quinta-feira, 10 de maio de 2012

Mineração e Hidrelétricas em Terras Indígenas


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Mineração em terra indígena avança na Câmara

Por André Borges | VALOR

De Brasília
As reservas indígenas do país poderão ter suas portas abertas para a exploração de recursos minerais, uma prática que hoje é proibida por lei. O tema polêmico ficou no limbo durante quase duas décadas, mas voltou à baila no início deste ano, com a retomada pelo Congresso do Projeto de Lei 1.610, que trata da mineração em terras indígenas. Uma Comissão Especial foi criada na Câmara para tratar exclusivamente do assunto, em discussão na Casa desde 1996. A previsão é que um substitutivo do texto original seja votado e encaminhado ao Senado na primeira quinzena de julho, para depois seguir à sansão presidencial. A proposta, se for adiante tal como está, tem tudo para alterar radicalmente a fotografia da exploração mineral no país.
Pelas novas regras, a entrada de empresas nas terras indígenas fica condicionada ao pagamento de royalties aos índios que tiverem áreas afetadas pela lavra. A empresa que explora o minério tem de desembolsar aos índios algo entre 2% e 3% da receita bruta aferida no negócio durante todo o tempo de exploração. Para administrar esse dinheiro, será criado um fundo específico de captação. A gestão dos recursos e dos repasses que serão feitos aos índios fica nas mãos de um conselho administrativo formado por representantes do governo, da Fundação Nacional do Índio (Funai), do Ministério Público Federal e da população indígena afetada.
A proposta em andamento também altera o modelo de autorização para exploração mineral. Hoje, a permissão de lavra é dada pelo Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) ao primeiro empreendedor que apresentar o estudo técnico e o pedido de exploração da área, isto é, o critério é a ordem de chegada. No caso das reservas indígenas, essa exploração ficaria condicionada à realização de leilões. A empresa interessada teria de ganhar uma concessão para explorar a região, a qual teria a sua viabilidade exploratória atestada por levantamentos preliminares feitos pelo governo. A licitação das áreas só ocorreria após a realização de audiências com as comunidades indígenas e a emissão de laudos antropológico, ambiental e mineral, além da emissão da Licença Ambiental Prévia concedida pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama).
Outro ponto polêmico trata dos critérios de decisão sobre as áreas que poderiam ser ou não exploradas. Ficou estabelecido que terras indígenas ocupadas por aldeias que nunca foram contatadas devem ser mantidas como estão, sem nenhum tipo de ação exploratória. Em todas as demais, porém, a palavra final sobre a possibilidade de execução de lavra seria dada pelo Palácio do Planalto. Na prática, significa que os índios sempre seriam ouvidos e teriam espaço para apresentar seus pedidos de compensação para liberar a terra, mas não teriam poder de veto sobre a execução de um projeto.
A Funai apoia a proposta. “Acompanhamos o assunto de perto e esperamos que essa solução saia neste ano”, diz Aloysio Guapindaia, diretor do Departamento de Promoção ao Desenvolvimento Sustentável da Funai.
Mesmo com as resistências que o assunto enfrenta (ver texto abaixo), o relator do projeto original, senador Romero Jucá (PMDB), afirma que a proposta tem tudo para ser aprovada já no próximo semestre. “O projeto está maduro, o governo acompanha esse assunto de perto e o Ministério de Minas e Energia defende a regulamentação”, diz.
Para o relator do projeto atual na Câmara, deputado federal Édio Lopes (PMDB-RR), a proposta conseguiu alcançar um “ponto de equilíbrio” entre o interesse nacional e as demandas indígenas. “Pela primeira vez, temos uma grande possibilidade de aprovarmos essa matéria. Está na hora de regularizar a mineração em terras indígenas. O país não pode mais prescindir desse potencial, sobretudo no arco Norte do país”, comenta.
Nesta semana, a Comissão Especial de Mineração da Câmara foi até São Gabriel da Cachoeira (AM), para realizar um seminário sobre o assunto com a comunidade indígena. No dia 11, os parlamentares estarão no município de Presidente Figueiredo, também no Amazonas. No fim de semana, seguirão em viagem até o Canadá, país onde o modelo de exploração de terras indígenas mediante o pagamento de royalty já é aplicado há muito tempo. A ideia, segundo o deputado Padre Tom (PT-RO), é colher detalhes do modelo canadense para aprimorar a proposta do país.
O Brasil tem hoje 608 terras indígenas demarcadas, áreas que somam 109 milhões de hectares, o equivalente a 13% do território nacional. Desse total, 98% estão concentrados na chamada Amazônia Legal, área que envolve os Estados do Acre, Amazonas, Roraima, Pará, Amapá, Tocantins, Mato Grosso, Rondônia e parte do Maranhão.
O Estado de Roraima, por exemplo, tem quase metade de seu território dentro de reserva indígena. No Amazonas, essa fatia é de 20%. O censo demográfico realizado em 2010 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) aponta que 817 mil pessoas se declararam indígenas, o que equivale a 0,42% da população do país. O número superou em 11% o volume registrado no censo de 2000.

Tema pode esbarrar no Judiciário

Por De Brasília
A liberação das reservas indígenas para a mineração ainda não é um consenso no governo e tudo indica que haverá dificuldades para levar a proposta adiante. O próprio presidente da Comissão Especial de Mineração na Câmara, deputado Padre Tom (PT-RO), admite que o governo ainda não assumiu claramente o ônus político que o projeto pode gerar, principalmente em um momento em que se aguarda uma definição sobre os rumos do Código Florestal e do próprio Código da Mineração, que promete alterar substancialmente as regras e os encargos pagos pelas empresas na extração de minérios.
“É preciso que o governo tome uma postura decisiva. O Ministério de Minas e Energia já informou que é absolutamente favorável, mas falta uma definição mais clara do Ministério da Justiça [que controla a Funai] e também da Casa Civil”, comenta o deputado Padre Tom. A Funai é favorável à regulamentação, segundo Aloysio Guapindaia, diretor do departamento de promoção ao desenvolvimento sustentável da fundação. A Casa Civil foi procurada pelo Valor, mas não enviou um posicionamento sobre o assunto até o fechamento desta edição.
O receio dos parlamentares, principalmente aqueles da bancada ruralista, é de que a proposta tenha o mesmo desfecho de outras disputas polêmicas que já envolveram terras indígenas, como a demarcação contínua da reserva Raposa Serra do Sol, em Roraima. O deputado Édio Lopes, que agora relata o novo texto PL 1.610, foi um dos opositores da demarcação contínua da Raposa Serra do Sol. Em 2009, o Supremo Tribunal Federal (STF) determinou que arrozeiros e fazendeiros que viviam na terra indígena deixassem a área de 1,7 milhão de hectares, o equivalente a 12 vezes o tamanho da cidade de São Paulo.
Na semana passada, o STF chegou a mais uma conclusão em favor dos índios, derrubando títulos de propriedades que foram dados a fazendeiros e agricultores no Sul da Bahia. Em sua decisão, o STF reconheceu o direito dos índios de ocuparem os 54 mil hectares de uma região que, segundo a Funai, faz parte de uma reserva indígena, embora não estivesse homologada.
Seja qual for a decisão final sobre a exploração mineral nas reservas, é certo que o caminho deverá estar repleto de brechas para disputas judiciais. Para o Conselho Indigenista Missionário (Cimi), organização vinculada à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), a abertura das reservas à mineração irá potencializar os conflitos com as aldeias. “Somos contrários a essa proposta. Na prática, o que vemos é que essa condição de pagamento de royalty ao índio é tão ou mais danosa que a própria extração do minério”, diz Cleber Buzatto, secretário-executivo do Cime. “Essa condição mexe profundamente com a cultura do povo indígena e cria uma série de dependências. Nós não temos sequer noção das consequências que isso pode gerar no futuro.”
Na realidade, a aprovação do PL 1.610, segundo Buzatto, seria uma tentativa de driblar o que estava previsto numa regulamentação anterior, que altera o estatuto do índio. O Projeto de Lei 2.057, em tramitação há 21 anos, trata da questão da mineração em um de seus capítulos e garante ao índio a decisão final sobre a autorização da lavra. No texto atual do PL 1.610, esse poder de veto indígena foi retirado, uma imposição que os índios não estão dispostos a acatar.
“Não somos contra a discussão da mineração e estamos abertos ao debate até que essa consulta ampla chegue a toda comunidade, mas precisamos ter assegurada a garantia de nossos direitos”, diz Kleber Luiz Santos Karipuna, liderança indígena no Amapá. “Quem quiser dizer sim à mineração, que diga com tranquilidade. Quem quiser dizer não, que tenha respeitada essa posição.”
A falta de entendimento sobre o assunto e a dificuldade de debatê-lo com as comunidades também incomoda Francisca Novantina Ângelo, lider indígena no Mato Grosso. “Queremos participar efetivamente para ter clareza sobre o que será feito. É um tema de difícil compreensão para o movimento indígena, que não tem o domínio técnico e político da discussão e, por isso, pode ser prejudicado”, diz.
Mais contundente ainda é a posição da Articulação dos Povos Indígenas Brasil (Apib). “Estamos sendo pressionados para dizer sim a esse projeto, e não para participar de um debate. E se dissermos não? Nós seremos respeitados?”, questiona Rosane Kaingang, representante da Apib. (AB)

Projeto libera instalação de usinas hidrelétricas na Amazônia

Por De Brasília
O interesse do Ministério de Minas e Energia (MME) em destravar o acesso às reservas indígenas não está restrito à exploração de recursos minerais. Os grandes rios da Amazônia, região que concentra 98% das terras indígenas do país, são a próxima fronteira de geração de energia elétrica do país. Oficialmente, o MME tem evitado abordar o assunto. Procurado pelo Valor, o ministério não retornou ao pedido de entrevista. A Empresa de Pesquisa Energética (EPE), no entanto, tem batido na tecla sobre a necessidade de acelerar a liberação de projetos de geração que impactem terras indígenas. O modelo analisado seria parecido ao proposto para a exploração mineral, ou seja, o pagamento de royalties para aldeias que tiverem terras invadidas por barragens de hidrelétricas.
A Constituição Federal, em seu artigo 231, já prevê que o “aproveitamento dos recursos hídricos, incluídos os potenciais energéticos, a pesquisa e a lavra das riquezas minerais em terras indígenas só podem ser efetivados com autorização do Congresso Nacional”.
“Está na Constituição, mas falta a lei que regulamente esse artigo”, diz Aloysio Guapindaia, diretor do Departamento de Promoção ao Desenvolvimento Sustentável da Funai. “Pelas regras atuais, não liberamos nenhuma usina que atinja terra indígena.”
Parlamentares chegaram a analisar a possibilidade de que a exploração dos rios para geração de energia fosse incluída no Projeto de Lei 1.610/96, mas segundo o senador Romero Jucá (PMDB), relator do projeto original, a orientação final foi de que esse tema fosse tratado em um PL à parte. “É mais viável não misturar as coisas. A inclusão das hidrelétricas poderia atrasar ainda mais a tramitação do projeto de mineração”, comenta.
O Conselho Indigenista Missionário (Cimi), vinculado à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), está fazendo um levantamento sobre as obras de infraestrutura que afetam as reservas indígenas. Segundo Cleber Buzatto, secretário-executivo do Cimi, há cerca de 450 empreendimentos em andamento ou projetadas no país que atingem de alguma forma as reservas. A maioria dessas obras está ligada a projetos de mineração e geração de energia. (AB)

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