quinta-feira, 9 de maio de 2013

"É o projeto da vergonha nacional", diz vice-presidente do Conselho Federal de Psicologia sobre a "cura gay"

Deputado Feliciano volta a levantar polêmica ao colocar projeto de tratamento de homossexuais em pauta

Uma nova polêmica envolvendo o deputado federal Marco Feliciano (PSC-SP) provocou a ira dos psicólogos. Ele decidiu incluir na pauta da próxima reunião da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, presidenciada por ele, a votação do chamado projeto de "cura gay".
O Projeto de Decreto Legislativo (PDL) 234/11 — encaminhado pelo tucano João Campos (PSDB-GO) tem como objetivo barrar uma norma da Resolução do Conselho Federal de Psicologia (CFP), de março de 1999, que impede os profissionais da área de sugerir aos pacientes tratamentos que busquem a cura da homossexualidade.
Clara Goldman, vice-presidente do Conselho Federal de Psicologia (CFP) classifica o debate como vergonha nacional. Confira trechos da entrevista concedida por telefone a Zero Hora:

MURAL: O que você acha da decisão?
Zero Hora — Qual é a posição do Conselho Federal de Psicologia sobre o projeto que entrará na pauta da próxima reunião da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, com a votação do chamado projeto de "cura gay"?
Clara Goldman — Este projeto extrapola a função do parlamento uma vez que se refere a uma resolução de um determinado segmento profissional. É uma resolução que tem quase 10 anos em vigor e nunca foi observado nenhum prejuízo social no seu cumprimento. Nós precisamos entender definitivamente neste país que não pode haver cura para uma enfermidade que não existe. É uma resolução apenas que ressalta algo que a Organização Mundial da Saúde (OMS), há mais de 20 anos, já tirou do conjunto das patologias. Ela não restringe o exercício profissional, principalmente porque hoje nós sabemos a importância de que a sociedade possa desenvolver estratégias de enfrentamento do preconceito. Este é o princípio fundamental: uma sociedade livre de preconceito, livre de ódio. O que acontece? Existe um movimento orquestrado no sentido de empurrar a psicologia para a adoção de práticas de terapias de reversão, que são terapias que se prestam a erroneamente oferecer a cura da homossexualidade. Somos contra a qualquer método ou técnica que venha recolocar a homossexualidade na condição de doença. O que estamos ressaltando é o argumento da tentativa de liberação, que a resolução caia para que setores conservadores fundamentalistas possam tentar colocar em prática uma terapia que é condenada pela OMS, inclusive com riscos severos de mais sofrimento psíquico, suicídio, enfim. Então, esta terapia de reversão é uma terapia homofóbica, porque não tem a leitura correta do que significa o livre direito humano da orientação sexual.
ZH — Quando a senhora fala em um movimento orquestrado, está se referindo a que especificamente?
Clara — O movimento de pessoas que querem trazer para a centralidade da atuação psicológica a terapia de reversão. O conselho não pode permitir que psicólogos pratiquem terapia de reversão.
ZH — A senhora se refere especificamente a este projeto ou está incluindo aí outros setores?
Clara — Eu tenho que falar hoje do PDC, porque é um dispositivo que tenta subverter uma resolução que é o patrimônio político de uma categoria. Essa resolução é fruto da opinião da psicologia através dos seus congressos nacionais, foram indicadores sistemáticos de que teríamos de cuidar para que estas terapias de reversão não ocupassem o cenário das possibilidades que a psicologia tem de apoiar as pessoas independente das possibilidades. A terapia de reversão não se sustenta nem do ponto de vista científico, nem do ponto de vista ético.
ZH — A senhora classificou a terapia de reversão como homofóbica. Acha que isto pode surtir efeito negativo em uma sociedade que já avançou tanto no tema da homossexualidade?
Clara — Para a sociedade, para os homossexuais, para o reconhecimento do Brasil internacionalmente como um país que superou o arbítrio, que superou as tentativas hegemônicas de controle. O Brasil vive uma democracia. Este projeto aprovado, é o projeto da vergonha nacional. O parlamento estará aprovando a perseguição das pessoas homossexuais.
ZH — O deputado Feliciano disse hoje nas redes sociais que "a mídia divulga um Pl como "cura gay" quando na verdade ele não trata sobre isso até porque homossexualidade não é doença". Qual é a sua opinião?
Clara — Não. É a tentativa da cura gay mesmo. É preciso que vocês explicitem para a sociedade e perguntem ao Feliciano quais são os setores deste país que defendem terapia de reversão e cura gay. Com certeza não são os homossexuais, não são os militantes dos direitos humanos, não são os conselhos profissionais, não é a mídia, não é a imprensa. Ele que tem que mostrar a cara. Ele que tem que dizer qual é o setor que ele representa e o que defende.
ZH — Para a senhora seria uma incoerência este projeto tramitar em uma comissão de direitos humanos?
Clara — Absolutamente inadequado.
ZH — O conselho recebeu a notícia do projeto em pauta com preocupação?
Clara — Nós temos um parecer que foi entregue a todos os deputados de várias comissões, que rebate item a item este PDC, temos manifestos e toda a mobilização da categoria, mas é preciso que os parlamentares caiam em si, para perceber a função que hoje tem o parlamento brasileiro de preservar a democracia que foi conseguida a duras penas.

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