quinta-feira, 28 de outubro de 2010

A política externa do governo Lula

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27 outubro 2010
Por Marcos Rogério de Souza e Ricardo Leite Ribeiro
No que diz respeito à Política Externa, as diferenças entre o Governo tucano de FHC e o Governo petista de Lula são enormes. Nos últimos 8 anos, baseados em uma correta compreensão da correlação internacional de forças e na crença permanente no potencial do Brasil, os condutores da política externa nacional enfrentaram com altivez os grandes temas que afligiam o Brasil. Alguns dos melhores momentos da Política Externa do Governo Lula, a ser mantida por Dilma Rousseff:
ALCA
Foi definitivamente enterrada a Área de Livre Comércio das Américas (ALCA), que prejudicaria enormemente os países da região pois significaria o estabelecimento de uma área preferencial hemisférica em detrimento da autonomia na formulação de suas políticas econômicas – além de, politicamente, garantir a hegemonia dos EUA sobre a América Latina. O governo FHC parecia inclinado a buscar algum tipo de acordo com os EUA, que permitisse a entrada em vigor da ALCA, apesar da pressão popular, de movimentos sociais (a CNBB chegou a organizar plebiscito sobre o tema) e de setores da indústria nacional. Em seu lugar, o Governo do PT ajudou a formar a União das Nações Sul-Americanas, a UNASUL.
G-20 AGRÍCOLA E O G-20 FINANCEIRO
O Brasil, ao lado de países subdesenvolvidos e em desenvolvimento, foi capaz de resistir ao domínio da agenda que exerciam Europa e EUA na Organização Mundial do Comércio (OMC) – em um raro momento da história dessa entidade. A Rodada Doha de negociações da OMC encontrou a firmeza de propósitos do G-20: um grupo que transformou a própria lógica dos arranjos políticos daquela organização e que teve o Brasil como um dos seus protagonistas. Unidos, os países do G-20 foram capazes de fazer frente aos interesses dos países desenvolvidos, que buscavam uma maior desregulamentação dos setores industriais, sem colocar em debate as iniquidades do comércio agrícola. Cordial, mas contestadora, a diplomacia brasileira agiu no sentido de unir os países em desenvolvimento afetados pelo protecionismo e pelos subsídios agrícolas do Primeiro Mundo.
O processo de substituição do G-8 pelo G-20 financeiro, instância política agora responsável pela definição do quadro normativo mais geral do sistema financeiro internacional, contou com a participação ativa do Governo brasileiro. Por definição mais inclusivo, o G-20 é resultado da convicção do Brasil e de outros países em desenvolvimento sobre a necessidade de um novo espaço internacional de deliberação – agora não exclusivo de alguns poucos países poderosos. Nas reuniões do G-20, o Brasil ocupa hoje uma posição protagonista, enquanto antes éramos convidados a discutir apenas quando os debates fundamentais já haviam sido travados. Foi na reunião do G-20 de Londres, no dia 02/04/09, que Obama reconheceu a importância do Brasil, dizendo que o Presidente Lula “é o cara”.
MAIOR PRESENÇA DO BRASIL NO MUNDO
Novas embaixadas brasileiras foram abertas ou reabertas em capitais da África e da Ásia. Em seus 8 anos de mandato, a gestão do Presidente Lula dobrou o número de Embaixadas brasileiras na África (Estado de São Paulo, 08/07/10), além de estabelecer a cooperação e a solidariedade como as coordenadas da relação do Brasil com esses países – por exemplo, com a abertura de escritório da EMBRAPA em Gana e da FIOCRUZ em Moçambique. A maior articulação política entre os países do Sul alavanca nossa capacidade de barganha frente às potencias ocidentais, garante informação de primeira-mão em ambientes cada vez mais cruciais para o desenvolvimento econômico mundial e contribui para o desenvolvimento sustentável desses países, interessante para o Brasil no longo prazo.
Pela primeira vez na história, o Brasil participou ativamente da organização de 2 Cúpulas América do Sul – Países Árabes, tendo ocorrido a primeira reunião em Brasília, em 2005 (http://www2.mre.gov.br/aspa/). Essas cúpulas reúnem 22 países árabes e 12 países sul-americanos e abriram um campo inédito para o engajamento da sociedade brasileira, resgatando uma importante herança constitutiva de nossa nacionalidade e cultura. Ademais, essa iniciativa inseriu o Brasil e a América do Sul num jogo que é definidor do escopo de ação das grandes nações no mundo hoje. Como consequência, o Brasil tem sido constantemente convidado a participar dos esforços globais para se encontrar uma solução pacífica para os conflitos na região. O fato de o Brasil ter sido convidado, em 2007, para participar da Conferência de Annapolis – cujo objetivo era retomar o processo de paz no Oriente Médio – é sintomático desse maior protagonismo brasileiro. Outro fato relevante é a abertura, em 2004, de Representação Diplomática brasileira na Palestina, ao mesmo tempo que mantivemos aberta nossa Embaixada em Israel.
COMBATE À FOME e AJUDA HUMANITÁRIA
Em 2003, poucos meses depois de assumir o cargo, durante reunião do G8, em Evian, na França, o Presidente Lula (designado como representante da América do Sul) apresentou plano de combate à fome e proposta de converter 20% do serviço da dívida do mundo em recursos para financiar infra-estrutura de países subdesenvolvidos e em desenvolvimento. Diante da monopolização da agenda internacional pela temática do combate ao terrorismo – o que se realizou nas guerras Bush contra o Iraque e o Afeganistão – a política externa brasileira voltou-se para a superação da miséria e do subdesenvolvimento, entendendo que sem isso não há paz possível.
Nos últimos 8 anos, o Brasil buscou articular assistência humanitária emergencial com o desenvolvimento social sustentável. Assim, a assistência humanitária brasileira vem adicionando às ações emergenciais uma dimensão estruturante, na medida em que busca promover tanto a segurança alimentar e nutricional de populações vulneráveis quanto a prevenção e a redução de riscos de desastres – por exemplo, por meio do estímulo à aquisição de produtos locais, inclusive da agricultura familiar, como forma de estimular pronta retomada da economia local. Em 2006, foi criado o Grupo de Trabalho Interministerial sobre Assistência Humanitária Internacional, coordenado pelo Ministério das Relações Exteriores e conformado por mais 14 Ministérios. De 2006 a 2009, mais de 35 países receberam assistência humanitária do Governo brasileiro em resposta a calamidades como desastres naturais, conflitos internos, epidemias e fome aguda (http://www.itamaraty.gov.br/temas/acao-contra-a-fome-e-assistencia-humanitaria/assistencia-humanitaria). O êxito da ajuda humanitária do Brasil a países como o Haiti, o Iraque e o Sudão, entre outros, é exemplar de sua atitude solidária no mundo.
IBAS e BRICS
O Brasil, novamente ao lado de países parceiros, agiu no sentido de viabilizar a formação de novos grupos políticos capazes de reinserir o Brasil no mundo de forma mais soberana e de promover os seus interesses sem idealismos estéreis. O IBAS, articulação internacional de Brasil, Índia e África do Sul, representa um projeto de concertação política fundada em valores democráticos comuns e na consciência crítica do lugar que tais nações ocupam na hierarquia de poder do mundo. O BRIC, grupo que reúne Brasil, Rússia, Índia e China, busca explorar áreas de cooperação entre grandes economias em desenvolvimento que tendem, permanecendo no rumo certo, a exercer cada vez mais influência na economia política e econômica no sistema global.
DEFESA DO MEIO AMBIENTE
O Brasil tem exercido papel de crescente importância nos debates sobre meio ambiente e desenvolvimento sustentável e não poderia ser diferente. O território brasileiro abriga 12% da reserva hídrica mundial, 5,4 milhões de Km² de florestas – 27,5% das florestas tropicais do mundo. E esse rico substrato acolhe a maior biodiversidade da Terra, aproximadamente 20% das espécies da flora e da fauna mundiais.
Os desafios são enormes e o Brasil está engajado nas negociações internacionais nessa área, sempre a partir de uma perspectiva de cooperação, transparência, direito ao desenvolvimento e respeito à soberania. Um exemplo do compromisso do atual Governo com o meio ambiente foi a apresentação, na última Conferência das Partes da Convenção-Quadro sobre Mudança do Clima, em dezembro de 2009, de metas nacionais de redução de emissões de gases de efeito estufa. O Governo se comprometeu a, até 2020, reduzir nossas emissões em 36,1 a 38,9%, sem condicionantes, além do compromisso de diminuir o desmatamento na Amazônia em 80%, também até 2020. O Brasil foi um dos poucos países a apresentar metas concretas e sem condicionantes naquela reunião, servindo de modelo para os demais países.
NOVO PATAMAR PARA A AMÉRICA-LATINA
Ao lado dos seus vizinhos sul-americanos, em 2004, o Brasil criou a União das Nações Sul-Americanas (UNASUL). Esse projeto deu expressão concreta ao desejo de integração física e cooperação política dos povos de nosso continente, além de representar uma resposta à ALCA e ao projeto de integração regional subordinada aos Estados Unidos. No seu âmbito, já foram criados os Conselhos de Defesa e de Saúde para o continente, dotando o projeto de densidade e importância.
A primeira Cúpula dos Estados da América Latina e do Caribe (de 2009, na Costa do Sauípe, Bahia) constituiu novo espaço de discussão valioso de um grupo de nações que se vê em situação similar no contexto de globalização econômica e cultural, e em posição semelhante diante da riqueza de seus vizinhos ao norte. Surpreendentemente, foi a primeira vez na história que os países da América Latina se reuniram sem a presença dos EUA.
Nos oito anos do governo Lula, a integração regional deixou de ser tratada como assunto meramente comercial, como era com a dupla Menem-FHC. No caso do Mercosul, houve grande ênfase na dimensão social do bloco, com a criação do Instituto Social do Mercosul (ISM), da Comissão de Coordenação dos Ministros de Assuntos Sociais (CCMAS), além da elaboração do Plano Estratégico de Ação Social (PEAS). Hoje, o Brasil, ao lado dos outros países do bloco, fortalece a ideia de cidadania mercosulina: é o Estatuto do Cidadão do Mercosul, que amplia os direitos dos cidadãos da região e consolida o conceito de cidadania regional.
PARTICIPAÇÃO DO BRASIL NA ONU
No Conselho de Segurança das Nações Unidas, O Brasil acreditou na sua capacidade de negociação e em sua competência diplomática. O Brasil atuou com coragem e independência. Com efeito, o Brasil foi chamado, (de novo) pela primeira vez na história, a participar como protagonista na negociação de temas centrais da agenda internacional – como a questão ambiental e nuclear. No que diz respeito à questão nuclear, por exemplo, o resultado foi um acordo entre Brasil, Turquia e Irã (a Declaração de Teerã) que será lembrado sempre como tentativa digna de evitar a guerra no Oriente Médio. O Brasil, ao lado da Turquia, rompeu com a lógica da oposição belicista entre EUA e Irã e provou que havia uma alternativa à guerra. Em um momento de indefinição do cenário internacional, a ação brasileira constitui exemplo de que é perfeitamente possível discutir racionalmente os problemas mundiais e de que uma atitude de cooperação é mais produtiva que a arrogância dos ultimatos.
VALORIZAÇÃO DO ITAMARATY
Apesar de todo o discurso a favor da meritocracia e dos funcionários de carreira, o Governo FHC retirou do Itamaraty grande parte de sua importância estratégica na formulação e execução da política exterior brasileira. Reconhecendo a excelência do Itamaraty e valorizando a formação e experiência dos diplomatas brasileiros, o Governo Lula acabou com a nomeação de Embaixadores fora da carreira diplomática e designou para Chanceler um diplomata. Essa atitude denotou uma preocupação com a valorização do profissionalismo da diplomacia e o reconhecimento de que a política externa deve ser orientada não por casuísmos, mas pelos interesses nacionais de longo prazo. [O Gov. Lula tinha Embaixadores indicados no primeiro mandato; hoje, não mais].

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* Marcos Rogério de Souza é mestre em direito pela UNESP, Professor de Direito Constitucional e Assessor Jurídico no Senado Federal (mrogeriodh@gmail.com).
** Ricardo Leito Ribeiro é mestrando em direito pela USP e Assessor Jurídico no Senado Federal (ricardoleiteribeiro@gmail.com).

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