de conseguirmos suprir as nossas mais básicas necessidades, como alimento e moradia, apenas para citar esses dois exemplos. Se com todo o avanço tecnológico e com todo o acúmulo de conhecimento efetuado por milhares de anos, nós ainda assistimos e protagonizamos cenas como estas, não resta dúvida de que estamos diante de um modelo completamente falido de sociedade. Um modelo que empurra a maioria das pessoas para uma luta pela sua sobrevivência onde o outro é visto apenas como um adversário, um rival a ser derrotado e eliminado. Que coloca nos ombros de cada um, isoladamente, a responsabilidade e o peso da sua própria condição de vida. Reafirmando e reproduzindo o discurso falacioso de que cada um tem aquilo que merece, pois vivemos numa sociedade da meritocracia. Esperar a paz onde se planta a guerra, a solidariedade onde se planta o individualismo, a humildade onde se planta a soberba e a frugalidade onde se planta o acúmulo de riqueza como finalidade principal da vida é, para dizer o mínimo, o mais cínico, hipócrita e perverso tipo de sociedade que poderíamos ter construído.
Num romance intitulado Eugênia Grandet, de Honoré de Balzac, há uma passagem em que o autor descreve de forma magistral quais são os valores, a moral e a ética que está se formando e se afirmando no início do século XIX. Essa passagem, quando lida por nós nos dias de hoje, nos mostra e nos revela o quão aguda e apurada era a visão de mundo que Balzac vislumbrava não só para a sua própria geração como também para as gerações futuras que já estavam sob a égide do sistema capitalista. Diz o trecho:
“Os avarentos não crêem numa vida futura, o presente é tudo para eles. Essa reflexão lança uma luz horrível sobre a época atual, onde, mais que em qualquer outro tempo, o dinheiro domina as leis, a política e os costumes. Instituições, livros, homens e doutrinas, tudo conspira para minar a crença numa vida futura, sobre a qual se apóia o edifício social há 1800 anos. Hoje em dia, o esquife é uma transição pouco temida. O futuro, que nos esperava para elem do réquiem, transportou-se para o presente. Chegar pelo lícito e pelo ilícito ao paraíso terrestre do luxo e dos prazeres vãos, petrificar o coração e macerar o corpo em busca de posses passageiras, como outrora se sofria o martírio da vida em busca de bens eternos, eis a idéia geral! Idéia aliás inscrita por toda parte, até nas leis, que perguntam ao legislador: ‘Que pagas?’, ao invés de perguntar: ‘Que pensas?’ Quando essa doutrina tiver passado da burguesia ao povo, que será do país?”
Não por acaso, K. Marx dizia que aprendia mais sobre a sociedade burguesa lendo Balzac do que lendo qualquer outro clássico sobre economia política. E o próprio Balzac costumava dizer que considerava seus livros como um par de óculos, pois serviam para fazer com que o seu leitor enxergasse melhor a sociedade em que vive. Mas se mesmo assim o leitor não conseguisse essa visão mais apurada lendo seus livros, o próprio autor recomendava: “Troque de óculos.” Quanto à pergunta que Balzac nos faz na última frase da citação acima, sobre o que será do país quando a doutrina burguesa alcançar o povo, devemos responder que a doutrina burguesa ultrapassou as fronteiras dos países e alcançou o povo no mundo inteiro. E para sabermos as conseqüências disso basta um breve olhar ao nosso redor para termos a resposta. Nada está mais introjetado na mentalidade da sociedade hodierna do que a doutrina à qual se refere Balzac. O que talvez esteja diferente é que nos dias atuais essa doutrina parece estar elevada à décima potência, pois a ilicitude virou a regra geral; não só o coração foi petrificado, mas também o nosso pensamento; e também não só maceramos o corpo para a obtenção desses luxos e prazeres, como também reduzimos os nossos sonhos somente a isso; eis a desgraça maior.

* Historiador e Pós-graduado em Filosofia; Rio de Janeiro.
Enviado por Mônica Lima.



”O Estado criou estes caras”. Entrevista com Hélio Luz, ex-chefe da Polícia Civil do Rio


http://racismoambiental.net.br/2010/11/o-estado-criou-estes-caras-entrevista-com-helio-luz-ex-chefe-da-policia-civil-do-rio/
Por racismoambiental, 28/11/2010 16:03

Hélio Luz, radicado em Porto Alegre, sua cidade natal e onde residem familiares, o ex-chefe de polícia do Rio de Janeiro (de 1995 a 1997, durante o governo de Marcello Alencar) Hélio Luz acompanha com interesse a situação do Rio. Delegado aposentado, Luz dirigia a Polícia Civil do Rio quando agentes prenderam o traficante Marcio Nepomucemo, o Marcinho VP, apontado como um dos líderes do tráfico no Complexo do Alemão – para onde fugiram bandidos armados expulsos da Vila Cruzeiro, na última quinta-feira.

A reportagem e a entrevista é de Carlos Etchichury e publicada pelo jornal Zero Hora, 28-11-2010.

A imagem de jovens esfarrapados, armados com fuzis, escopetas, metralhadoras e pistolas, não surpreende Hélio Luz.

– O Estado nunca teve uma política de segurança de médio ou longo prazo. O Estado sempre atuou com uma política de segurança imediata – diz.

Eis a entrevista.

Como funciona o comando do tráfico no Complexo do Alemão?

Ele é diferente das demais favelas. É preciso voltar no tempo. Um dos fundadores do Comando Vermelho (CV), Rogério Lemgruber, o Bagulhão, foi preso na Ilha Grande, na época da ditadura, e conviveu com presos políticos.

Qual a influência da convivência com os presos políticos?

Quando ele saiu da Ilha Grande, começou a se organizar e se juntou com outros líderes. Um deles era o Orlando Jogador, que era do Complexo do Alemão. O Comando Vermelho começou a tomar o espaço de outras favelas, mudando a relação com a comunidade. O pessoal que assumia não tinha respeito com a população, porque era de outra área. O Orlando Jogador cresceu naquela área até ser morto, em 1994. Em seu lugar, assumiu o Marcinho Nepomucemo, o Marcinho VP (Vila da Penha), que era o braço direito do Orlando. Ele era da comunidade, e isso fez toda diferença (mesmo preso, Marcinho VP continua dominando o Complexo do Alemão).

As imagens da Rede Globo o surpreendem?

É uma situação antiga. Esta formação não foi feita em dois anos, cinco anos. Ela foi feita ao longo de 30 anos. Eles conseguem se sustentar no Complexo do Alemão, diferentemente de outras áreas, porque são de lá. Eles conhecem bem o terreno e a comunidade. Mas eles não constituem exército, milícia, coisa nenhuma. É um bando de garotos que não têm nada na cabeça. O fato de eles fugirem juntos supõe algum nível de organização de enfrentamento. Mas não têm.

Qual foi o momento em que o Estado perdeu o controle da situação?

O Estado nunca teve uma política de segurança de longo prazo. Nem de médio prazo. O Estado sempre operou com política de segurança de resultados. Há duas causas para o que nós estamos vendo. Uma, mais remota, e mais grave, que é a questão social. Outra, mais próxima, é restrita à área de segurança.

A impressão é de que se trata de um grupo organizado.

Quando ocorre esta ação espetacular, você pensa que o Estado venceu e que nós estamos derrotando um inimigo. Mas eles não são inimigos do Estado, eles são integrantes do Estado, mas foram marginalizados. O Estado criou estes caras. É produto direto do que nós fizemos. Num nível mais direto da segurança é resultado da corrupção das polícias do Rio.

A polícia do Rio é corrupta como mostrou os filmes Tropa de Elite e Tropa de Elite II?

É muito mais. Se fosse como o filme, seria ótimo. O grande problema é quantas vezes estes garotos foram presos e soltos? Foram para delegacia e liberados? Nem fichados são. Por quê? Porque tem acerto. Eles existem pela permissividade da polícia. Além disso, há questões de fundo. Eles prendem estes 200 que nós vimos fugindo, mas vão colocar aonde? E os outros, sei lá, 20 mil que têm no complexo com a idade deles? Tem política para eles? Vai ser proporcionada uma vida decente para eles? Como será feita a manutenção da área ocupada?

Qual a opinião do senhor sobre as UPPs?

É interessante. Eu não entendo por que colocam recrutas para montar UPPs. Eles dizem que, na média, são uns 200 recrutas com um oficial. Nas 14 UPPs dá algo em torno de 2,8 mil recrutas, 3 mil recrutas. Então, 3 mil recrutas estão resolvendo a situação da criminalidade no Rio? Tem um contingente de 40 mil policiais, mais 10 mil na Polícia Civil, que não resolveram o problema da criminalidade. É isso que estão dizendo? Se é isso, estão confirmando que o problema é corrupção.

Qual a solução para o Rio?

Luz – É desconcentração de renda. Quem tem de dar palpite sobre a segurança no Rio é aquele professor de Pernambuco, o Mozart Neves (ex-reitor da Universidade Federal de Pernambuco, integrante do movimento Educação para Todos). O negócio é educação. Não tem saída.

O senhor já participou de grandes operações no Complexo do Alemão?

Já participei de operações, mas não de grandes operações. Não precisa. Claro que agora, com essa situação, são necessárias mobilizações. Mas os principais vagabundos do Rio foram presos sem dar um tiro. Tu prende o cara no asfalto.

Esta é a situação mais crítica do Rio?

Em 1994, havia 140 pessoas sequestradas no Rio. O problema era muito sério. Os empresários, na época, queriam sair do Rio. Eles faziam seguro com empresas americanas para ter segurança na cidade. Foi um período de caos. Acabou o sequestro no Rio. Por que acabou? Porque a polícia antissequestro parou de sequestrar.
http://www.ihu.unisinos.br/index.php?option=com_noticias&Itemid=18&task=detalhe&id=38766



ANISTIA INTERNACIONAL DENUNCIA

AÇÃO URGENTE


APÓS TER COLEGA ASSASSINADO, LÍDER COMUNITÁRIO CORRE RISCO DE VIDA

Flaviano Pinto Neto, líder da comunidade do Charco, no estado do Maranhão, foi morto a tiros em 30 de outubro. Manoel Santana da Costa, outro líder da comunidade, juntamente com mais de vinte outros membros, vem recebendo uma série de ameaças de morte e agora teme por sua vida. No momento, Manoel Santana da Costa encontra-se escondido e busca proteção policial.

A comunidade vem sofrendo ameaças devido a sua luta para ter suas terras reconhecidas oficialmente como quilombo, contra os interesses dos poderosos fazendeiros locais. Apesar da comunidade já existir há quase 200 anos, os moradores vêm sendo ameaçados com ordens de despejo. Atualmente, a comunidade passa por processo administrativo e está em vias de obter o reconhecimento oficial como comunidade quilombola, o que lhes daria garantia da posse da terra.

Em 30 de outubro, Flaviano Pinto Neto, líder da comunidade e presidente da Associação dos Pequenos Produtores Rurais do Povoado do Charco, foi morto com sete tiros na cabeça. De acordo com membros da comunidade, a polícia está investigando o caso.

Manoel Santana da Costa, também conhecido como Manoel do Charco, é o tesoureiro e diretor do sindicato dos trabalhadores rurais. Manoel, que teme por sua vida, encontra-se escondido e já pediu proteção policial para si e outros membros da comunidade à Secretaria Estadual de Segurança Pública. Embora o Programa Nacional de Defensores dos Direitos Humanos ainda não esteja presente no Maranhão, Manoel poderia ser incluído no Programa através da sede nacional em Brasília.

Em agosto de 2009, Manoel recebeu um telefonema anônimo perguntando se tinha medo de morrer queimado (“tu não tem medo de morrer queimado?”) Poucos dias depois, o prédio da associação comunitária foi incendiado. No mesmo ano, quando Manoel estava no Fórum da Comarca de São Vicente Félix, reunindo informações sobre a situação da disputa de terras, ele recebeu outro telefonema anônimo com a mesma pergunta.

POR FAVOR, ESCREVA SEM DEMORA, em português ou em seu idioma:

 Instando as autoridades a incluírem Manoel Santana Costa no Programa Nacional de Defensores dos Direitos Humanos, com proteção integral, e a investigarem todas as ameaças contra ele e membros da comunidade.

 Instando as autoridades a investigarem a fundo o assassinato de Flaviano Pinto Neto, levando os responsáveis à Justiça.

 Instando as autoridades a agilizarem os processos administrativos para a titulação de propriedade das terras onde vivem há mais de duzentos anos, para livrar as famílias do risco de violência e intimidação.



POR FAVOR, ENVIE OS APELOS ANTES DE 05 DE JANEIRO DE 2011 PARA:

Ministro da Justiça

Exmo. Ministro

Sr. Luiz Paulo Teles Ferreira Barreto

Esplanada dos Ministérios,

Bloco "T"

70712-902 - Brasília - DF, Brasil

Fax: + 55 61 3322 6817/ 3224 3398

Tratamento: Exmo. Sr. Ministro





Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA)

Exmo. Presidente Rolf Hackbart

SBN Qd. 01 Bloco D - Edifício Palácio do Desenvolvimento

CEP: 70.057-900 - Brasília - DF

PABX: (61)3411-7474

Tratamento: Dear President / Excelentíssimo Senhor Presidente



CÓPIAS PARA:

Secretário Federal dos Direitos Humanos

Secretaria Especial dos Direitos Humanos

Exmo. Secretário Especial

Sr. Paulo de Tarso Vannuchi

Esplanada dos Ministérios - Bloco "T" - 4º andar, 70064-900 - Brasília/DF – Brasil

Fax: + 55 61 3226 7980

Tratamento: Dear Secretary / Exmo. Sr. Secretário

Envie cópias também às representações diplomáticas no Brasil. Consulte o Secretariado Internacional ou com o escritório da AI em seu país, caso deseje enviar os apelos após a data acima.

AÇÃO URGENTE

APÓS TER COLEGA ASSASSINADO, LÍDER COMUNITÁRIO CORRE RISCO DE VIDA

INFORMAÇÕES ADICIONAIS

Quilombos são assentamentos afro-brasileiros, estabelecidos no final do século XVI, em áreas rurais afastadas do Brasil por escravos foragidos e alforriados que se opunham à escravidão. A Constituição Brasileira de 1988 (Artigos 215 e 216) reconhece o direito das comunidades afrodescendentes sobre as terras historicamente ocupadas pelos quilombos. Em particular, o artigo 68 das Disposições Transitórias afirma que “aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes os títulos respectivos”.

Inúmeras leis federais e estaduais foram promulgadas para regulamentar a forma de identificação das terras dos quilombos e outorga de títulos de propriedade às comunidades remanescentes.

Em 2003, um novo decreto (n º 4887), promulgado pelo Presidente, fez várias alterações no processo de titulação e tirou-o da competência da Fundação Cultural Palmares (FCP) – subordinada ao Ministério da Cultura – e transferiu-o para Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), no âmbito do Ministério do Desenvolvimento Agrário. Sob este novo procedimento, o FCP tem apenas autoridade para emitir certificação de auto-identificação aos quilombos, o que é um pré-requisito para iniciar o processo de titulação nos termos do Decreto n º 4887.

Em outubro de 2009, o INCRA publicou a Instrução Normativa No. 57/2009 que estabelece as várias etapas do procedimento administrativo para dar às comunidades remanescentes de quilombos o título para suas terras, ou seja, identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação, a retirada dos ocupantes ilegais, emissão de título e registro das terras.

Além da legislação nacional, o Brasil é Estado Parte no Convenio 169 da Organização Internacional do Trabalho, da Convenção Americana sobre Direitos Humanos e da Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial, que reafirmam os direitos culturais e territoriais dos grupos afrodescendentes, bem como os princípios de não-discriminação e igualdade perante a lei.

Existem mais de três mil comunidades quilombolas no Brasil. Centenas de processos administrativos foram iniciados no INCRA, mas até agora menos de 10 por cento das comunidades receberam seus títulos de terra. A comunidade do Charco, com mais de 70 famílias, vem lutando há mais de 60 anos pelo seu direito à terra e tem sido constantemente ameaçada com várias ordens de despejo. Em 2009, a comunidade iniciou o processo administrativo para ter suas terras reconhecidas como remanescentes de quilombo.

AU: 244/10 Índice: AMR 19/016/2010 Data de emissão: 24 de novembro de 2010

 

"Aperreio": realidade maranhense


Documentário de Doty Luz e Humberto Capucci terá primeira exibição pública hoje em São Luís. O curta-metragem foi selecionado para a mostra competitiva do Festival Amazônia Doc 2010, na categoria Documentário. O Debate entrevistou o cineasta Humberto Capucci.

ZEMA RIBEIRO

EDITOR DE CULTURA

FOTOS: DIVULGAÇÃO

Expressão bastante usada pelo povo maranhense para descrever situações de extrema dificuldade, Aperreio dá nome ao documentário em que os cineastas Doty Luz e Humberto Capucci registram a interferência das mudanças climáticas na vida de populações do interior do Maranhão. Eles rodaram por diversos municípios do Estado e imprimiram ao curta-metragem a poesia e a sabedoria populares. O filme propõe uma reflexão sobre o modelo de desenvolvimento vigente por estas plagas: o que defende os grandes projetos como “a salvação” – esta, no entanto, nunca chega, a não ser aos pequenos grupos que vêm obtendo lucros e vantagens com suas implementações ao longo dos anos.

Os versos do poeta e compositor Joãozinho Ribeiro em Saiba, rapaz, podem bem traduzir o aperreio das populações do Maranhão, tanto quem aparece no documentário de Capucci e Luz, quanto quem não: “quando a seca não mata/ a chuva arrasa”. O Maranhão foi um dos estados brasileiros que mais sofreu com as enchentes nos dois últimos anos, período retratado por Aperreio.

O documentário foi rodado em digital mini-DV e tem 20 minutos de duração. A produção é da Café Cuxá Filmes, que tem como sócios os dois cineastas. Juntos, eles assinam roteiro e direção. Capucci é também responsável por edição, montagem e fotografia. Larissa Abreu Resende é a produtora executiva, Jeander Ribeiro assina a arte gráfica e à trilha sonora comparecem Dona Elza e Caixeiros da Dança do Caroço de Tutóia, Bumba-meu-boi de Boa Vista dos Pinhos e Mestre Patinho.

O documentário, que tem apoio da organização internacional Oxfam, é uma realização do Comitê de Monitoramento das Políticas Voltadas às Enchentes no Maranhão, composto por diversas entidades e organizações maranhenses de defesa, promoção e proteção dos direitos humanos – Sociedade Maranhense de Direitos Humanos (SMDH), Cáritas Brasileira Regional Maranhão, União Estadual por Moradia Popular, Associação Agroecológica Tijupá e Movimento dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais Sem Terra (MST), entre outras.

Aperreio terá sua primeira exibição pública hoje em São Luís: a sessão acontece às 19h, no Cine Ímpar, na sede do jornal O Imparcial (Rua Assis Chateaubriand, Renascença, por trás do Tropical Shopping), com entrada gratuita. O curta-metragem foi selecionado para a mostra competitiva, na categoria Documentário, do segundo Amazônia Doc – Festival Pan Amazônico de Cinema, que acontece de 3 a 14 de novembro em Belém/PA.


Leia o texto completo em http://www.zemaribeiro.blogspot.com

O protesto indígena na Terra Indígena Canabrava: o que o delegado nunca disse, o que a Globo/Mirante omitiu



Seg, 22 de Novembro de 2010 01:29

Pastoral Indigenista de Grajaú


‘Ele mentiu. Não é nada daquilo que ele disse aos meios de comunicação. Ele foi, na realidade, o principal causador da confusão. Os próprios meios de comunicação, a Globo/Mirante, principalmente, agiram de má fé conosco!’. Assim se expressaram alguns indígenas da Terra Indígena Canabrava ao se referirem ao delegado da Polícia Civil de Barra do Corda, Edmar Gomes Cavalcante, que tentou acabar com o protesto indígena no domingo 7 de novembro. Membros da Pastoral Indigenista de Grajaú visitaram as aldeias da área e colheram, in loco, vários testemunhos. Todos eles coincidem: o delegado agiu de forma irresponsável. Agrediu os manifestantes e fugiu atirando contra homens, mulheres e crianças das aldeias por onde passava, deixando rastro de medo e sangue em gente que nada tinha a ver com a confusão. Várias instituições pensam em denunciá-lo.


Revisitando as aldeias

Haviam passado poucos dias dos tensos e tumultuados acontecimentos que viram como protagonistas índios Guajajara e um delegado de polícia. Uma equipe da Pastoral Indigenista de Grajaú visitou algumas das aldeias que participaram do bloqueio da BR 226 e outras que optaram em não fazer parte do movimento reivindicatório. Aparentemente tudo havia voltado à normalidade. Nos olhar dos indígenas era visível, contudo, um tênue véu de tristeza e decepção. Ainda não conseguiam entender porque um protesto planejado para ser executado de forma pacífica gerou tanta violência, e indignação em muitas pessoas. Homens e mulheres Guajajara de algumas aldeias haviam combinado que interromperiam a BR 226 na altura da aldeia Barreirinha para chamar a atenção do Governo do Estado que não vinha respeitando um Termo de Ajuste de Conduta que havia assinado em junho, garantindo a normalização do transporte escolar para os seus filhos. Os indígenas haviam acertado desde o início que deixariam passar ambulâncias, polícia e facilitariam aqueles casos que exigissem urgência. Tinham consciência que não deviam ‘forçar a barra’, inclusive porque muitas aldeias da mesma terra indígena não haviam aderido ao movimento. Muitos indígenas haviam sido alertados pelos seus caciques de se manterem longe da aldeia Barreirinha, lugar do bloqueio

Sangue, dor e humilhação

Muitos indígenas são unânimes em confirmar que se o delegado não tivesse agido de forma truculenta e irresponsável teria havido desfecho bem diferente. Os Guajajara narram que naquele fim de tarde de domingo, 07 de novembro, momentos iniciais da manifestação, já havia alguns caminhões parados ao lado da BR 226, na altura da barreira. Explicavam calmamente o porquê daquela manifestação, e pediam compreensão. E, apesar do transtorno, encontraram compreensão por parte dos transeuntes barrados. Afinal, nenhum deles vinha sofrendo algum tipo de violência. Improvisamente, porém, aparece uma moto. O motoqueiro desce, tira rapidamente o seu capacete e visivelmente irritado pergunta: ’Que molecagem é essa?’ Identificou-se como delegado de polícia e indicou que estava armado. Era, de fato, o delegado da Polícia Civil de Barra do Corda, Edmar Gomes Cavalcante que vinha de Grajaú, após dar plantão naquela delegacia daquela cidade. Os indígenas iam deixá-lo passar, mas ele insistiu que parassem imediatamente com o movimento e liberassem a rodovia para todos. Os manifestantes indígenas pediram para ele não interferir. Nesse bate-boca ele sacou improvisamente a arma. Os indígenas não se intimidaram e partiram para cima dele para desarmá-lo. Um deles se aproximou ameaçando-o com uma faca de cozinha, e no enfrentamento lhe cortou parte do dedo da mão esquerda. O delegado, enfurecido, começou a atirar em direção aos indígenas. Acertou logo quatro deles, três que estavam mais próximos, e outro um pouco mais distante. Foi quando um índio correu para buscar uma espingarda, pois ninguém deles tinha arma de fogo. Voltou rapidamente, atirou atingindo levemente o policial. A confusão se agigantou. O policial aproveitou do momento em que os índios socorriam os seus feridos para fugir correndo a pés pela rodovia em direção a Grajaú. O delegado, visivelmente transtornado e enraivecido, segurando o seu revólver na mão direita atirava em direção das casas das aldeias que ficam do lado esquerdo da BR. Alguns indígenas correram ainda ao seu encalço, mas após algumas centenas de metros desistiram. Ele continuava atirando e amedrontando crianças, mulheres e idosos. Foi justamente na aldeia Nova Barreirinha que fica a menos de um quilômetro da barreira, que o delegado atingiu com um tiro o adolescente Hagair Cabral Sá Santos Guajajara, de 15 anos, ferindo-o no pescoço. O adolescente estava no quintal de sua casa, aproximadamente a 150 metros da estrada. O jovem Guajajara é mudo de nascença e tem graves problemas de coordenação motora, o que exige que a mãe dele, Marilene Cabral Guajajara, seja ela a alimentá-lo. O policial em sua atitude tresloucada continuava a atirar, até chegar à aldeia Boa Vista que fica a um quilômetro e duzentos metros da barreira. Aqui pediu socorro a um caminhoneiro que vinha de Grajaú e dirigia um caminhão de cor branca, sem carroceria. A manobra do caminhoneiro foi tão brusca que destruiu parte da cerca de uma residência indígena. Soube-se, posteriormente, pela Mirante/Globo que o delegado foi bem assistido em Imperatriz, o que não ocorreu com os feridos indígenas. Todos eles, inclusive os seus acompanhantes, ao chegarem ao Hospital Acrísio Figueira em Barra do Corda foram sumariamente presos. Uns e outros foram muito maltratados pelos policiais locais. Além da dor, a humilhação da cadeia e do deboche racista.

‘Esta é a verdade dos fatos, não a da Globo!’

Papel decisivo teve, mais uma vez, a rede Globo através da sua filial Mirante. Um verdadeiro show de manipulação e distorção dos acontecimentos que envolve indígenas da Terra Indígena Canabrava, produzindo revolta, indignação e raiva em muitos setores da sociedade. Tudo se concentrou na intransigência indígena e no ‘indefeso delegado’ que para se defender teve que usar a violência. Só faltava dizer contra a sua vontade! De forma criminosa a Globo lançou mão de imagens de março deste ano em que, de fato, na mesma terra indígena havia sido apreendida uma arma e um saquinho de moedas fruto dos numerosos pedágios indígenas. Associou isso aos acontecimentos recentes com o intuito de agravar os indígenas e dar mais ‘munição’ a muitos dos seus já incautos e preconceituosos ouvintes. A Glogo/Mirante não podia certamente fazer publicidade da falta de respeito do Governo Estadual para com as comunidades indígenas locais, que foi o que provocou o protesto. Afinal, os dois se confundem. Quem irá repor a verdade dos fatos quando por dias seguidos foi vendida uma determinada versão dos fatos? Quem irá exigir responsabilidade social a meios de comunicação que criminalizam qualquer movimento indígena? Alguém irá investigar a atuação do delegado despreparado por tentativa múltipla de homicídio? A dona Marilene, mãe do adolescente covardemente ferido pelo delegado, lembra ainda hoje com as lágrimas nos olhos: ’Meu filho escapou por pouco. Quem vai fazer justiça e punir, agora, aquele irresponsável que atentou à vida de meu filho aqui, dentro da minha casa? Esta que é a verdade dos fatos, não a da Globo!’


http://www.viasdefato.jor.br/

sábado, 27 de novembro de 2010

A crise no Rio e o pastiche midiático


http://racismoambiental.net.br/2010/11/a-crise-no-rio-e-o-pastiche-midiatico/
Por racismoambiental, 27/11/2010 12:12

“O tráfico, no modelo que se firmou no Rio, é uma realidade em franco declínio e tende a se eclipsar, derrotado por sua irracionalidade econômica e sua incompatibilidade com as dinâmicas políticas e sociais predominantes, em nosso horizonte histórico. Incapaz, inclusive, de competir com as milícias, cuja competência está na disposição de não se prender, exclusivamente, a um único nicho de mercado, comercializando apenas drogas –mas as incluindo em sua carteira de negócios, quando conveniente”, afirma Luiz Eduardo Soares, Mestre em Antropologia, doutor em ciência política com pós-doutorado em filosofia política, professor da UERJ e coordenador do curso à distância de gestão e políticas em segurança pública, na Universidade Estácio de Sá, em artigo publicado no seu blog, 25-11-2010.

Segundo ele, “discutindo a crise, a mídia reproduz o mito da polaridade polícia versus tráfico, perdendo o foco, ignorando o decisivo: como, quem, em que termos e por que meios se fará a reforma radical das polícias, no Rio, para que estas deixem de ser incubadoras de milícias, máfias, tráfico de armas e drogas, crime violento, brutalidade, corrupção? Como se refundarão as instituições policiais para que os bons profissionais sejam, afinal, valorizados e qualificados? Como serão transformadas as polícias, para que deixem de ser reativas, ingovernáveis, ineficientes na prevenção e na investigação?”. Eis o artigo.

Sempre mantive com jornalistas uma relação de respeito e cooperação. Em alguns casos, o contato profissional evoluiu para amizade. Quando as divergências são muitas e profundas, procuro compreender e buscar bases de um consenso mínimo, para que o diálogo não se inviabilize. Faço-o por ética –supondo que ninguém seja dono da verdade, muito menos eu–, na esperança de que o mesmo procedimento seja adotado pelo interlocutor. Além disso, me esforço por atender aos que me procuram, porque sei que atuam sob pressão, exaustivamente, premidos pelo tempo e por pautas urgentes. A pressa se intensifica nas crises, por motivos óbvios. Costumo dizer que só nós, da segurança pública (em meu caso, quando ocupava posições na área da gestão pública da segurança), os médicos e o pessoal da Defesa Civil, trabalhamos tanto –ou sob tanta pressão– quanto os jornalistas.

Digo isso para explicar por que, na crise atual, tenho recusado convites para falar e colaborar com a mídia:

(1) Recebi muitos telefonemas, recados e mensagens. As chamadas são contínuas, a tal ponto que não me restou alternativa a desligar o celular. Ao todo, nesses dias, foram mais de cem pedidos de entrevistas ou declarações. Nem que eu contasse com uma equipe de secretários, teria como responder a todos e muito menos como atendê-los. Por isso, aproveito a oportunidade para desculpar-me. Creiam, não se trata de descortesia ou desapreço pelos repórteres, produtores ou entrevistadores que me procuraram.

(2) Além disso, não tenho informações de bastidor que mereçam divulgação. Por outro lado, não faria sentido jogar pelo ralo a credibilidade que construí ao longo da vida. E isso poderia acontecer se eu aceitasse aparecer na TV, no rádio ou nos jornais, glosando os discursos oficiais que estão sendo difundidos, declamando platitudes, reproduzindo o senso comum pleno de preconceitos, ou divagando em torno de especulações. A situação é muito grave e não admite leviandades. Portanto, só faria sentido falar se fosse para contribuir de modo eficaz para o entendimento mais amplo e profundo da realidade que vivemos. Como fazê-lo em alguns parcos minutos, entrecortados por intervenções de locutores e debatedores? Como fazê-lo no contexto em que todo pensamento analítico é editado, truncado, espremido –em uma palavra, banido–, para que reinem, incontrastáveis, a exaltação passional das emergências, as imagens espetaculares, os dramas individuais e a retórica paradoxalmente triunfalista do discurso oficial?

(3) Por fim, não posso mais compactuar com o ciclo sempre repetido na mídia: atenção à segurança nas crises agudas e nenhum investimento reflexivo e informativo realmente denso e consistente, na entressafra, isto é, nos intervalos entre as crises. Na crise, as perguntas recorrentes são:

(a) O que fazer, já, imediatamente, para sustar a explosão de violência?

(b) O que a polícia deveria fazer para vencer, definitivamente, o tráfico de drogas?

(c) Por que o governo não chama o Exército?

(d) A imagem internacional do Rio foi maculada?

(e) Conseguiremos realizar com êxito a Copa e as Olimpíadas?

Ao longo dos últimos 25 anos, pelo menos, me tornei “as aspas” que ajudaram a legitimar inúmeras reportagens. No tópico, “especialistas”, lá estava eu, tentando, com alguns colegas, furar o bloqueio à afirmação de uma perspectiva um pouquinho menos trivial e imediatista. Muitas dessas reportagens, por sua excelente qualidade, prescindiriam de minhas aspas – nesses casos, reduzi-me a recurso ocioso, mera formalidade das regras jornalísticas. Outras, nem com todas as aspas do mundo se sustentariam. Pois bem, acho que já fui ou proporcionei aspas o suficiente. Esse código jornalístico, com as exceções de praxe, não funciona, quando o tema tratado é complexo, pouco conhecido e, por sua natureza, rebelde ao modelo de explicação corrente. Modelo que não nasceu na mídia, mas que orienta as visões aí predominantes. Particularmente, não gostaria de continuar a ser cúmplice involuntário de sua contínua reprodução.

Eis por que as perguntas mencionadas são expressivas do pobre modelo explicativo corrente e por que devem ser consideradas obstáculos ao conhecimento e réplicas de hábitos mentais refratários às mudanças inadiáveis. Respondo sem a elegância que a presença de um entrevistador exigiria. Serei, por assim dizer, curto e grosso, aproveitando-me do expediente discursivo aqui adotado, em que sou eu mesmo o formulador das questões a desconstruir. Eis as respostas, na sequência das perguntas, que repito para facilitar a leitura:

(a) O que fazer, já, imediatamente, para sustar a violência e resolver o desafio da insegurança?

Nada que se possa fazer já, imediatamente, resolverá a insegurança. Quando se está na crise, usam-se os instrumentos disponíveis e os procedimentos conhecidos para conter os sintomas e salvar o paciente. Se desejamos, de fato, resolver algum problema grave, não é possível continuar a tratar o paciente apenas quando ele já está na UTI, tomado por uma enfermidade letal, apresentando um quadro agudo. Nessa hora, parte-se para medidas extremas, de desespero, mobilizando-se o canivete e o açougueiro, sem anestesia e assepsia. Nessa hora, o cardiologista abre o tórax do moribundo na maca, no corredor. Não há como construir um novo hospital, decente, eficiente, nem para formar especialistas, nem para prevenir epidemias, nem para adotar procedimentos que evitem o agravamento da patologia. Por isso, o primeiro passo para evitar que a situação se repita é trocar a pergunta. O foco capaz de ajudar a mudar a realidade é aquele apontado por outra pergunta: o que fazer para aperfeiçoar a segurança pública, no Rio e no Brasil, evitando a violência de todos os dias, assim como sua intensificação, expressa nas sucessivas crises?

Se o entrevistador imaginário interpelar o respondente, afirmando que a sociedade exige uma resposta imediata, precisa de uma ação emergencial e não aceita nenhuma abordagem que não produza efeitos práticos imediatos, a melhor resposta seria: caro amigo, sua atitude representa, exatamente, a postura que tem impedido avanços consistentes na segurança pública. Se a sociedade, a mídia e os governos continuarem se recusando a pensar e abordar o problema em profundidade e extensão, como um fenômeno multidimensional a requerer enfrentamento sistêmico, ou seja, se prosseguirmos nos recusando, enquanto Nação, a tratar do problema na perspectiva do médio e do longo prazos, nos condenaremos às crises, cada vez mais dramáticas, para as quais não há soluções mágicas.

A melhor resposta à emergência é começar a se movimentar na direção da reconstrução das condições geradoras da situação emergencial. Quanto ao imediato, não há espaço para nada senão o disponível, acessível, conhecido, que se aplica com maior ou menor destreza, reduzindo-se danos e prolongando-se a vida em risco.

A pergunta é obtusa e obscurantista, cúmplice da ignorância e da apatia.

(b) O que as polícias fluminenses deveriam fazer para vencer, definitivamente, o tráfico de drogas?

Em primeiro lugar, deveriam parar de traficar e de associar-se aos traficantes, nos “arregos” celebrados por suas bandas podres, à luz do dia, diante de todos. Deveriam parar de negociar armas com traficantes, o que as bandas podres fazem, sistematicamente. Deveriam também parar de reproduzir o pior do tráfico, dominando, sob a forma de máfias ou milícias, territórios e populações pela força das armas, visando rendimentos criminosos obtidos por meios cruéis.

Ou seja, a polaridade referida na pergunta (polícias versus tráfico) esconde o verdadeiro problema: não existe a polaridade. Construí-la –isto é, separar bandido e polícia; distinguir crime e polícia– teria de ser a meta mais importante e urgente de qualquer política de segurança digna desse nome. Não há nenhuma modalidade importante de ação criminal no Rio de que segmentos policiais corruptos estejam ausentes. E só por isso que ainda existe tráfico armado, assim como as milícias.

Não digo isso para ofender os policiais ou as instituições. Não generalizo. Pelo contrário, sei que há dezenas de milhares de policiais honrados e honestos, que arriscam, estóica e heroicamente, suas vidas por salários indignos. Considero-os as primeiras vítimas da degradação institucional em curso, porque os envergonha, os humilha, os ameaça e acua o convívio inevitável com milhares de colegas corrompidos, envolvidos na criminalidade, sócios ou mesmo empreendedores do crime.

Não nos iludamos: o tráfico, no modelo que se firmou no Rio, é uma realidade em franco declínio e tende a se eclipsar, derrotado por sua irracionalidade econômica e sua incompatibilidade com as dinâmicas políticas e sociais predominantes, em nosso horizonte histórico. Incapaz, inclusive, de competir com as milícias, cuja competência está na disposição de não se prender, exclusivamente, a um único nicho de mercado, comercializando apenas drogas –mas as incluindo em sua carteira de negócios, quando conveniente. O modelo do tráfico armado, sustentado em domínio territorial, é atrasado, pesado, anti-econômico: custa muito caro manter um exército, recrutar neófitos, armá-los (nada disso é necessário às milícias, posto que seus membros são policiais), mantê-los unidos e disciplinados, enfrentando revezes de todo tipo e ataques por todos os lados, vendo-se forçados a dividir ganhos com a banda podre da polícia (que atua nas milícias) e, eventualmente, com os líderes e aliados da facção. É excessivamente custoso impor-se sobre um território e uma população, sobretudo na medida que os jovens mais vulneráveis ao recrutamento comecem a vislumbrar e encontrar alternativas. Não só o velho modelo é caro, como pode ser substituído com vantagens por outro muito mais rentável e menos arriscado, adotado nos países democráticos mais avançados: a venda por delivery ou em dinâmica varejista nômade, clandestina, discreta, desarmada e pacífica. Em outras palavras, é melhor, mais fácil e lucrativo praticar o negócio das drogas ilícitas como se fosse contrabando ou pirataria do que fazer a guerra. Convenhamos, também é muito menos danoso para a sociedade, por óbvio.

(c) O Exército deveria participar?

Fazendo o trabalho policial, não, pois não existe para isso, não é treinado para isso, nem está equipado para isso. Mas deve, sim, participar. A começar cumprindo sua função de controlar os fluxos das armas no país. Isso resolveria o maior dos problemas: as armas ilegais passando, tranquilamente, de mão em mão, com as benções, a mediação e o estímulo da banda podre das polícias.

E não só o Exército. Também a Marinha, formando uma Guarda Costeira com foco no controle de armas transportadas como cargas clandestinas ou despejadas na baía e nos portos. Assim como a Aeronáutica, identificando e destruindo pistas de pouso clandestinas, controlando o espaço aéreo e apoiando a PF na fiscalização das cargas nos aeroportos.

(d) A imagem internacional do Rio foi maculada?

Claro. Mais uma vez.

(e) Conseguiremos realizar com êxito a Copa e as Olimpíadas?

Sem dúvida. Somos ótimos em eventos. Nesses momentos, aparece dinheiro, surge o “espírito cooperativo”, ações racionais e planejadas impõem-se. Nosso calcanhar de Aquiles é a rotina. Copa e Olimpíadas serão um sucesso. O problema é o dia a dia.

Palavras Finais

Traficantes se rebelam e a cidade vai à lona. Encena-se um drama sangrento, mas ultrapassado. O canto de cisne do tráfico era esperado. Haverá outros momentos análogos, no futuro, mas a tendência declinante é inarredável. E não porque existem as UPPs, mas porque correspondem a um modelo insustentável, economicamente, assim como social e politicamente. As UPPs, vale dizer mais uma vez, são um ótimo programa, que reedita com mais apoio político e fôlego administrativo o programa “Mutirões pela Paz”, que implantei com uma equipe em 1999, e que acabou soterrado pela política com “p” minúsculo, quando fui exonerado, em 2000, ainda que tenha sido ressuscitado, graças à liderança e à competência raras do ten.cel. Carballo Blanco, com o título GPAE, como reação à derrocada que se seguiu à minha saída do governo. A despeito de suas virtudes, valorizadas pela presença de Ricardo Henriques na secretaria estadual de assistência social — um dos melhores gestores do país –, elas não terão futuro se as polícias não forem profundamente transformadas. Afinal, para tornarem-se política pública terão de incluir duas qualidades indispensáveis: escala e sustentatibilidade, ou seja, terão de ser assumidas, na esfera da segurança, pela PM. Contudo, entregar as UPPs à condução da PM seria condená-las à liquidação, dada a degradação institucional já referida.

O tráfico que ora perde poder e capacidade de reprodução só se impôs, no Rio, no modelo territorializado e sedentário em que se estabeleceu, porque sempre contou com a sociedade da polícia, vale reiterar. Quando o tráfico de drogas no modelo territorializado atinge seu ponto histórico de inflexão e começa, gradualmente, a bater em retirada, seus sócios – as bandas podres das polícias — prosseguem fortes, firmes, empreendedores, politicamente ambiciosos, economicamente vorazes, prontos a fixar as bandeiras milicianas de sua hegemonia.

Discutindo a crise, a mídia reproduz o mito da polaridade polícia versus tráfico, perdendo o foco, ignorando o decisivo: como, quem, em que termos e por que meios se fará a reforma radical das polícias, no Rio, para que estas deixem de ser incubadoras de milícias, máfias, tráfico de armas e drogas, crime violento, brutalidade, corrupção? Como se refundarão as instituições policiais para que os bons profissionais sejam, afinal, valorizados e qualificados? Como serão transformadas as polícias, para que deixem de ser reativas, ingovernáveis, ineficientes na prevenção e na investigação?

As polícias são instituições absolutamente fundamentais para o Estado democrático de direito. Cumpre-lhes garantir, na prática, os direitos e as liberdades estipulados na Constituição. Sobretudo, cumpre-lhes proteger a vida e a estabilidade das expectativas positivas relativamente à sociabilidade cooperativa e à vigência da legalidade e da justiça. A despeito de sua importância, essas instituições não foram alcançadas em profundidade pelo processo de transição democrática, nem se modernizaram, adaptando-se às exigências da complexa sociedade brasileira contemporânea. O modelo policial foi herdado da ditadura. Ele servia à defesa do Estado autoritário e era funcional ao contexto marcado pelo arbítrio. Não serve à defesa da cidadania. A estrutura organizacional de ambas as polícias impede a gestão racional e a integração, tornando o controle impraticável e a avaliação, seguida por um monitoramento corretivo, inviável. Ineptas para identificar erros, as polícias condenam-se a repeti-los. Elas são rígidas onde teriam de ser plásticas, flexíveis e descentralizadas; e são frouxas e anárquicas, onde deveriam ser rigorosas. Cada uma delas, a PM e a Polícia Civil, são duas instituições: oficiais e não-oficiais; delegados e não-delegados.

E nesse quadro, a PEC-300 é varrida do mapa no Congresso pelos governadores, que pagam aos policiais salários insuficientes, empurrando-os ao segundo emprego na segurança privada informal e ilegal.Uma das fontes da degradação institucional das polícias é o que denomino “gato orçamentário”, esse casamento perverso entre o Estado e a ilegalidade: para evitar o colapso do orçamento público na área de segurança, as autoridades toleram o bico dos policiais em segurança privada. Ao fazê-lo, deixam de fiscalizar dinâmicas benignas (em termos, pois sempre há graves problemas daí decorrentes), nas quais policiais honestos apenas buscam sobreviver dignamente, apesar da ilegalidade de seu segundo emprego, mas também dinâmicas malignas: aquelas em que policiais corruptos provocam a insegurança para vender segurança; unem-se como pistoleiros a soldo em grupos de extermínio; e, no limite, organizam-se como máfias ou milícias, dominando pelo terror populações e territórios. Ou se resolve esse gargalo (pagando o suficiente e fiscalizando a segurança privada /banindo a informal e ilegal; ou legalizando e disciplinando, e fiscalizando o bico), ou não faz sentido buscar aprimorar as polícias.

O Jornal Nacional, nesta quinta, 25 de novembro, definiu o caos no Rio de Janeiro, salpicado de cenas de guerra e morte, pânico e desespero, como um dia histórico de vitória: o dia em que as polícias ocuparam a Vila Cruzeiro. Ou eu sofri um súbito apagão mental e me tornei um idiota contumaz e incorrigível ou os editores do JN sentiram-se autorizados a tratar milhões de telespectadores como contumazes e incorrigíveis idiotas.

Ou se começa a falar sério e levar a sério a tragédia da insegurança pública no Brasil, ou será pelo menos mais digno furtar-se a fazer coro à farsa.

http://www.ihu.unisinos.br/index.php?option=com_noticias&Itemid=18&task=detalhe&id=38740



Uma guerra pela regeografização do Rio de Janeiro. Entrevista especial com José Cláudio Alves


http://racismoambiental.net.br/2010/11/uma-guerra-pela-regeografizacao-do-rio-de-janeiro-entrevista-especial-com-jose-claudio-alves/
Por racismoambiental, 27/11/2010 11:34

“O que está por trás desses conflitos urbanos é uma reconfiguração da geopolítica do crime na cidade”. Assim descreve o sociólogo José Cláudio Souza Alves a motivação principal dos conflitos que estão se dando entre traficantes e a polícia do Rio de Janeiro. Na entrevista a seguir, concedida à IHU On-Line por telefone, o professor analisa a composição geográfica do conflito e reflete as estratégias de reorganização das facções e milícias durante esses embates. “A mídia nos faz crer – sobretudo a Rede Globo está empenhada nisso – que há uma luta entre o bem e o mal. O bem é a segurança pública e a polícia do Rio de Janeiro e o mal são os traficantes que estão sendo combatidos. Na verdade, isso é uma falácia. Não existe essa realidade. O que existe é essa reorganização da estrutura do crime”, explica.

José Cláudio Souza Alves é graduado em Estudos Sociais pela Fundação Educacional de Brusque. É mestre em sociologia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro e doutor, na mesma área, pela Universidade de São Paulo. Atualmente, é professor na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro e membro do Iser Assessoria. Confira a entrevista.

IHU On-Line – O que está por trás desses conflitos atuais no Rio de Janeiro?

José Cláudio Alves – O que está por trás desses conflitos urbanos é uma reconfiguração da geopolítica do crime na cidade. Isso já vem se dando há algum tempo e culminou na situação que estamos vivendo atualmente. Há elementos presentes nesse conflito que vêm de períodos maiores da história do Rio de Janeiro, um deles é o surgimento das milícias que nada mais são do que estruturas de violência construídas a partir do aparato policial de forma mais explícita. Elas, portanto, controlarão várias favelas do RJ e serão inseridas no processo de expulsão do Comando Vermelho e pelo fortalecimento de uma outra facção chamada Terceiro Comando. Há uma terceira facção chamada Ada, que é um desdobramento do Comando Vermelho e que opera nos confrontos que vão ocorrer junto a essa primeira facção em determinadas áreas. Na verdade, o Comando Vermelho foi se transformando num segmento que está perdendo sua hegemonia sobre a organização do crime no Rio de Janeiro. Quem está avançando, ao longo do tempo, são as milícias em articulação com o Terceiro Comando.

Um elemento determinante nessa reconfiguração foi o surgimento das UPPs a partir de uma política de ocupação de determinadas favelas, sobretudo da zona sul do RJ. Seus interesses estão voltados para a questão do capital do turismo, industrial, comercial, terceiro setor, ou seja, o capital que estará envolvido nas Olimpíadas. Então, a expulsão das favelas cariocas feita pelas UPPs ocorre em cima do segmento do Comando Vermelho. Por isso, o que está acontecendo agora é um rearranjo dessa estrutura. O Comando Vermelho está indo agora para um confronto que aterroriza a população para que um novo acordo se estabeleça em relação a áreas e espaços para que esse segmento se estabeleça e sobreviva.

IHU On-Line – Mas, então, o que está em jogo?

José Cláudio Alves – Não está em jogo a destruição da estrutura do crime, ela está se rearranjando apenas. Nesse rearranjo quem vai se sobressair são, sobretudo, as milícias, o Terceiro Comando – que vem crescendo junto e operando com as milícias – e a política de segurança do Estado calcada nas UPPs – que não alteraram a relação com o tráfico de drogas. A mídia nos faz crer – sobretudo a Rede Globo está empenhada nisso – que há uma luta entre o bem e o mal. O bem é a segurança pública e a polícia do Rio de Janeiro e o mal são os traficantes que estão sendo combatidos. Na verdade, isso é uma falácia. Não existe essa realidade. O que existe é essa reorganização da estrutura do crime.

A realidade do RJ exige hoje uma análise muito profunda e complexa e não essa espetacularização midiática, que tem um objetivo: escorraçar um segmento do crime organizado e favorecer a constelação de outra composição hegemônica do crime no RJ.

IHU On-Line – Por que esse confronto nasceu na Vila Cruzeiro?

José Cláudio Alves – Porque a partir dessa reconfiguração que foi sendo feita das milícias e das UPPs (Unidades de Policiamento Pacificadoras), o Comando Vermelho começou a estabelecer uma base operacional muito forte no Complexo do Alemão. Este lugar envolve um conjunto de favelas com um conjunto de entradas e saídas. O centro desse complexo é constituído de áreas abertas que são remanescentes de matas. Essa estruturação geográfica e paisagística daquela região favoreceu muito a presença do Comando Vermelho lá. Mas se observarmos todas as operações, veremos que elas estão seguindo o eixo da Central do Brasil e Leopoldina, que são dois eixos ferroviários que conectam o centro do RJ ao subúrbio e à Baixada Fluminense. Todos os confrontos estão ocorrendo nesse eixo.

IHU On-Line – Por que nesse eixo, em específico?

José Cláudio Alves – Porque, ao longo desse eixo, há várias comunidades que ainda pertencem ao Comando Vermelho. Não tão fortemente estruturadas, não de forma organizada como no Complexo do Alemão, mas são comunidades que permanecem como núcleos que são facilmente articulados. Por exemplo: a favela de Vigário Geral foi tomada pelo Terceiro Comando porque hoje as milícias controlam essa favela e a de Parada de Lucas a alugam para o Terceiro Comando. Mas ao lado, cerca de dois quilômetros de distância dessa favela, existe uma menor que é a favela de Furquim Mendes, controlada pelo Comando Vermelho. Logo, as operações que estão ocorrendo agora em Vigário Geral, Jardim América e em Duque de Caxias estão tendo um núcleo de operação a partir de Furquim Mendes. O objetivo maior é, portanto, desmobilizar e rearranjar essa configuração favorecendo novamente o Comando Vermelho.

Então, o combate no Complexo do Alemão é meramente simbólico nessa disputa. Por isso, invadir o Complexo do Alemão não vai acabar com o tráfico no Rio de Janeiro. Há vários pontos onde as milícias e as diferentes facções estão instaladas. O mais drástico é que quem vai morrer nesse confronto é a população civil e inocente, que não tem acesso à comunicação, saúde, luz… Há todo um drama social que essa população vai ser submetida de forma injusta, arbitrária, ignorante, estúpida, meramente voltada aos interesses midiáticos, de venda de imagens e para os interesses de um projeto de política de segurança pública que ressalta a execução sumária. No Rio de Janeiro a execução sumária foi elevada à categoria de política pública pelo atual governo.

IHU On-Line – Em que contexto geográfico está localizado a Vila Cruzeiro?

José Cláudio Alves – A Vila Cruzeiro está localizada no que nós chamamos de zona da Leopoldina. Ela está ao pé do Complexo do Alemão, só que na face que esse complexo tem voltada para a Penha. A Penha é um bairro da Leopoldina. Essa região da Leopoldina se constituiu no eixo da estrada de ferro Leopoldina, que começa na Central do Brasil, passa por São Cristóvão e dali vai seguir por Bom Sucesso, Penha, Olaria, Vigário Geral – que é onde eu moro e que é a última parada da Leopoldina e aí se entra na Baixada Fluminense com a estação de Duque de Caxias.

Esse “corredor” foi um dos maiores eixos de favelização da cidade do Rio de Janeiro. A favelização que, inicialmente, ocorre na zona sul não encontra a possibilidade de adensamento maior. Ela fica restrita a algumas favelas. Tirando a da Rocinha, que é a maior do Rio de Janeiro, os outros complexos todos – como o da Maré e do Alemão – estão localizados no eixo da zona da Leopoldina até Avenida Brasil. A Leopoldina é de 1887-1888, já a Avenida Brasil é de 1946. É nesse prazo de tempo que esse eixo se tornou o mais favelizado do RJ. Logo, a Vila Cruzeiro é apenas uma das faces do Complexo do Alemão e é a de maior facilidade para a entrada da polícia, onde se pode fazer operações de grande porte como foi feita na quinta-feira, dia 25-11. No entanto, isso não expressa o Complexo do Alemão em si.

A Maré fica do outro lado da Avenida Brasil. Ela tem quase 200 mil habitantes. Uma parte dela pertence ao Comando Vermelho, a outra parte é do Terceiro Comando. Por que não se faz nenhuma operação num complexo tão grande ou maior do que o do Alemão? Ninguém cita isso! Por que não se entra nas favelas onde os o Terceiro Comando está operando? Porque o Terceiro Comando já tem acordo com as milícias e com a política de segurança. Por isso, as atuações se dão em cima de uma das faces mais frágeis do Complexo do Alemão, como se isso fosse alguma coisa significativa.

IHU On-Line – Estando a Vila Cruzeiro numa das faces do Complexo, por que o Alemão se tornou o reduto de fuga dos traficantes?

José Cláudio Alves – A estrutura dele é muito mais complexa para que se faça qualquer tipo de operação lá. Há facilidade de fuga, porque há várias faces de saída. Não é uma favela que a polícia consegue cercar. Mesmo juntando a polícia do RJ inteiro e o Exército Nacional jamais se conseguiria cercar o complexo. O Alemão é muito maior do que se possa imaginar. Então, é uma área que permite a reorganização e reestruturação do Comando Vermelho. Mas existem várias outras bases do Comando Vermelho pulverizadas em toda a área da Leopoldina e Central do Brasil que estão também operando.

Mesmo que se consiga ocupar todo o Complexo do Alemão, o Comando Vermelho ainda tem possibilidades de reestruturação em outras pequenas áreas. Ninguém fala, por exemplo, da Baixada Fluminense, mas Duque de Caxias, Nova Iguaçu, Mesquita, Belford Roxo são áreas que hoje estão sendo reconfiguradas em termos de tráfico de drogas a partir da ida do Comando Vermelho para lá.

Por exemplo, um bairro de Duque de Caxias chamado Olavo Bilac é próximo de uma comunidade chamada Mangueirinha, que é um morro. Essa comunidade já é controlada pelo Comando Vermelho que está adensando a elevação da Mangueirinha e Olavo Bilac já está sentindo os efeitos diretos dessa reocupação. Mas ninguém está falando nada sobre isso.

A realidade do Rio de Janeiro é muito mais complexa do que se possa imaginar. O Comando Vermelho, assim como outras facções e milícias, estabelece relação direta com o aparato de segurança pública do Rio de Janeiro. Em todas essas áreas há tráfico de armas feito pela polícia, em todas essas áreas o tráfico de drogas permanece em função de acordos com o aparato policial.

IHU On-Line – Podemos comparar esses traficantes que estão coordenando os conflitos no RJ com o PCC, de São Paulo?

José Cláudio Alves – Só podemos analisar a história do Rio de Janeiro, fazendo um retrospecto da história e da geografia. O PCC, em São Paulo, tem uma trajetória muito diferente das facções do Rio de Janeiro, tanto que a estrutura do PCC se dá dentro dos presídios. Quando a mídia noticia que os traficantes no Rio de Janeiro presos estão operando os conflitos, leia-se, por trás disso, que a estrutura penitenciária do Estado se transformou na estrutura organizacional do crime. Não estou dizendo que o Estado foi corrompido. Estou dizendo que o próprio estado em si é o crime. O mercado e o Estado são os grandes problemas da sociedade brasileira. O mercado de drogas, articulado com o mercado de segurança pública, com o mercado de tráfico de drogas, de roubo, com o próprio sistema financeiro brasileiro, é quem tem interesse em perpetuar tudo isso.

A articulação entre economia formal, economia criminosa e aparato estatal se dá em São Paulo de uma forma diferente em relação ao Rio de Janeiro. Expulsar o Comando Vermelho dessas áreas interessa à manutenção econômica do capital. O que há de semelhança são as operações de terror, operações de confronto aberto dentro da cidade para reestruturar o crime e reorganizá-lo em patamares mais favoráveis ao segmento que está ganhando ou perdendo.

IHU On-Line – Como o senhor avalia essa política de instalação das UPPs – Unidades de Policiamento Pacificadoras nas favelas do Rio de Janeiro?

José Cláudio Alves – É uma política midiática de visibilidade de segurança no Rio de Janeiro e Brasil. A presidente eleita quase transformou as UPPs na política de segurança pública do país e quer reproduzir as UPPs em todo o Brasil. A UPP é uma grande farsa. Nas favelas ocupadas pelas UPSs podem ser encontrados ex-traficantes que continuam operando, mas com menos intensidade. A desigualdade social permanece, assim como o não acesso à saúde, educação, propriedade da terra, transporte. A polícia está lá para garantir o não tiroteio, mas isso não garante a não existência de crimes. A meu ver, até agora, as UPPs são apenas formas de fachada de uma política de segurança e econômica de grupos de capitais dominantes na cidade para estabelecer um novo projeto e reconfiguração dessa estrutura.

IHU On-Line – A tensão no Rio de Janeiro, neste momento, é diferente de outros momentos de conflito entre polícia e traficantes?

José Cláudio Alves – Sim, porque a dimensão é mais ampla, mais aberta. Dizer que eles estão operando de forma desarticulada, desesperada, desorganizada é uma mentira. A estrutura que o Comando Vermelho organiza vem sendo elaborada há mais de cinco anos e ela tem sido, agora, colocada em prática de uma forma muito mais intensa do que jamais foi visto.

A grande questão é saber o que se opera no fundo imaginário e simbólico que está sendo construído de quem são, de fato, os inimigos da sociedade fluminense e brasileira. Essa questão vai ter efeitos muito mais venosos para a sociedade empobrecida e favelizada. É isso que está em jogo agora.

http://www.ihu.unisinos.br/index.php?option=com_noticias&Itemid=18&task=detalhe&id=38721



Mais de 50% de PI e MA não têm acesso a comida


http://racismoambiental.net.br/2010/11/mais-de-50-de-pi-e-ma-nao-tem-acesso-a-comida/
Por racismoambiental, 27/11/2010 12:00

A pesquisa sobre segurança alimentar divulgada ontem pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) mostrou que o Maranhão e o Piauí tinham menos da metade de seus domicílios com acesso garantido a alimentos de qualidade em quantidade suficiente. A reportagem é de Denise Menchen e publicada pelo jornal Folha de S. Paulo, 27-11-2010.

Os demais Estados do Nordeste também apresentaram percentual abaixo da média nacional, de 69,8%. No entanto, a região foi a que apresentou maior avanço entre 2004 e 2008. Da mesma forma, domicílios com crianças e adolescentes, chefiados por mulheres ou localizados em áreas rurais, mais expostos à insegurança alimentar, também conseguiram diminuir com mais força a incidência do problema.

PROGRAMAS SOCIAIS

“Se os programas sociais estiverem sendo encaminhados para os domicílios adequadamente, estão tendo um impacto importante nisso”, diz a pesquisadora do IBGE Maria Lúcia Vieira. Ela também reitera que o Bolsa Família tem como foco justamente as casas com limitação de renda onde vivem crianças.

O diretor do Ibase (Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas) e conselheiro do Consea (Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional), Francisco Menezes, defende a ampliação das transferências do programa de forma a contribuir para a superação do problema no país.

“O Bolsa Família transfere hoje um valor médio de cerca de R$ 95 reais, abaixo da linha de pobreza extrema. Ou seja, ele ajuda, mas não dá conta de tudo”, diz ele.

Menezes também defende reajustes anuais para os benefícios pagos, a exemplo do que ocorre com o salário mínimo.
http://www.ihu.unisinos.br/index.php?option=com_noticias&Itemid=18&task=detalhe&id=38731



Situação de insegurança alimentar é mais grave para negros


http://www.brasildefato.com.br/node/5152
De acordo com pesquisa do IBGE, o fato de os negros estarem em maior número entre a população com restrições alimentares pode estar relacionado ao rendimento


Isabela Vieira

Agência Brasil

Pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgada hoje (25) mostra que os negros (pretos e pardos) têm mais dificuldade de acesso a alimentos de qualidade e em quantidades suficientes do que os brancos. O percentual de insegurança alimentar entre eles é quase o dobro em relação ao da população branca.

Do total de 97,8 milhões de negros no país, 43,4%, convivam com algum grau de insegurança alimentar em 2009, sendo que 18,6% vivenciam a situação mais grave, de privação de comida. O percentual é seis vezes maior do que o de brancos na mesma situação: 3%. Entre esses, 24,6% estão em algum nível de insegurança alimentar.

Segundo a pesquisa, o fato de os negros estarem em maior número entre a população com restrições alimentares pode estar relacionado ao rendimento, pois pertencem à parcela mais pobre da população. O documento mostra que 55% dos domicílios com renda de até meio salário mínimo não dispunham de alimentos de qualidade e em quantidade suficientes.

Para a presidente da Ação Brasileira pela Nutrição e Direitos Humanos (Abrandh), Marília Leão, outras "desigualdades históricas" também podem explicar a diferença entre brancos e negros. "Observamos que entre povos indígenas e comunidades tradicionais há muita desigualdade se comparada com os branco. Em relação aos negros é a mesma coisa. Por isso, as ações afirmativas são tão importantes no sentido de essas desigualdade não existirem mais."

A prevalência de situação de insegurança alimentar moderada (restrição de alimento nos três meses anteriores a pesquisa) também é maior entre as famílias chefiadas por mulheres (10,2%). No caso de domicílios com a pessoa de referência do sexo masculino era de 14,2%. A diferença se acentua no caso de famílias com jovens até 18 anos.

Feito com base na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), o suplemento do IBGE ainda mostra que em 2009, 8,1% das pessoas até 17 anos não têm alimentação de qualidade e entre a população com mais de 65 anos, a proporção é de 3,6%.

Setores do Poder Judiciário atrasam desapropriações


http://www.brasildefato.com.br/node/5147
sex, 2010-11-26 12:16 — admin

Entrevistas

Para procurador federal do Incra, falta ao judiciário aplicar a Constituição e a Lei Complementar nos processos de desapropriação, que garante a eles o trâmite preferencial

Vanessa Ramos

Da Página do MST

Um balanço sobre a eficácia do Incra durante o governo Lula demonstra a existência de mais de 200 processos de desapropriação suspensos por juízes.

Leia a íntegra da entrevista com Valdez Adriani Farias, procurador federal do Incra de Santa Catarina, sobre a atuação do instituto.

Você acha que os instrumentos legais do Incra são eficientes?

Os instrumentos postos à disposição do Incra podem ser mais eficientes. Alguns precisam ser reformulados, outros melhor compreendidos ou potencializados. Refiro-me aos instrumentos para aquisição de terras, os quais são fundamentais para uma efetiva democratização do acesso à terra.

Por exemplo, um dos instrumentos é a aquisição de imóveis pela modalidade compra e venda, a qual vem sendo pouco utilizada porque a forma de pagamento se dá em condições e prazos parecidos com a desapropriação-sanção e que não são bem aceitos pelo mercado imobiliário.

Então, sendo a compra um ato que depende da concordância do vendedor, poucos proprietários concordam em vender os imóveis nas condições e prazos previstos no Dec. 433/92 (que trata da compra e venda de imóveis para reforma agrária).

Esse instrumento, que é complementar à desapropriação, poderia ser potencializado com uma reformulação no sentido de prever prazos e condições condizentes como mercado de terras.

Quais são as vantagens desse instrumento?

Primeira: o Incra utilizaria o instrumento somente para comprar terras de qualidade e localizadas próximas dos grandes centros ou com fácil escoamento da produção.

Segunda: evita-se a judicialização, pois a compra e venda é encerrada com uma escritura pública.

Terceira: evita-se o pagamento dos pesados juros compensatórios e moratórios que incidem nos processos judiciais de desapropriação.

Mas repito, esse instrumento é complementar à desapropriação e não pode substituí-la.

A desapropriação-sanção deve ser o principal instrumento do Incra para aquisição de imóveis. Mas a eficiência desse instrumento depende da atualização dos índices de produtividade, que como sabemos estão muito defasados, pois baseados no Censo Agropecuário de 1975.

Por que o Poder Judiciário atrasa os processos de desapropriação?

A eficiência do instrumento da desapropriação-sanção depende de uma mudança de entendimento que predomina no âmbito do Judiciário. Veja que em função da importância e da urgência da Reforma Agrária, o Constituinte dispôs que o processo de desapropriação teria rito sumário.

Passada meia década a Lei Complementar 76/93 regulou este dispositivo, e no seu artigo 18 dispôs que o processo judicial de desapropriação por interesse social para fins de Reforma Agrária tem caráter preferencial e prejudicial em relação a outros processos que envolvam o imóvel.

A Constituição é clara, a lei é claríssima, mas a maioria esmagadora dos juízes que possuem visão eminentemente civilista continua suspendendo os processos de desapropriação em clara afronta à Constituição e à Lei Complementar.

Que problemas burocráticos o Incra precisa resolver?

Problemas burocráticos existem, mas estes podem ser resolvidos com gestão. Penso que o problema está num outro patamar. É que a efetiva implementação da Reforma Agrária por certo é de responsabilidade dos três Poderes da República. Não depende somente do Executivo.

Veja que o processo de desapropriação quase sempre é judicializado, e a efetiva destinação da área para Reforma Agrária depende do judiciário. É preciso que o judiciário aplique a Constituição e a Lei Complementar que dispõe que o processo de desapropriação deve obedecer rito sumário e deve ter trâmite preferencial.

Não é possível que um processo que encerra uma urgência e tem em vista o atendimento de um interesse social já declarado pelo Presidente da República fique no aguardo do desfecho de uma ação declaratória de produtividade ajuizada pelo proprietário do imóvel.

Insisto nesse ponto, pois segundo levantamento realizado pela Procuradoria do Incra, existiam mais de 200 processos de desapropriação suspensos em face desse entendimento que simplesmente desconsidera a previsão constitucional e legal.

O Poder Legislativo, por sua vez, não tem atuado para aperfeiçoar o ordenamento no tocante a Reforma Agrária. Exemplo disso é a PEC 438/2001, que prevê a expropriação dos imóveis com trabalho escravo, a qual está parada na Câmara desde 2004, e, portanto, já tramita no parlamento há quase uma década. Se não bastasse essa inércia as investidas do legislativo por meio de CPI´s são na linha da criminalização dos movimentos sociais que lutam pela terra, o que é lamentável.

Como solucionar as falhas do Incra?

Eventuais falhas administrativas podem ser corrigidas com um processo contínuo de melhoria na gestão. A melhora do desempenho da autarquia no tocante à intervenção fundiária depende dentre outros aspectos da realização de algumas alterações legislativas. Algumas alterações podem ser realizadas através de decreto, e, portanto, estão no âmbito de competência do Executivo, outras já dependem do Legislativo.

Como você avalia as condições de trabalho dos servidores do Incra?

As condições de trabalho melhoraram consideravelmente no governo Lula. A autarquia passou por um processo de fortalecimento. O orçamento destinado ao Incra aumentou expressivamente. Novos concursos foram realizados. Na questão salarial, apesar de alguns avanços, o certo é que ainda existe um déficit em relação a outras carreiras do serviço público federal. Esta é uma questão importante que deve ser corrigida e resolvida para evitar que as carreiras do Incra sejam esvaziadas com a perda de profissionais muito qualificados.

Como você analisa as experiências de Reforma Agrária durante o governo Lula?

Temos convicção que avançamos, mas não com a intensidade e com a qualidade que queríamos. Um aspecto positivo que diferencia o governo Lula é no tocante ao reconhecimento dos movimentos sociais enquanto interlocutores dos trabalhadores rurais organizados.

A questão da terra foi vista como um problema social que deve ser resolvido, não como caso de polícia. Pelo menos no âmbito do Poder Executivo, não se criminalizou os movimentos sociais. Essa compreensão que tem clareza do papel do movimento social é importante ponto de partida para chegarmos a bom termo e soluções efetivas.


Na área jurídica, pode se dizer que avançamos em alguns aspectos que reputo importantes, como a questão da função social da propriedade. Desde o lançamento do 2º Plano Nacional de Reforma Agrária passamos a resgatar o conceito constitucional de função social da propriedade. Passamos a defender a necessidade de dar efetividade ao art. 186 da Constituição em toda a sua plenitude.

Assim, o alvo da Reforma Agrária passou a ser não só o imóvel improdutivo, mas também aquele que seu proprietário descumpre as leis trabalhistas, ambientais e de bem-estar.

O Incra vem sendo orientado para proceder a fiscalização de todos estes aspectos. Até então, a função social era reduzida apenas ao aspecto econômico, de forma que o imóvel considerado produtivo ficava imune à desapropriação-sanção mesmo que a exploração do imóvel se desse em afronta as leis ambientais ou até mesmo com trabalho escravo. Uma interpretação, obviamente, absurda.

Quais suas perspectivas para o próximo período?

Acredito que, com as experiências acumuladas, é possível aperfeiçoar os instrumentos para avançar mais na democratização do acesso à terra e na efetiva realização da Reforma Agrária.

No próximo período, uma área que deve merecer especial e destacada atenção é a que trata do desenvolvimento dos assentamentos.

A questão do desenvolvimento deve ser um dos principais pilares da política de Reforma Agrária. É preciso organizar a produção e articular as cadeias produtivas de forma a gerar renda para as famílias assentadas.

Para isso, uma efetiva Assistência Técnica gratuita e integral é fundamental. A nova Lei da ATER (Lei nº 12.188/10) representa um importante passo nesse sentido. Da mesma forma, o fornecimento de produtos pelos assentados para a merenda escolar representa um avanço significativo e importante (Lei nº 11.947/09).

Enfim, penso que a realização da Reforma Agrária depende de vontade política e uma efetiva atuação dos três poderes da República. Por outro lado, é fundamental a existência dos movimentos sociais organizados reivindicando a efetivação da Constituição da República.