Os novos desafios e sonhos do gaúcho Beltrame, que conquistou o Rio ao criar as UPPs e baixar os índices de criminalidade
RUTH DE AQUINO
DESAFIO Até 2014, Beltrame pretende criar 40 UPPs. Hoje, o Rio tem 17 (Foto: André Valentim)
O secretário de Segurança do Rio, o gaúcho José Mariano Beltrame, tem alguns vícios. O chimarrão, as corridas e a investigação. Não necessariamente nessa ordem. Seus maiores amores hoje, além do Rio e do clube Internacional, são a segunda mulher, Rita Paes, e o filhinho de um ano e meio, Francisco, o Chicão, que já cantarola “Garota de Ipanema”. Tem dois filhos do primeiro casamento, Mariana e Maurício, e lamenta não ter mais tempo para desempenhar a função de pai .
Usa uma escolta de nove seguranças em eventos públicos. E uns quatro guarda-costas em programas particulares. Diz que não tem medo de morrer: “Porque nunca sacaneei ninguém”. Beltrame – conhecido por todos no trabalho e na intimidade pelo nome do meio, Mariano – é muito religioso: “católico apostólico romano praticante”. A fé vem da família, em Santa Maria, no Rio Grande do Sul, perto da fronteira com o Uruguai. Ele e a mulher não perdem uma missa dominical e foram recentemente ao santuário de Nossa Senhora da Aparecida. Diz que a única coisa que tira seu sono é “o medo de não corresponder às expectativas dos jovens de comunidades carentes”, que ganharam nova esperança com as Unidades de Polícia Pacificadora – as UPPs – em favelas antes dominadas por traficantes e milicianos.
Está quase no meio do percurso de seu cronograma: 17 complexos de favelas têm UPPs e, até 2014, ele pretende elevar esse número para 40. Nesta entrevista a Ruth de Aquino, de Época, feita ao longo de alguns meses para o perfil publicado na revista que está nas bancas, Beltrame fala de seus desafios: a formação de uma nova polícia, o combate ao tráfico e à milícia, a urbanização de favelas e o seu sonho de um dia ver o Rio não mais como uma cidade partida entre o morro e o asfalto.
ÉPOCA - Qual o seu maior desafio atual como secretário de Segurança? Traficantes ou milicianos?
Beltrame - Os dois são complicados. No momento, a milícia me preocupa mais, mas eu diria que estamos estruturados para combater. Quase toda semana temos miliciano preso. Tem muito a fazer para a frente. A ocupação do território a gente não escolhe com esse critério, não vê se é traficante ou milícia. Dentro da meta das 40 UPPs até 2014, se tiver milícia, tráfico, facção A, B, C, isso não importa para nós. A gente faz um levantamento para estudar o terreno antes para entender melhor qual a liderança, porque é incrível, no Batam você tem um comportamento, gente de mais idade, no Dona Marta é outro, na Providência você tem muita gente ligada ao porto.
ÉPOCA- Ainda há centenas de favelas dominadas por milicianos. Eles continuam dominando as vans, o gatonet, a distribuição de gás, e entrando na política.
Beltrame- Quando fazemos um trabalho em território de milícia e tráfico, os serviços públicos precisam tomar conta daquilo ali. Porque você não pode em lugar nenhum do mundo botar um policial para cuidar do lixo, da iluminação, dos cabos telefônicos. Sei que é difícil. Porque são 30, 40 anos com uma dominação. Em dois anos de UPP, eu até rimo, tu quer o quê? Então isso realmente existe. É preciso oferecer à população a possibilidade de coletar lixo, oferecer a NET por um preço popular. Fazer com que cada casa tenha seu reloginho de luz. Então eu acho que vai muito também do Estado e da iniciativa privada oferecer isso à população, porque isso antes ou não tinha ou era muito mal feito.
Em Santa Maria (RS), Beltrame (à esq.) com os pais – ele, funcionário do Banco do Brasil, ela, professora alfabetizadora – e os irmãos Ana Eunice (bebê), Ana Lélia e José Baptista. (Foto: Arquivo)
ÉPOCA- Entre especialistas de direitos humanos, existe a sensação de que o senhor, um “caveira”, acabou adotando o discurso da esquerda e apostando na polícia de proximidade e cidadania. O que acha dessa análise?
Beltrame- Caveira? Não, não. Tudo que eu fiz aqui foi sem agrotóxico (rindo). Tudo que foi semeado aqui tu tá aqui pra ver (estávamos no Borel, na Tijuca, onde existe uma UPP instalada). E o que tu viu também não é uma maravilha. Temos problemas. O fato de entrar e poder caminhar, ir a um caixa eletrônico, tudo isso é ótimo. Mas não quer dizer que os problemas tenham sumido. Algum excesso aqui e ali continuará ocorrendo. Mas o processo tem uma tendência boa de se acomodar.
ÉPOCA- O senhor acha que mudou e amadureceu? De técnico, seu discurso ficou mais político?
Beltrame- Eu diria que é o discurso de minha sensibilidade. Eu acho que sempre fui muito pé no chão. Não abraço todas as coisas ao mesmo tempo. Quem disser que vai melhorar tudo isso a curto prazo tem que se cuidar porque vai estar mentindo. Existe um plano, é esse, e graças a Deus fica claro que o plano é possível, mas também tem defeitos e dificuldades devido a sua dimensão. Olha, sou absolutamente empolgado com tudo isso.
ÉPOCA-- Como reagiu à demonstração de carinho das debutantes da Providência, que pegaram o senhor para dançar na festa de 15 anos em agosto, no Museu Histórico Nacional?
Beltrame - Sou tímido de ficar vermelho (fica imediatamente roxo do pescoço para cima). Eu acho bacana. Claro que a gente fica feliz, mas procuro agarrar isso com tanta força para não decepcionar essas pessoas. Porque isso é muito bom. Mas imaginar que uma moça dessas pode um dia se desiludir contigo, então isso é muito caro. Aumenta muito a tua responsabilidade. Te joga para cima mas tem um peso.
"Não é o policial da UPP que vai segurar o pessoal com fome e sem emprego"
ÉPOCA - Por que o senhor é endeusado pelos cariocas?
Beltrame- Ah, eu não sou endeusado não (rindo). Eu não prometo nada. Sei de minhas limitações e jogo muito claro. Não adianta eu dizer que vou colocar um policial em cada esquina e que vou acabar com essas coisas amanhã. Eu tenho que passar para as pessoas que a gente tem horizonte. E que esse plano começa a ser executado e a surtir efeito.
ÉPOCA - Como nasceu a ideia da UPP?
Beltrame- A UPP nasceu numa discussão na mesa de almoço da Secretaria com a minha equipe. Aquela mesa para mim é a alma da secretaria. E agora? A gente está focando em tecnologia, treinamento e capacitação, para reduzir corrupção e desvios de conduta. Nesses eixos vou trabalhar mais agora. O que passou, de UPP, está na agulha. Conseguimos diminuir o índice de homicídios, mas ainda está muito alto. Não tem jogo ganho. Temos algumas vitórias. Uma delas foi fazer a sociedade carioca voltar a acreditar.
ÉPOCA- Como o senhor vê a UPP?
Beltrame- A gente vê menos como um projeto e mais como uma prática. Porque está em aberto. Precisamos o tempo todo de supervisão e feedback. Olhar para trás para caminhar para a frente. Para não minimizar os problemas.
ÉPOCA - O custo da pacificação é alto. Os sete empresários que se reuniram com o governador no Palácio Laranjeiras no ano passado realmente criaram um fundo para suprir as deficiências nas comunidades pacificadas?
Beltrame- Só o Eike (Batista). Eu diria que é ele quem está financiando. Continua dando R$ 20 milhões por ano e prometeu fazer isso até 2014. Aquelas caminhonetes bonitas que tu viu lá no Borel ele financiou. As motos para coleta de lixo em lugares mais inacessíveis, ele também comprou. O Eike é um grande parceiro, mas tem critérios rígidos também. Ele reúne os conselhos de sua empresa e as pessoas querem saber o destino do dinheiro. A Petrobras prometeu fazer as três sedes administrativas no morro São Carlos. O Metrô me ajuda com campos de futebol. Bota tela em cima, grama sintética. Mas eu me retirei um pouco disso porque não é minha atribuição. O Ricardo Henriques, do Instituto Pereira Passos, cuida mais da parte social. As maiores reclamações hoje das comunidades com UPPs são de obras, esgoto, escola e posto de saúde.
Com as debutantes do Morro da Providência, em festa em agosto no Museu Histórico Nacional do Rio, Beltrame teve seu dia de celebridade e pé-de-valsa (Foto: Pedro Farina/ÉPOCA)
ÉPOCA- Cobrar mais rapidez da UPP social provocou um certo ruído entre o senhor, a prefeitura e o governo do Estado.
Beltrame- Olha, eu nem gosto dessa expressão: UPP social. Porque UPP é uma coisa, e os investimentos sociais são outra coisa. Eu sou muito sincero, muito pragmático. Meu período aqui um dia termina. Tenho certeza de que vou passar e não estarei mais aqui. Ou seja, a gente tem que entrar mais profundamente nas coisas, senão não adianta ser secretário, não adianta ser presidente, não adianta ser chefe de uma empresa. A gente tem que ir exatamente no polêmico, nessas ações. Também todo mundo tem que entender que não é esse rapaz aqui, o policial da UPP, que vai segurar o pessoal com fome, sem emprego. Tem que ter gente junto com ele, outras soluções. A ocupação não é só física, mas dos espaços, dos serviços. Eu acho que no momento em que as pessoas percebem que têm perspectiva, a possibilidade de o crime entrar é muito menor.
Não vamos acabar com o comércio de drogas. Prometer isso é temerário”
ÉPOCA - É verdade que as UPPs têm fechado os olhos para bocas de fumo?
Beltrame- Nada disso. Se acontece em algum lugar, está errado. Não havia Estado nem policiamento nessas áreas antes. Agora tem UPP. Dizer que vamos acabar com o comércio de drogas é no mínimo temerário. Eu posso dizer que não vai acontecer mais é a transação de drogas aos olhos da polícia. Tendo renda e tendo vício, vai ter droga. A polícia precisa saber onde é a boca. No morro da Providência, a polícia identificou a boca e foi ali. A gente não pode ficar passivo.
ÉPOCA- A legalização das drogas amenizaria o potencial corruptor do tráfico em relação a policiais e jovens das comunidades?
Beltrame- Acho muito importante essa discussão, e já deveria ter acontecido. Mas, como qualquer assunto mais polêmico, a resposta não pode ser simplesmente “sou a favor ou contra”. A descriminalização do usuário já existe. É doente. Para o tráfico, não dá para conversar. Maconha? Tudo bem, vamos liberar. Mas, se o cara é doente, o sistema de saúde cura ele? Esse mesmo Estado precisa oferecer a esse cara a oportunidade de se recuperar. A discussão não pode ser rasa.
ÉPOCA- Em algumas favelas pacificadas, traficantes voltaram a usar crianças e idosos para transportar droga?
Beltrame - Não podemos sair revistando moradores. Uma revista precisa ter uma justificativa aceitável, uma suspeita concreta. Em criança a lei nem permite. Em idoso também é muito delicado. O tráfico vai usar seus subterfúgios. Os problemas vão acontecer. A gente só tem que mostrar que tem uma proposta. Não dá é pra dizer “olha, daqui você não passa porque é outro território, de outro comando”. Nunca vendi ilusões. Não vou prometer que tudo vai ficar bem. Mas acho efetivamente que o Rio tem a possibilidade de virar uma página, porque a gente está entrando no ponto nevrálgico de integrar a favela e o asfalto.
"Mexer nos currículos de formação dos policiais é tão difícil quanto entrar no Alemão"
ÉPOCA- Sobre as recentes prisões de policiais da UPP flagrados com dinheiro do tráfico e com armas de numeração raspada. É grande sua decepção?
Beltrame– É triste. Mas eu acho que os benefícios que as ocupações trouxeram para centenas de milhares de pessoas são muito maiores do que esses episódios. Na formação de policiais – criamos uma subsecretaria de ensino, a cargo de Juliana Barroso –, estamos mexendo na carga horária e no currículo. Professor vai passar a ganhar. Vamos aumentar a carga horária. Tudo a partir de 1o de janeiro. A gente não pode esquecer a carga familiar dessas pessoas, a educação, estou consciente de que em seis ou oito meses de Academia, não vamos mudar toda a personalidade deles. Mas vamos melhorar a formação. Corrupção é um problema, mas mexer nos currículos é um problema tão difícil quanto entrar no Alemão.
ÉPOCA- Como anda a formação de novos policiais?
Beltrame- Agora, entramos num ritmo bom. Todo mês vão entrar 500 na Academia e vão sair 500. Estamos formando uma média de 6 mil homens por ano. Estamos querendo atrair para a corporação policiais que venham com outra mentalidade. Eles precisam vir não para matar. Hoje, ainda, quando você tira o fuzil de um policial ele se sente nu. Não pode ser assim. Um dia será diferente
ÉPOCA-- Vários chefes da Civil e da PM foram destituídos pelo senhor. Doeu?
Beltrame - No momento em que aconteceu, eu tinha que tomar a decisão de mexer. Não mudaria nada. Toda minha ação na secretaria é institucional. Nada do que fiz foi pessoal. Não tenho pessoalmente nada contra eles. Como administrador optei por fazer. Se eu não confiasse nessas pessoas não as teria trazido para trabalhar comigo. Acho que tenho uma série de defeitos, mas procuro sempre o entendimento. Depois que eu decido, quero ver o resultado muito rápido, sou mesmo ansioso, acho que toco as coisas um pouco demais talvez.
Beltrame, católico praticante, com o cardeal Dom Orani Tempesta, no sábado de Natal do ano passado, na Igreja da Penha, junto ao Complexo do Alemão. A igreja estava lotada, e 300 fiéis ficaram do lado de fora. (Foto: (foto Marizilda Cruppe/Ag O Globo))
ÉPOCA - O sociólogo Luiz Eduardo Soares, autor de Elite da Tropa, acha que não dá para resolver os desvios das polícias limpando aos poucos. Teria que haver uma refundação, acabando com essa história de uma polícia para investigação e outra ostensiva. Porque, ano apos ano, só mudam os nomes e o padrão continua o mesmo, com corporativismo e corrupção.
Beltrame - Eu sou a favor de uma polícia só, mas acho que isso não se consegue com um canetaço. As próprias instituições precisam sentir essa necessidade. E aos poucos começarem a se aproximar. As polícias, na medida em que se integram, provam que cada uma tem mesmo uma função. Para cá do balcão sou eu, para lá do balcão é você. Na medida em cada vez mais nos apoiarmos, cada um vai ver que tem seu papel. Nossas divisões de Polícia Militar e Civil vieram com Dom João. Herdamos do império. Não dá para baixar um decreto. Hoje, como secretário, acho que estamos muito longe de ter uma polícia com todo o ciclo, da investigação ao patrulhamento.
“Tragam o Nem (da Rocinha) a nós se ele quiser se integrar à sociedade. É só marcar hora e local"
ÉPOCA- Há espaço para recuperação de traficantes que queiram deixar o crime?
Beltrame - Claro que sim. Este é o caminho do Nem (o chefão do tráfico na Rocinha). Muita gente que se diz ligada ao Nem me procurou na Inteligência. Depois da ocupação do Alemão muita gente veio nos assediar e dizer isso, aquilo, eu acho que, se essas pessoas estão com essa proposta de ele se entregar, multipliquem isso. Não deixem mais que a gente desperdice esforço. Vamos ocupar a Rocinha num determinado momento. Vamos integrar essas pessoas à sociedade se elas quiserem deixar o crime. Tragam o Nem. Ótimo. Só marcar hora e local. Não tem problema.
ÉPOCA - E os ataques a policiais nas UPPs, como o apedrejamento da sede na Cidade de Deus? Isso preocupa?
Beltrame - Isso é triste, claro. Não é bom. Mas num lugar onde o poder paralelo mandava, onde um tirano com um fuzil botava ordem durante décadas, aí entra o estado com uma política de proximidade, não vai ser em um, dois anos que se vai ganhar a confiança. Com o tempo, não só com a presença da polícia, mas com toda a carga de atividade social e assistencial, e criação de perspectivas, isso acalma. Não dá para garantir que esse tipo de incidente não volte a acontecer. Se tu pegar as primeiras, Dona Marta, Chapéu Mangueira, Batam, que já estão lá há dois anos, as UPPs estão mais consolidadas.
ÉPOCA - Os bailes funk provocam atritos entre moradores e policiais?
Beltrame - O baile funk tem que que se arrumar aos poucos. Não vamos proibir baile funk por causa desse último conflito na Cidade de Deus. Já teve mais um ou dois. As coisas vão sendo construídas. Não podemos chegar lá e proibir baile funk. Tem que chamar as pessoas para conversar. Eram algumas pessoas que quebraram as vidraças da sede da UPP. A convivência vai melhorar. A sociedade recebeu de volta um território que havia perdido. E as comunidades passaram a ver o policial também como estado. Água, luz, muitos serviços vêm nessa segunda fase de investimentos sociais. Isso sem dúvida tende a reduzir os conflitos e a tensão.
ÉPOCA - Por que foi necessário prorrogar a presença do Exército no Alemão até março de 2012?
Beltrame - O Exército no Alemão nos permite redirecionar os contingentes que estão se formando. Tá faltando gente para os batalhões, faltando gente para o interior. Temos demandas. Desviamos para a capital quem quis ir para o interior. Prorrogando a ocupação militar no Alemão, podemos devolver essas pessoas e melhorar a situação do Estado. Estamos na metade do percurso das UPPs. Precisamos redefinir algumas metas. Agora com mais clareza. Porque, no início, fomos do gesto à intenção, sem muito planejamento, porque a sociedade precisava de uma resposta rápida para décadas de omissão. A UPP no Alemão exigirá 2.200 homens. É muito. Por isso precisamos formar mais gente e fazer uma reposição gradual.
Na quadra de futebol da Chácara do Céu, junto ao Borel, na Tijuca, o secretário de Segurança joga com as crianças. Antes, esse espaço era mirante do tráfico (Foto: André Valentim/ÉPOCA)
ÉPOCA- Tem gente que diz que a manutenção do Exército no Alemão cria ali um estado de exceção.
Beltrame - Não acho. Dá para caminhar lá, transitar por lá. Você vai sempre ter pessoas criticando. Não vai ter unanimidade. Só vai se arrumar com o tempo. A Inteligência não nos diz que os traficantes estão voltando para o Alemão pela Vila Cruzeiro. Tem um vaivém de traficantes, mas eles não permanecem lá. É uma coisa menor, no âmbito de papelote passando a droga. Claro que as pessoas insistirão nessa prática porque fizeram isso a vida inteira e é assim que fazem dinheiro.
“A gente está investigando a gangue que mata para roubar Rolex em Ipanema"
ÉPOCA - Há quem diga que o cronograma das UPPS mostra um projeto de cidade e não de segurança pública, porque agradaria aos grandes empreendimentos, à rede hoteleira, e estariam sendo evitadas as regiões mais violentas. Houve recomendação de entrar em áreas com maior visibilidade?
Beltrame - Não, absolutamente. Agora, estamos incluindo a Baixada, São Gonçalo, o interior. Se eu tivesse começado pela Rocinha, iam dizer que o projeto era por visibilidade. Nós temos uma proposta. Que plano que tinha antes? Eu insisto. Isso que a gente está fazendo não tem ligação com Jogos Olímpicos nem com a vontade de a, b, c ou d. Nós buscamos abrir uma janela de oportunidade para garantir o direito de ir e vir, e para que nós todos possamos pagar essa dívida de muitas décadas com todas essas pessoas.
ÉPOCA- A Rocinha está onde no seu cronograma?
Beltrame - Não está longe não.
ÉPOCA - E a Mangueira? Quando vai entrar a UPP?
Beltrame - Tivemos que adiar um pouco a conselho das psicólogas. A comunidade precisa entender melhor o que é a polícia pacificadora. Por enquanto vai ficando o Bope até chegar o momento certo.
ÉPOCA - Quais são as próximas UPPs previstas?
Beltrame - Vamos subindo a Avenida Brasil. Maré, Kennedy, Juramento, Cerro-Corá, depois Vidigal, Rocinha, tem que terminar a Mangueira. No fim do cronograma inicial de 40 complexos, vai ficar um desenho curvo para a esquerda, começa a virar no Alemão e Penha e vai embora.
No Borel, onde já existe uma UPP, Beltrame para e toma um café no armazém que acaba de abrir um caixa eletrônico 24h, o primeiro da comunidade (Foto: André Valentim/ÉPOCA)
ÉPOCA - Há cursos de capacitação técnica dos moradores?
Beltrame - Sim, mas falta muito. Na Providência, a maioria é autônomo. Vende pastel, limpa mesa o dia inteiro, é garçom. Para fazer um curso aqui, tem que ser de meia-noite às 6h da manhã. A Firjan está fazendo dois cursos. O Galo da Madrugada (de 4h da madrugada às 8h da manhã). O corujão (da meia-noite às 4h da madrugada). Aí eu fui lá no curso de soldador. Me mandaram este capacete de presente (mostra na cristaleira abarrotada de presentes, medalhas e troféus do Brasil e do Exterior). É para solda profissional.
ÉPOCA - A relação de um policial para 80 habitantes nas UPPs não acaba deixando o asfalto vulnerável? O bairro de Ipanema registrou vários assaltos com mortes de pessoas chegando em casa à luz do dia, como aconteceu com um arquiteto no mês passado
Beltrame - Espera que você vai ver (e o secretário faz vários gestos com a mão como se dissesse “calma”). A gente está investigando a turma que busca o famoso Rolex. A gente precisa identificar as gangues. Se tivemos problemas na Zona Sul, o comandante do batalhão e os delegados da área têm o dever de se manifestar, porque eles estão aqui na ponta. A Polícia Civil tem que saber quem é, de onde é, quando é. E o patrulhamento não pode deixar de existir. Mas, olhando como um todo, os índices de homicídio baixaram muito, os índices de roubo a transeunte, os autos de resistência, tudo baixou. Se eu for olhar o estratégico, acho que é animador. Mas temos casos pontuais preocupantes, como esse que você citou.
ÉPOCA - O modelo de segurança integrada do Rio, com novo centro de controle, metas e bônus, pode ser exportado?
Beltrame - Eu te diria humildemente que já está sendo exportado. Minas Gerais já veio aqui e pegou a planta. O pessoal do Paraná está aqui reunido (era agosto). A autoridade olímpica também já levou a planta. Esse pessoal andou pelo mundo mas o Rio está inovando e desenvolvendo modelos próprios. O sistema de metas das regiões integradas não pegou o brilho da UPP. Mas é isso que vem fazendo efetivamente baixar os índices de violência e criminalidade, e que é o outro pilar da UPP. São esses dois pilares juntos que vão reduzir os sintomas da cidade partida.
“Nunca vou ser político, mas tentar barrar drogas e armas nas fronteiras, quem sabe"
ÉPOCA- Jorge Picciani (presidente do PMDB no Rio) disse que tem o formulário pronto para o senhor se tornar deputado e se filiar ao PMDB.
Beltrame - Só faltou ele combinar com os russos.
ÉPOCA - Quem são os russos?
Beltrame - Nem sei. Soube disso pela imprensa. Faltou combinar comigo.
ÉPOCA- A opção política o atrai como futuro?
Beltrame- Acho que não dá. Exatamente porque a minha vida inteira eu trabalhei com investigação policial. Nisso, você tem que ter um foco. Claro que em tudo na vida é preciso flexibilizar. Mas na política acho que se flexibiliza demais. Às vezes pra cá, às vezes pra lá. Não tem a ver com o PMDB, o PT, presidente, governador. Tudo que eu fiz na minha vida eu comecei, fui no caminho e terminei. Não sou perfeito mas o andar da política nada tem a ver com meu temperamento.
Beltrame é um bom garfo. Seus pratos favoritos são carne assada com nhoque e, de sobremesa, pudim de leite condensado com casquinha de limão. (Foto: André Valentim/ÉPOCA)ÉPOCA- Em que momento o senhor dirá que terminou seu tempo como secretário? Quando dirá “agora chega”?
Beltrame- Em primeiro lugar, o que a gente está fazendo não é para um secretário só. Por mais empolgação que eu tenha, claro que cansa, tem um preço. Claro que tem alguns projetos que eu gostaria de ver nascer antes de sair. Algumas pacificações. Não digo terminar o cronograma. Não ponho um limite porque temos um horizonte. Agora, esse horizonte pode plenamente ser tocado por uma outra pessoa, porque está tudo alinhavado e desenhado. Eu não posso ficar nessa de que vou resolver o problema do Rio de Janeiro senão vou ficar aqui mais de 10 anos, eu tenho essa percepção.
ÉPOCA - Claro que o senhor não pretende voltar a ser delegado, com tudo que conquistou.
Beltrame - Eu só sei que quando sair, e não vai ser tão cedo, eu espero, quero tirar 30 dias de férias.
ÉPOCA - O Brasil precisa coibir o tráfico de armas e drogas nas fronteiras. Isso o atrai no futuro?
Beltrame - É um enorme desafio sim. Aí é algo em que dá para eu trabalhar. Tem mais a ver com meu perfil do que me candidatar a qualquer cargo político. Não vou ser deputado ou prefeito nunca. E tem mais. Se houver algo que me proporcione passar a pessoas o que eu aprendi aqui na Secretaria, farei isso com o maior prazer.
“Não fala só que vai me trazer a ‘erva’ no telefone. Fala ‘erva-mate’ para eu tomar chimarrão"
ÉPOCA - O senhor tem consciência de que seu sucesso provoca ciúme?
Beltrame - Ah mas aí o que vou fazer? Esse sentimento não me pertence.
ÉPOCA- Qual seu lazer favorito?
Beltrame- Eu gosto de correr. Corro quando dá, quanto tempo dá. Acho a corrida a coisa mais democrática que tem. Você põe um calção e sai correndo. Corria 70 quilômetros por semana quando era jovem. Depois tive que parar por causa de uma hérnia de disco lombar.
ÉPOCA- Por isso o senhor faz ginástica?
Beltrame- Meu problema é nas vértebras L4 e L5. Mas eu consegui acomodar minha coluna, conversamos bastante, eu e ela (rindo). E fiz a meia maratona do Rio na manhã seguinte ao baile das debutantes, com alguns reflexos, terminamos a prova em paz, eu e minha coluna.
ÉPOCA- O senhor precisa ter um bando de seguranças correndo junto.
Beltrame - Ah, graças a Deus esse povo começou a se viciar. Esse aí (apontando para o motorista) começou a correr comigo. Uns compraram bicicleta, outros iam de carro. Fiz muita gente entrar em forma. É uma vitória pessoal ali na secretaria. Tem uns três que correm comigo. O colesterol deles está ótimo. Porque era assim. Um começava a gritar aiaiai, minha panturrilha. Agora, tem uns caras muito melhores do que eu. Tem uns fininhos que correm, parecem umas lebres. Eu digo pra eles: vocês parecem que pisam com nojo no chão.
ÉPOCA - Tem saudade de trabalhar nos bastidores?
Beltrame- Um pouco às vezes, porque acho que o processo atual de investigação da Polícia Federal começou com uns agentes do Mato Grosso do Sul, uns agentes da DRE da Porto Alegre, e em outros lugares lá atrás, no ano 2000, e eu participei disso. Vejo a PF fazer hoje isso com muita naturalidade e profissionalismo, e fico muito feliz, porque a Missão Suporte que a gente fez aqui no Rio mostrou que centros de inteligência bem estruturados dão resultado.
(nesse momento, o subsecretário Novaes entra no gabinete e diz: “O Aldo mandou erva de chimarrão pra você, Mariano”)
Beltrame - O pessoal do Sul me liga e diz. Vou te levar a erva. Tá fresquinha, novinha. Aí, eu digo. Ó, é erva mate pra eu tomar chimarrão. Não fala só ‘erva’ no telefone.
ÉPOCA - Não tem medo de, no dia em que sair, tudo isso desabar?
Beltrame - Eu acho que não. Acho que a grande vitória foi o governador Cabral bancar a despolitização da segurança pública, não tem mais ninguém indicando delegado. Esse ganho talvez esteja absorvido. Isso aqui não é mais do secretário. Se a sociedade quer assim, a população vai dizer ou escolher alguém que dê prosseguimento a isso. Um político não vai ser louco de mexer nas UPPs porque provavelmente vai perder votos, vai se desgastar com a população. Este projeto não é mais meu nem do governo, é de vocês, é da sociedade.
O chimarrão é seu “vício diário”. Fazendo esporte, reunindo a equipe no gabinete, ou rodando as UPPs, não dispensa a cuia e a erva-mate (Foto: André Valentim/ÉPOCA)
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