As seccionais da OAB foram surpreendidas, na data de ontem, com a publicação da Lei 12.514/2011, a qual, na parte que interessa ao presente artigo,“trata das contribuições devidas aos conselhos profissionais em geral”. Alguns veículos midiáticos se apressaram em noticiar que tal lei seria aplicável às anuidades da OAB, as quais, portanto, a partir de sua publicação, estariam limitadas ao valor de R$ 500 . Essa conclusão precipitada, no entanto, não sobrevive a uma análise mais detida da questão.
Em primeiro lugar, porque a OAB não pode ser classificada como um Conselho Profissional. Sua natureza jurídica diferenciada já foi definida pelo Supremo Tribunal Federal, em controle concentrado de constitucionalidade. Confira-se o trecho pertinente da ementa: "A Ordem dos Advogados do Brasil, cujas características são autonomia e independência, não pode ser tida como congênere dos demais órgãos de fiscalização profissional. A OAB não está voltada exclusivamente a finalidades corporativas. Possui finalidade institucional". (ADIn 3.026. Rel. Min. Eros Grau. Pleno do STF. j. em 08.06.2006).
De fato, a lei 8.906/94, em seu artigo 44, antes mesmo de enumerar as missões institucionais da OAB relativas à seleção, representação, disciplina e defesa dos advogados, atribui à instituição a missão de defesa da Constituição, da ordem jurídica do Estado Democrático de Direito, dos direitos humanos, da justiça social, da boa aplicação das leis, da rápida administração da justiça e do aperfeiçoamento da cultura e das instituições jurídicas, classificando-a como um serviço público independente.
A OAB não é, portanto, uma autarquia, e os débitos relativos às suas anuidades têm natureza civil, e não tributária. Tanto é assim que são cobrados por meio de execução de título extrajudicial, e não por execução fiscal.
Tudo indica que a lei em referência tenha sido editada para superar a exigência, própria do direito tributário, de previsão legal do fato gerador, alíquotas, etc., com relação às demais entidades de representação de categorias profissionais, eis que todas elas (repita-se, à exceção da OAB), são consideradas autarquias, e suas anuidades são classificadas como taxas ou contribuições parafiscais. Mas a OAB, repita-se, não se submete a esse regime. A lei 8.906/94 estabelece o seguinte no artigo 46:
“Art. 46. Compete à OAB fixar e cobrar, de seus inscritos, contribuições, preços de serviços e multas.
Parágrafo único. Constitui título executivo extrajudicial a certidão passada pela diretoria do Conselho competente, relativa a crédito previsto neste artigo”.
Foi com base nesse artigo que o STJ pacificou o entendimento de que as anuidades devidas à OAB têm natureza civil, e não tributária. Sua cobrança, portanto, não segue as exigências próprias dos débitos tributários, tais como a previsão legal, anterioridade, etc.
Superada a questão da (não) submissão da OAB à recém-editada lei, há que se apontar, de modo geral, para sua patente irrazoabilidade.
Ao padronizar os valores de anuidades para todos os Conselhos Profissionais, em todo o território nacional, o legislador deixou de observar que há peculiaridades regionais que devem ser respeitadas. Os Conselhos Profissionais variam enormemente entre si no que toca à proporção de suas estruturas. Além disso, é notória a disparidade relativa ao poder aquisitivo dos trabalhadores que se submetem aos conselhos profissionais, levando em conta aspectos macroeconômicos relativos à região em que atuam.
Por outro lado, o malsinado instrumento legal – caso se entenda aplicável à nossa entidade – realiza uma proeza que nem a ditadura militar ousou realizar: invade a esfera administrativa da OAB, em claro desrespeito à sua autonomia.
Por conta disso, se a lei for aplicada à OAB, os advogados, ao invés de se beneficiarem (como pode aparentar em uma reflexão apressada), certamente sairão prejudicados. Especialmente os inscritos naquelas seccionais que vêm cobrando valores de anuidades superiores ao teto de R$ 500. Essas terão que cortar radicalmente seus gastos. Há, no entanto, atividades mínimas que não podem deixar de ser mantidas, especialmente aquelas definidas no artigo 44, II, da Lei 8.906/94. Certamente, portanto, o corte na receita afetaria os serviços de assistência ao advogado, especialmente o hipossuficiente. No Rio de Janeiro, são inúmeros tais serviços: OAB Século XXI; plano odontológico, escritório compartilhado, ônibus que circulam entre os fóruns, recorte digital de publicações do diário oficial, dentre outros, todos eles rigorosamente gratuitos para os advogados, porém onerosos para a Instituição. O corte também afetaria as receitas das Caixas de Assistência e do próprio Conselho Federal, que sobrevivem dos repasses feitos pelos Conselhos Seccionais.
Vale acrescentar os vultosos investimentos que vimos efetuando no processo eletrônico.
Note-se, ainda, que o artigo 7º determina que não se cobrem valores inferiores a R$ 5 mil e impõe que os Conselhos não executem judicialmente dívidas inferiores a 4 vezes o valor cobrado anualmente a pessoas físicas e jurídicas. Esse limite mínimo traduz flagrante inconstitucionalidade (art. 5º,XXXV da CF) , pois nos despoja da capacidade postulatória. Isso significa, também, que todos os advogados poderão ficar inadimplentes em 4 anuidades e que não serão executados.
Verifica-se, portanto, que a lei foi editada para favorecer os conselhos profissionais que, na falta de lei previsora do valor de suas anuidades, não conseguiam cobrá-las judicialmente. O diploma legal em debate foi editado, pois, para beneficiar a arrecadação dos Conselhos, e não prejudicá-la, o que aconteceria caso aplicado à OAB. Mais um motivo para que não o seja.
Apesar disso, diante da insegurança jurídica já iniciada pelo debate midiático, a OAB-RJ proporá ação declaratória negativa, a fim de obter (inclusive liminarmente) declaração de que não se submete aos ditames da Lei 12.514/2011, sem prejuízo de Reclamação Constitucional para garantir a autoridade do julgamento da ADIn 3.026, caso se aplique tal entendimento em algum processo ou situação concreta. Por fim, indicará ao Conselho Federal a propositura de nova ADIn atacando a lei, a fim de dar interpretação conforme ou decretar nulidade sem redução de texto, excluindo de sua incidência os Conselhos Seccionais e o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil.
____________________________________________________
Revista Consultor Jurídico, 2 de novembro de 2011
Nenhum comentário:
Postar um comentário