sábado, 19 de junho de 2010

O pragmatismo, a ética e o dever

Por Mauro Santayana


No monólogo da abertura de seu Doctor Faustus, Christopher Marlowe adverte: “Si peccasse negamus, fallimur, et nulla in nobis veritas”. Se não reconhecemos os nossos pecados, nada da verdade existe em nós.

A campanha eleitoral está se transformando em triste confronto entre o pragmatismo e a ética. Uma corrente de humanistas defende o princípio de que o verdadeiro pragmatismo é o que respeita os fundamentos imemoriais da ética. Esse pensamento encontra eco no conselho de que, na dúvida, devemos sempre apostar na honra.

Uma coisa, na construção do poder, é a concessão doutrinária. Para encontrar o centro – e não se governa senão pelo centro – os partidos podem ceder em seus programas e estabelecer pactos em que todos os contratantes ganham alguma coisa para perder outras. Mas há limites para esses acordos, quando envolvem a comunidade, e esses limites estão sendo esquecidos nas candidaturas presidenciais e em quase todas as estaduais.

Tanto o PSDB quanto o PT nasceram do discurso ético. Os dissidentes do PMDB, paulistas e mineiros, que se levantaram contra o poder dos governadores eleitos em 1986, apelaram para a social-democracia, em nome da moralidade política. O PT foi ainda mais autêntico em sua gênese, quando se reuniram os sonhadores com a igualdade social e os defensores dos bons costumes na administração do Estado. De repente, nos dois partidos, a luta por minutos e segundos nos programas de televisão conduz a arriscadas e pecaminosas concessões. Quando o PSDB negocia o apoio de Roberto Jefferson e cata os votos dos seguidores de Arruda no Distrito Federal, e o PT de Minas se vê tangido a apoiar o candidato do PMDB ao governo do estado, os princípios deambulam no deserto, escorraçados pelo ilusório pragmatismo.

O presidente, com todos os seus irrecusáveis méritos, parece estar testando a própria força, e criando obstáculos para ter o gosto de vencê-los. Isso se revela na construção das alianças estaduais, que devem servir de suporte à aliança nacional com o PMDB. Com o PMDB não, com uma parcela dele, que parece ter mais votos – embora tenha abandonado os princípios que lhe deram origem. Mesmo assim, o processo está sendo difícil. Na Bahia, os dois partidos marcham separados. No Rio Grande do Sul, em Santa Catarina e no Paraná, está sendo muito improvável o acordo bipartidário, porque as lideranças regionais do PMDB, entre elas Pedro Simon e Luis Henrique, contestam a direção nacional, e apoiavam a candidatura de Roberto Requião à Presidência da República pelo partido. Requião teve mais de cem votos convencionais, o que não pode ser desprezado. Em São Paulo, o PMDB está dividido entre Quércia, que tem os votos do interior, e Temer, que presume controlar a máquina. Se isso ocorre em quase todos os estados, no caso particular de Minas é muito mais penoso. Depois de obter a aquiescência de Fernando Pimentel – velho companheiro da candidata Dilma Rousseff – para uma aliança formal com o candidato do PMDB ao governo de Minas, a direção nacional do PT se esforça em conseguir concessão bem mais difícil: a concordância de Patrus em aceitar a candidatura a vice-governador.

Patrus tem sido, em sua vida pública, homem de valores sólidos e translúcidos, como os cristais do Espinhaço, em cujas encostas nasceu. Os mineiros sabem que qualquer seja sua decisão, ela não será ditada por uma razão menor.

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