domingo, 2 de setembro de 2012

Mensalão: a primeira fatia - Wálter Maierovitch'


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O Padre Antônio Vieira, em sermões, revelava preocupações com a “cleptocracia” que, passado o tempo e num linguajar moderno, virou “república de bananas”. Num Brasil ainda oligárquico convivemos com (1) impunes privatarias, (2) caso abafado de compra de votos de emenda voltada a ensejar a reeleição de FHC e (3) abuso de poder econômico a quebrar a regra da igualdade nas disputas eleitorais e quejandos. É certo que às vezes “surge” uma condenação eclatante ou uma cassação de mandato parlamentar. Isso para dar a falsa impressão de que estamos em um continuado aperfeiçoamento democrático, embora sejam raras as consultas populares como o referendo e o plebiscito.
Nesse contexto apareceram os dois apelidados de “mensalões”, que se diferenciam apenas pelo tratamento diverso conferido ao desmembrado “mensalão tucano” e pelas velocidades distintas nas tramitações processuais. Nesta última semana de agosto e em um julgamento fatiado, réus considerados corruptos restaram provisoriamente condenados no “mensalão do PT”, casos do deputado federal João Paulo Cunha, de Henrique Pizzolato, antigo mandachuva do Banco do Brasil na área de marketing, do publicitário Marcos Valério e dos seus dois sócios, Ramon Hollerbach e Cristiano de Mello Paz.

Como advogados têm dificuldade para tirar leite de pedra, as condenações por corrupções, relativas à primeira fatia do mensalão posta em julgamento, eram esperadas diante da certeza transmitida pelas provas dos autos. Os votos dos suspeitíssimos ministros José Dias Toffoli e Gilmar Mendes, cujas exceções não foram levantadas pelo procurador-geral e pelas defesas, acabaram compensando-se pelas conclusões divergentes a respeito de Cunha.

Todos sabem que os ministros supremos podem mudar os votos antes da proclamação final do resultado. Mas como houve fatiamento da denúncia e se cuidou apenas do seu item terceiro, dificilmente serão alterados os votos lançados publicamente.
Além da venalidade, Cunha encontra-se, até o momento, condenado por apenas um dos dois peculatos irrogados (9 votos a 2). No que toca à lavagem de dinheiro, o julgamento não se completou. E está a depender da ministra Rosa Weber. Com 4 votos absolutórios proclamados (Lewandowski, Toffoli, Peluso e Marco Aurélio), abre-se a Cunha, relativamente à acusação de lavagem de capitais, a possibilidade de interpor embargos infringentes, recurso previsto no regimento interno do STF.
Os embargos infringentes implicam novo julgamento limitado à divergência. Novos relator e revisor são sorteados para­ os embargos, cujo processamento não é rápido. Certamente, quando do julgamento dos prováveis embargos infringentes, o STF não mais contará com Peluso e Ayres Britto, em decorrência das compulsórias aposentadorias em setembro e novembro, respectivamente.

A individualização das penas dos eventuais condenados, conforme ficou convencionado pelos supremos ministros, será feita em item destacado e final. Mas como o ministro Peluso cairá na aposentadoria compulsória e proferiu conclusões condenatórios, ele individualizou as sanções. A propósito e pelos crimes de corrupção e peculato a envolver numerário público, a sanção de Cunha foi fixada acima do mínimo legal, ou melhor, seis anos de pena em regime inicial semiaberto.
O único voto imutável é aquele do ministro Peluso e em razão da sua aposentadoria obrigatória. Nem a sucessora de Peluso (a presidenta Dilma Rousseff parece inclinada a escolher uma mulher), ainda que chegue antes do fim do julgamento, poderá substituir ou mudar o voto. Nem alterar as penas individualizadas.

Depois de semanas de mistério e pressões, Peluso limitou o seu voto ao segmento estabelecido. Portanto, não analisou toda a denúncia. Por não se adiantar ao relator e revisor, evitou o cometimento de uma teratologia procedimental.
Uma decisão absolutória praticamente assegurada refere-se ao ex-ministro Luiz Gushiken. A respeito houve decisão unânime dos ministros e precedida de manifestação absolutória da Procuradoria-Geral. Mais ainda: o terceiro item da acusação já votado não mais será agitado no curso do julgamento das outras fatias do mensalão. Gushiken, é importante frisar, restou até agora absolvido pela chamada fórmula plena, ou seja, induvidosa.

A segunda fatia posta em julgamento refere-se à acusação de crime de gestão fraudulenta do Banco Rural e envolve os réus José Roberto Salgado, Vinicius Samarane, Ayanna de Jesus e Kátia Rabello. Eles são apontados, na denúncia, como integrantes do núcleo financeiro do esquema. O relator, Joaquim Barbosa, pelo que se infere do seu voto, encaminha-se para uma proposta condenatória.

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