terça-feira, 15 de outubro de 2013

Tática Black Bloc. Condenar, conviver ou se aliar?


Artigos e Entrevistas
por Edilson Silva - 15/10/2013
Um espectro ronda as maiores metrópoles brasileiras: a tática ou ação Black Bloc. “Decifra-me ou te devoro!”, parecem gritar blocos pretos, humanos, sem rosto, anônimos, que se lançam às ruas em ações diretas, radicalizadas. Fetiches se espalham sobre a tática: dizem que é incorreto escrever com B maiúsculo! Muitos se esforçam em tornar a compreensão da tática algo indecifrável, algo tão sofisticado que o pensamento político tradicional não pode alcançar. Puro exagero, mas que faz parte do inegável charme político da tática.

Em tese, as táticas Black Bloc dispõe-se a proteger manifestações da sociedade civil contra ações truculentas das forças do Estado. Dispõe-se a gerar prejuízo material a quem causa prejuízo ao bem público mais precioso – as pessoas - e é fácil perceber um forte conteúdo anticapitalista nos seus alvos. Seu diferencial mais saliente, e porque não dizer sedutor, é a coragem e o desprendimento com que se lançam diante da repressão estatal.

Na prática, infelizmente, muitas ações têm se confundido com iniciativas pouco politizadas, de mera depredação ou de descarga de adrenalina, quando não utilizadas mesmo pelas forças policiais para dispersar geral algumas manifestações, quando estas ações misturam-se com outras que se pretendem pacíficas. Para quem atua nos movimentos, não é incomum achar militantes de partidos da ordem misturados na tática, como se estivessem num playground, ou como se aquilo fosse o seu lado B, sem trocadilho.

O “Decifra-me ou te devoro!” vem impondo às forças de esquerda, de partidos e movimentos sociais “tradicionais”, a demanda por respostas concretas. Os conservadores, as forças de direita, já deram a sua resposta: criminalização pura e simples. Chama a polícia, bate, processa e enjaula. A tarefa não tem sido fácil porque a tática reage. E bate também.

Criminalizar, portanto, é diferente de condenação política, de reprovação do método ou da tática. Assim, as esquerdas estão se debatendo entre a reprovação política, a simples convivência ou tolerância e a aliança entusiasmada com a tática Black Bloc. De onde vejo, percebo argumentos esforçados nas três “grandes” posições. Mas nenhuma dessas posições, vistas assim panoramicamente e da forma simplista como estabeleço aqui, para facilitar a visualização da fronteira entre uma e outra posição, parece dar conta sozinha de uma resposta mais satisfatória numa perspectiva de reorganização de uma movimentação política pela esquerda e anticapitalista no Brasil.

Creio que uma questão preliminar é estabelecer que esta tática não é uma novidade em si. A novidade está nas condições objetivas encontradas no presente momento histórico e que permitem que esta tática ganhe uma força inédita. É fácil perceber quais são estas condições nos próprios posts de ativistas que reivindicam a tática Black Bloc.

A primeira é a revolta contra as condições de vida, no transporte, na saúde, na educação, na segurança, em contraste com os gastos absurdos e desnecessários com a Copa, por exemplo. Isto é um escárnio e revolta qualquer um. A segunda condição é uma sensação generalizada de impotência das ações políticas tradicionais na busca pela melhoria da situação, com a sociedade vendo a cooptação fácil de movimentos sociais vendidos, políticos e partidos se acomodando deliciosamente no poder e a situação social se deteriorando. A terceira condição - talvez a que permita o salto de qualidade no sentido de transformar esta indignação em ação -, é a existência de uma plataforma de comunicação (internet) que permite o somatório político das indignações individuais em um processo acelerado de desalienação política e a visualização de formas autônomas e acessíveis de se fazer algo no concreto e - muito importante - coletivamente, mesmo sem estar organizado em qualquer agrupamento estável e tendo seu anonimato preservado.

Feita esta preliminar, não nos parece que o conceito da tática Black Bloc seja algo retrógrado ou mesmo indesejável em essência e propósitos originais. É algo progressivo, politicamente moderno, trazido pelas mãos da dialética na história. Se este fenômeno é mesmo a síntese de um processo histórico e do desenvolvimento das forças produtivas, creio estar descartada a hipótese da não convivência com ele.

A tática existe e veio pra ficar, gostem ou não a direita, a esquerda e quem mais quiser dar palpites. “Nada mais forte que uma ideia cujo tempo chegou”, com afirmava Victor Hugo. É tempo de democracia participativa, de ação direta, de transparência, de atritos diretos entre o poder real e os despossuídos, sem as escaramuças de falsos representantes em uma esfarelada democracia de faz de conta. Quem mais deve estar preocupado com isto são os governos que já estavam acostumados com conflitos de resultados previsíveis.

Esta nova situação política, com novas condições objetivas e subjetivas, desafia os que militam, na esquerda socialista, com esquemas tradicionais e congelados – para não dizer antidialéticos. A reação diante da tática Black Bloc não pode ser a mesma do movimento socialista mais ortodoxo frente ao Maio Francês de 1968, por exemplo, como se a classe operária e seus sindicatos tivessem o monopólio do protagonismo na luta contra o regime do Capital e as demais manifestações devessem se sujeitar a um papel auxiliar, subalterno.

Por outro lado, não parece o mais correto o aplauso fácil e irresponsável à tática, tratando as suas fragilidades e portas abertas a todo tipo de oportunismo e infiltrações fascistas e policiais como um mero efeito colateral. Não perceber e não buscar evitar estas fragilidades é permitir que um fenômeno progressivo seja capturado pelo regime político que em essência busca combater, dando matéria-prima para justificar a ampliação da repressão estatal ao conjunto das forças e movimentos que questionam a ordem.

Para quem pretende mudar o mundo de verdade, não deve parecer utópico ou ingênuo demais querer ver os movimentos e partidos da esquerda coerentes, como o PSOL, dialogando com a tática Black Bloc, respeitando todas as táticas e o máximo possível as sensibilidades mais positivas da opinião pública e da consciência das massas, respeitando-a e sem capitular a ela, como defendia Lênin; ou disputando a hegemonia, como teorizava Gramsci, fazendo desta consciência social mais um aliado na construção de uma sociedade mais próxima da que precisamos. Talvez esteja aí o nosso desafio nesta questão da tática Black Bloc.

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