quinta-feira, 2 de janeiro de 2014

Sobre relatórios e presos provisórios

A maior taxa de encarceramento da população negra no país é a do Maranhão (29,1%). Para não dizer que não falamos de números proporcionais à quantidade de negros em cada Estado, estamos bem acima da Bahia (com 23,5%).

No Maranhão, os presos de 18 a 24 anos representam 35% da população carcerária. Perdemos para o Amapá (44,8%) Acre ( 38,4% ), Sergipe (35,7%) e Amazonas (35,3% ).

Apesar de termos criado 274 vagas, de 2011 para 2012, temos um déficit de 2.022 vagas. O total da população carcerária do Maranhão subiu para 4.241 presos. Apenas 4,9% desse total são mulheres.

Com a população carcerária menor que a nossa, temos poucos Estados. São eles:  Alagoas (4.153), Sergipe (4.130), Acre (3.545), Piauí (2.927), Amapá (2.045), Tocantins (2.100) e Roraima (1.769). O Paraná como exemplo a ser seguido, tem apenas 12, 2% de presos provisórios.

Da massa carcerária 55, 1% são presos provisórios no Maranhão (são 2.336 presos ).  Acima disso, temos o Amazonas (62,7%), Mato Grosso (53,6%), Minas Gerais (58,1%), Pernambuco (62,6%), Piauí (65,7%) e Sergipe (62,5%).  Portanto, ao contrário do que afirma a AMMA, estamos entre os sete Estados onde o número de presos provisórios e maior do que o número de presos definitivos. Estamos acima da média nacional, portanto.

Esses dados constam do 7º Anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, publicado em 2013.

Em reportagem, não muito distante no tempo (no dia 09 de dezembro de 2012, para ser mais exato), o desembargador Froz Sobrinho, Coordenador da Unidade de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário (UMF) do Tribunal de Justiça do Maranhão (TJMA), declarou que "atualmente 57% dos presos estão aguardando julgamento, muitos deles em delegacias, unidades que não são adequadas para manutenção de detentos". Clique aqui, para ver.

Portanto, eu não entendi porque a AMMA se encrespa tanto quando se fala em presos provisórios no Maranhão. Especialistas do país inteiro comungam do entendimento de que o crescimento do número de presos provisórios no país (não apenas no Maranhão), reflete a pouca efetividade da nova lei de cautelares no processo penal (Lei 12.403/2011). É claro que isso diz respeito ao Poder Judiciário - também.

Também por quê? Porque as novas possibilidades que lei prevê para a garantia do processo, sem a necessidade da prisão do acusado, envolvem não apenas a mudança de mentalidade dos juízes. Diz respeito também à estrutura dos Estados, como é o caso do monitoramento eletrônico.

Não há ninguém bem informado que diga que as taxas elevadas de presos provisórios não estejam relacionadas também com a morosidade judicial e a não efetivação das garantias processuais para determinados perfis de acusados, via de regra, os mais pobres.

Claro que algumas autoridades podem se incomodar com tais informações, porque mantém atualizados os seus processos onde figuram presos provisórios, apesar das dificuldades estruturais. É caso de vários juízes da Capital, onde esse problema não aparece. Deve haver juízes do interior também com a mesma capacidade. Mas isso não foi suficiente para colocar o problema em padrões razoáveis, ainda, reconheçamos. Na média geral, existem defeitos.

Também não podemos dizer que caminhamos para o pior, em que pese a matança em andamento. Já viemos de taxas de cerca de 70% de presos provisórios. Mutirões e o empenho de juízes, como Fernando Mendonça, Douglas de Melo Martins, no início, jogaram tais índices para baixo. A criação da Unidade Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário (UMF) do Tribunal de Justiça do Maranhão (TJMA) também aproximou o Estado das orientações do CNJ.

Hoje, temos o reforço do Juiz Roberto de Paula e ainda contamos com Douglas de Melo na assessoria do CNJ, além de contarmos hoje com Promotores atuantes nas varas de execuções da capital. Todas essas nuances são melhor explicitadas quando se tem espaço e ambiente para a reflexão. Em função do excessivo corporativismo das instituições, por vezes somos cobrados a falar panoramicamente quando se questiona um tema pontual, num espaço curto para intervenção.

Fala-se agora do últimos relatório do CNJ, subscrito pelo Juiz Douglas de Melo Martins. Em que pese o vídeo cedido pelo sindicato dos agentes penitenciários (cujo propósito deve ser objeto de investigação policial), em nada muda no cenário atual, posto que temos à disposição vídeos e fotografias até mais cruéis, envolvendo o sistema prisional do Maranhão.

Esse vídeo foi mais uma round na disputa entre um segmento dos agentes penitenciários e Sebastião Uchoa, que só atrapalha a solução do problema. Uma tentativa de induzir a equívoco o juiz Douglas de Melo Martins, sem nenhum efeito prático sobre o conteúdo estrutural do relatório do CNJ.

Não seria honesto agora o Poder Executivo também querer se esconder atrás de um vídeo, que não se refere à realidade prisional do Estado, para negar que o problema é grave e exige pronta intervenção, para fazer cessar a matança. E observo que conheço o pensamento de Sebastião Uchoa, a respeito do assunto. Posso afirmar com traquilidade que, embora possa ter se expressada mal, sabe que o problema dos presos provisórios não é a única e exclusiva causa do problema prisional.

De igual forma, é importante ressaltar que a presença de organizações criminosas no interior do presídios é uma realidade inafastável. A ocorrência de estupros e extorsões no nosso sistema também fazem parte da nossa realidade. 

Portanto, o relatório não criou a realidade. Não forjou fatos. Pelo contrário, apenas confirma tudo o que está sendo denunciado historicamente a respeito do sistema prisional maranhense. E a morte de hoje apenas corrobora o que foi ali escrito, por um dos juízes mais eficientes que já vi nesta área. E o primeiro passo para a mudança dessa realidade sem dúvida é a abertura de novas vagas - responsabilidade primordial do Poder Executivo.

Constatar tudo isso não quer dizer que não se possa exigir reformulações no sistema como um todo, incluindo no Poder Judiciário.

Em suma, o debate exige reflexões cada vez mais apuradas. Não pode ser feito no afogadilho, a partir das suscetibilidades de corpo de cada instituição.

Um comentário:

Kelé disse...

Este é um bom e atual debate da sociedade brasileira e em especial a nossa e em todos os dados do depem apontam quem são os nossos presos, pobres, pretos e periferia, com idade muito baixa, assim como sua escolaridade e com alto indice de delitos de baixo poder ofensivo e comungo com o ministro da Argentina Zafarone cada país-Estado decide politicamente quem são seus presos e que quantidade e velocidade se prende e isto tem haver com os poderes constituidos executivo,judiciário e legislativo ou não.