terça-feira, 27 de setembro de 2011
Comissão da Verdade gera debate e vontade de justiça
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O atraso de mais de 30 anos no processo brasileiro de encontro com a sua história produziu dois movimentos simultâneos e contraditórios: frustrou expectativas de familiares e atingidos, que esperavam mais, após tantas dificuldades enfrentadas nos sucessivos governos pós-ditadura; e de outro, foi considerado como uma relativa vitória, já que a comissão é mais do que se conseguiu até agora. A reportagem é de Fábio Nassif.
Fábio Nassif
Aprovado no último dia 21 pela Câmara dos Deputados, o projeto de lei 7.376/2010, referente à criação da Comissão da Verdade, aumentou os debates em torno dos crimes cometidos durante o período militar. O atraso de mais de 30 anos no processo brasileiro de encontro com a sua história produziu dois movimentos simultâneos e contraditórios: frustrou expectativas de familiares e atingidos, que esperavam mais, após tantas dificuldades enfrentadas nos sucessivos governos pós-ditadura; e de outro, foi considerado como uma relativa vitória, já que a comissão é mais do que se conseguiu até agora.
O projeto de lei, aprovado por acordo do governo com os partidos da oposição de direita, tem como pano de fundo a condenação do Brasil na Corte Interamericana de Direitos Humanos da OEA, no ano passado. O país foi sentenciado a esclarecer os fatos ocorridos entre 1964 e 1985, período em que as Forças Armadas estiveram no poder. Mas, além da lacuna com relação à responsabilização e condenação dos envolvidos, o texto enviado ao Senado, mesmo que explicitamente direcionado à criação da comissão para apuração dos fatos, tem várias outras fragilidades.
Pontos em debate
A procuradora da República, Eugênia Fávero, acredita que a Comissão da Verdade é, de fato, um primeiro passo, mas é tecnicamente falho. O período de investigação, de 1946 a 1988, é considerado muito extenso, já que o foco deveria ser o período da ditadura militar. “Perde eficiência e objetividade”, segundo ela. A ampliação para 42 anos a serem apurados veio acompanhada pelo estabelecimento do prazo de dois anos para conclusão do trabalho da comissão, igualmente criticado.
Há controvérsias também sobre a composição dos membros da comissão, seja pelos critérios de escolha, pelo número de pessoas ou pelas condições de trabalho. Pelo texto, a nomeação será feita pela Presidência da República. Para Eugenia, “deveria haver algum tipo de seleção de escolha, algum procedimento mais transparente e com base em dados objetivos”. Além disso, a procuradora chama a atenção para o fato dessa comissão ser demissível ad nutum, ou seja, pelo simples desejo da chefe de governo.
Umas das assessoras que ajudou a elaborar o anteprojeto de lei, a cientista política Glenda Mezarobba, considera o projeto bastante razoável. Diante da ausência de proibição explícita da indicação de militares para a comissão, Glenda acha que “naturalmente não se deve contar com nenhum dos envolvidos no conflito. Não deve haver nenhum militar na comissão”.
A pesquisadora da Unicamp não vê problemas no número de sete
pessoas da comissão que vem sendo criticado, pois ela deve se basear num grupo muito maior de trabalho e deve contar com o apoio de outros setores, e firmar parcerias com universidades e ministérios.
Maria Amélia Telles, representante da Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos, torce para o sucesso da Comissão da Verdade, mas considera o projeto frágil. Em primeiro lugar, ela critica que “os militares foram consultados amplamente, mas os familiares de ex-presos políticos e as pessoas que foram afetadas pela ditadura não foram sequer consultadas.”
Justiça
Outras críticas são levantadas por Amelinha, como é conhecida. Ela faz questão de afirmar seu compromisso na luta pela responsabilização e punição dos criminosos da ditadura. A dificuldade está colocada porque o Estado brasileiro e seus representantes se acomodam à ideia de o único caminho possível para apuração da verdade é a impunidade – o esquecimento dos crimes do estado já era, em 1979, o espírito da Lei de Anistia promovida pelos militares. “Cabe a nós familiares sempre o ônus da luta, da crítica, da denúncia, da busca”, opina ela.
A esperança de que a Comissão da Verdade consiga ser um passo efetivo na explicação deste período da história brasileira não substitui, para boa parte daqueles que militam essa causa, a vontade de que a justiça também seja pedagógica, condenando aqueles que violaram flagrantemente os direitos humanos em nome do Estado.
Os familiares de mortos e desaparecidos devem continuar apresentando seus casos à justiça. O Brasil deve correr para responder à OEA até dezembro. E Amelinha, diante da forma e do conteúdo do projeto questiona: “Será que as autoridades brasileiras ainda temem a volta dos militares?”.
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