TRAGÉDIA DO JET-SKI
http://www.observatoriodaimprensa.com.br/news/view/a_imprensa_seletiva
Por Sylvia Debossan Moretzsohn em 22/02/2012 na
edição 682
oda vez que um adolescente preto e pobre comete um crime, os jornais se
assanham com manchetes incitando o “debate” em torno da redução da idade para
imputabilidade penal. (As aspas estão aí porque, numa situação de comoção,
evidentemente inexistem as condições elementares para qualquer debate merecedor
desse nome).
Não deixa de ser curioso verificar que o comportamento da imprensa é
completamente distinto quando o crime – perdão: o ato infracional – é cometido
por adolescentes de classe média ou alta.
O caso mais recente foi o desse rapaz que perdeu o controle do jet-ski e acabou matando uma menina de 3 anos que brincava à beira do mar de Guaratuba, em Bertioga (SP). (Não sei se vale a pena comentar o argumento de seu advogado, de que o jovem apenas ligou o aparelho, que saiu desembestado pela praia. Inclusive porque ele dá declarações contraditóriasà sua tese).
Em situações assim, não passa pela cabeça de ninguém pedir o rebaixamento da maioridade penal, ou invocar qualquer alteração no Estatuto da Criança e do Adolescente, aliás lembrado apenas em sua face punitiva, quando o espírito da lei é francamente favorável à proteção da infância e da adolescência, expostas, sobretudo em situação de pobreza, a todo tipo de violência.
“Menores de outro tipo”
O motivo é simples: é que a imprensa é tão seletiva quanto o sistema penal, cuja “clientela” todos sabemos qual é.
Bem a propósito, reportagem publicada no portal UOLtraz uma notável declaração de um advogado. Diz o texto:
Nem se discuta se esse menor “de outro tipo”, branco e bem nascido, cometeu deliberadamente a ação ilegal de se exibir com sua máquina à beira da praia. Tampouco se indague quantos menores desse tipo que cometem crimes – perdão: atos infracionais – violentos foram parar em instituições como a Fundação Casa.
Dois pesos...
Mas, antes que se pense o contrário, esclareço que não vai aqui qualquer defesa da redução da idade para imputabilidade penal. Pelo contrário, sou radicalmente contra o encarceramento – de modo geral – como solução de conflitos. O objetivo aqui foi estritamente apontar as diferenças do tratamento jornalístico conforme a origem social dos infratores. O que, aliás, não é novidade para quem sabe da orientação ideológica da grande imprensa.
E antes que se diga que o episódio do jet-ski assassino não se compara a crimes como os que vitimaram o menino João Hélio, o casal de namorados Liana Friedenbach e Felipe Caffé ou a empresária Ana Cristina Johannpeter, lembro do índio Galdino, incendiado em Brasília por um grupo de rapazes da juventude dourada da capital, um deles menor de idade. A cobertura da imprensa, em geral, foi enfática na denúncia da barbárie, mas, também ali, ninguém pensou em propor alterações no ECA.
***
[Sylvia Debossan Moretzsohn é jornalista, professora da Universidade Federal Fluminense, autora de Pensando contra os fatos. Jornalismo e cotidiano: do senso comum ao senso crítico (Editora Revan, 2007)]
O caso mais recente foi o desse rapaz que perdeu o controle do jet-ski e acabou matando uma menina de 3 anos que brincava à beira do mar de Guaratuba, em Bertioga (SP). (Não sei se vale a pena comentar o argumento de seu advogado, de que o jovem apenas ligou o aparelho, que saiu desembestado pela praia. Inclusive porque ele dá declarações contraditóriasà sua tese).
Em situações assim, não passa pela cabeça de ninguém pedir o rebaixamento da maioridade penal, ou invocar qualquer alteração no Estatuto da Criança e do Adolescente, aliás lembrado apenas em sua face punitiva, quando o espírito da lei é francamente favorável à proteção da infância e da adolescência, expostas, sobretudo em situação de pobreza, a todo tipo de violência.
“Menores de outro tipo”
O motivo é simples: é que a imprensa é tão seletiva quanto o sistema penal, cuja “clientela” todos sabemos qual é.
Bem a propósito, reportagem publicada no portal UOLtraz uma notável declaração de um advogado. Diz o texto:
“O homicídio culposo (sem intenção de matar),
como está sendo tratado o caso, não levaria o ocupante do jet ski à internação
na Fundação Casa –que lida com menores no Estado de São Paulo. ‘Fundação Casa se
aplica a menores de outro tipo, que cometem ações ilegais deliberadamente. Não
parece ser o caso’, afirma o advogado Jonatas Lucena, especialista em casos como
esse”.
Definição mais precisa, impossível. Claro, há vários tipos de menores, e a
Fundação Casa é para um tipo bem específico: essa negrada descendente da
senzala.Nem se discuta se esse menor “de outro tipo”, branco e bem nascido, cometeu deliberadamente a ação ilegal de se exibir com sua máquina à beira da praia. Tampouco se indague quantos menores desse tipo que cometem crimes – perdão: atos infracionais – violentos foram parar em instituições como a Fundação Casa.
Dois pesos...
Mas, antes que se pense o contrário, esclareço que não vai aqui qualquer defesa da redução da idade para imputabilidade penal. Pelo contrário, sou radicalmente contra o encarceramento – de modo geral – como solução de conflitos. O objetivo aqui foi estritamente apontar as diferenças do tratamento jornalístico conforme a origem social dos infratores. O que, aliás, não é novidade para quem sabe da orientação ideológica da grande imprensa.
E antes que se diga que o episódio do jet-ski assassino não se compara a crimes como os que vitimaram o menino João Hélio, o casal de namorados Liana Friedenbach e Felipe Caffé ou a empresária Ana Cristina Johannpeter, lembro do índio Galdino, incendiado em Brasília por um grupo de rapazes da juventude dourada da capital, um deles menor de idade. A cobertura da imprensa, em geral, foi enfática na denúncia da barbárie, mas, também ali, ninguém pensou em propor alterações no ECA.
***
[Sylvia Debossan Moretzsohn é jornalista, professora da Universidade Federal Fluminense, autora de Pensando contra os fatos. Jornalismo e cotidiano: do senso comum ao senso crítico (Editora Revan, 2007)]
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