sexta-feira, 25 de outubro de 2013

Justiça não dá conta de estoque de processos

Jornal Contábil



Quem teve a felicidade de nunca enfrentar alguma pendência jurídica, mas assistiu ao julgamento do mensalão intui perfeitamente o conceito de morosidade da Justiça. O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) acaba de divulgar um levantamento que dimensiona o tamanho desse problema. No ano passado, os juízes só conseguiram encerrar 30 em cada 100 processos que tramitam na Justiça brasileira.
O levantamento "Justiça em Números" de 2012 mostrou que o ano terminou com um estoque de 92,2 milhões de processos em andamento, número 4,3% superior ao do fim de 2011. Entraram no sistema 28,2 milhões de novas ações, mas somente 30% das existentes foram terminadas, ou seja, 27,7 milhões.
A taxa de congestionamento, que mede o volume de processos baixados em relação ao estoque, ficou em 69,9%, percentual semelhante aos registrados nos últimos quatro anos. Essa dinâmica vem alimentando um bolo crescente, quase equivalente a um processo para cada brasileiro em idade adulta.
O CNJ aponta que a produtividade dos juízes vem aumentando, assim como o número de magistrados. Em 2012, cada juiz encerrou 1.628 processos. O presidente do CNJ e do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Joaquim Barbosa, disse que "o excesso de litigância não pode ser respondido só pelo Judiciário. O quadro é nacional e é explicado também por fatores sociais e políticos".
O próprio relatório do CNJ traz, porém, uma informação preocupante em relação à produtividade dos tribunais. O programa de introdução do processo judicial eletrônico, lançado em junho de 2011 para racionalizar o trabalho de magistrados e servidores e garantir o andamento mais rápido dos processos, caminha a passos de tartaruga. O índice médio de implantação do sistema é de 20% e é mais baixo ainda exatamente nos tribunais maiores. Nos Tribunais de Justiça de São Paulo, o maior do país, e no do Rio Grande do Sul, o índice é de apenas 2%. Falta de recursos e volume elevado de trabalho são algumas das justificativas para essa situação alarmante.
Em 2011, quando presidia o CNJ e o STF, o ministro Cezar Peluso deu mais detalhes a respeito do problema. Segundo Peluso, um dos maiores gargalos da Justiça "se encontra na fase de execução do primeiro grau da Justiça Estadual, onde a taxa de congestionamento chega a 90%, principalmente por causa dos processos de execução fiscal".
A taxa baixa de solução de processos de execução fiscal continua prevalecendo e esse tipo de ação representa praticamente 40% do estoque total. Em 2012, eram 29,2 milhões de processos que, em sua maioria, visam garantir o recebimento de tributos como IPVA, ISS, Imposto de Renda. Do volume total dessas ações, 25,5 milhões são de anos anteriores. Os novos casos somaram 3,7 milhões, bem mais que os 3,1 milhões de processos finalizados.
Diagnóstico encomendado na década passada pelo próprio CNJ à Fundação Getulio Vargas (FGV) delineia mais amplamente as causas do crescente número de ações e da morosidade da Justiça. Segundo a FGV, a Constituição de 1988 tornou o cidadão mais consciente de seus direitos. Essa nova demanda foi estimulada pelos advogados, interessados na judicialização dos conflitos, e pela mídia, que abriu espaço para a discussão das leis em áreas como a trabalhista, previdenciária e do consumo. O campo fértil para a junção de todos esses interesses está nas zonas cinzentas da legislação, criadas pelo próprio poder público.
Recentemente, o julgamento do mensalão renovou a discussão a respeito da reforma do sistema recursal, que comporta pelo menos uma dúzia de mecanismos e posterga indefinidamente desfechos, criando um sentimento de impunidade na sociedade. Mas há também propostas de desenvolvimento de mecanismos de conciliação e mediação, que resolveriam questões menos graves rapidamente e descongestionariam os tribunais.
Consulta feita pelo CNJ a integrantes do Judiciário e profissionais resultou em nada menos do que 3 mil sugestões para agilizar a prestação de serviços só na primeira instância, incluindo propostas de redistribuição orçamentária e de pessoal, incentivo à conciliação e mudanças legislativas.
Não faltam ideias para resolver ou, pelo menos, minorar o problema da morosidade do Judiciário que, em última análise, significa desperdício de tempo, dinheiro e energia de pessoas e empresas. Mas para isso é necessária vontade política.
Fonte: Valor Econômico

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