segunda-feira, 29 de julho de 2019

Bolsonaro ataca a memória do pai do presidente da OAB

Se o presidente da república fala nesse tom do pai do presidente da OAB, imagine.
Ele disse que sabia porque o pai de Felipe Santa Cruz havia sido morto pelo regime militar, algo que está sendo investigado há mais de quarenta anos.
Fernando Augusto de Santa Cruz Oliveira era pai do atual presidente da OAB Nacional, Felipe Santa Cruz, que desapareceu na ditadura, porque militava em um dos vários grupos de guerrilha que resolveram pegar em armas para resistir contra o regime.
Na cabeça de Jair Bolsonaro resistir contra a ditadura militar seria algo muito condenável.
De outro lado, o assunto veio à tona para atacar a OAB. Aí o presidente ataca toda a advocacia - porque se trata de questão envolvendo prerrogativas dos advogados.
Desconheço qual presidente de OAB não adotaria a mesma postura, sob pena de cair em desgraça perante seus pares.
Em março, o desembargador do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1) Néviton Guedes atendeu a pedido do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (CFOAB) e da OAB de Minas Gerais e suspendeu apurações sobre a suposta participação do advogado Zanone Manuel de Oliveira Júnior, que defendeu Adélio, no atentado contra o presidente.
Em dezembro, sob justificativa de tentar identificar quem estaria financiando a defesa do autor do atentado, a PF em Minas Gerais cumpriu dois mandados de busca e apreensão em endereços ligados ao advogado.
Foram apreendidos na ocasião livros caixa, recibos e comprovantes de pagamento de honorários e de seu aparelho telefônico.
Na ocasião, OAB interviu contra a ação arbitrária da PF em defesa de prerrogativas da advocacia, conforme a proteção conferida pelo Estatuto da OAB (uma lei federal).
Bolsonaro não compreende o que significa Justiça de Transição nem muito menos prerrogativa de advogados.
Esse é o presidente da república que nós temos. É o mesmo que acabou de falar que a defesa da Amazônia só interessa aos veganos. Uma pérola em cima da outra.

quarta-feira, 10 de julho de 2019

Nova audiência pública sobre o acordo brasil-EUA: a nova retórica do consenso compulsório

É triste ver pessoas e governos de esquerda tergiversando sobre o acordo de salvaguardas tecnológicas Brasil-EUA.

Os artifícios de retórica são inúmeros, para justificar o alinhamento a uma concepção de desenvolvimento, um consenso disfarçado para aderir ao utilitarismo.

O desenvolvimentismo sempre uniu a direita e amplos setores da esquerda, nessa cruzada de acumulação perpétua. Resta evidente que ele fornece guarida para essas acrobacias verbais que justificam o sacrifício dos quilombolas em favor dos milhões de dólares canalizados pela indústria aeroespacial.

Uma dessas armadilhas é o jogo de palavras consistente em dizer-se que ninguém é contra o Acordo de Salvaguardas Tecnológicas (AST).

A outra consiste na separação entre AST e cessão da base espacial para atividades comerciais de lançamento de foguetes, como se fossem coisas completamente distintas e separadas uma da outra.

Fazem longas digressões afirmando que é necessário dar uma utilidade lucrativa para uma base espacial obsoleta e sub-utilizada e que isso por si só justificaria a tramitação do acordo no Congresso, com seus inúmeros e cansativos debates.

Juntam-se nesse ponto de vista perverso esquerda e direita. A esquerda floreando o palavreado, fazendo sinalizações pontuais para uma eventual solução da dívida social histórica, juntamente com o debate do AST. A direita faz ouvidos moucos e vai tocando o acordo assim mesmo.

O acordo é a ponta de lança para os novos deslocamentos. Os militares já deram um novo nome para disfarçar a violência fundiária: "consolidação". Eles já anunciam que vão avançar e expandir a base para o litoral até atingir mais vinte mil hectares, varrendo povoados e uma população de cerca de setecentos quilombolas.

Quando vai se concretizar a tragédia pouco importa. Somente na cabeça de um burocrata de governo reacionário ser expulso de sua casa é questão secundária. As comunidades de Alcântara estão há quarenta anos atormentadas com a perspectiva de novos despejos.

Se alguém diz que o despejo não será para agora o efeito é o mesmo, porque implicitamente está dizendo que vai haver despejo e que o território nunca será dos quilombolas.

Setores da esquerda esquecem que a direita joga esse tipo de isca para pescar os incautos. Se o acordo for aprovado não haverá solução para a questão quilombola.

A oposição ao governo Bolsonaro deve aproveitar o momento para estabelecer como condição pra aprovação do acordo a solução prévia do impasse fundiário.

Se o governo estivesse agindo de boa fé já teria titulado a área, porque todo esse trabalho fundiário já foi efetuado pelo INCRA, sendo que as terras já são públicas e federais.

Portanto, chega de passar o pano, é preciso dizer em alto e bom som que nestas condições SOMOS CONTRA O ACORDO BRASIL-EUA.

Essa tramitação deveria ser suspensa até que a questão do território quilombola fosse resolvida definitivamente.

Os quilombolas vão invocar o ordenamento jurídico nacional e internacional para impedir qualquer deslocamento, com ou sem aprovação do acordo, isso é uma certeza.