sexta-feira, 6 de agosto de 2010

Luzienses ratificam denúncias feitas ao Tribunal Popular do Judiciário

Processo que acusa manifestantes está “desaparecido”. Assunto já ganhou repercussão nacional.

POR ZEMA RIBEIRO

Mais de 40 luzienses estiveram ontem (4) em São Luís. Eles vieram entregar na Corregedoria de Justiça e na Procuradoria Geral de Justiça representações pedindo a apuração de fatos até hoje não esclarecidos, ocorridos após a posse de Ilzemar Oliveira Dutra (PPS), que obteve apenas o segundo maior número de votos nas eleições. Zemar, como é conhecido, governou por nove meses, até ter seu diploma cassado por unanimidade pelo TSE, em setembro de 2009. Ele já havia sido prefeito de Santa Luzia entre 1997 e 2004.


Os luzienses em frente ao prédio da Justiça Federal em São Luís. Foto: divulgação

“Nós votamos em Doutor Márcio [o atual prefeito Márcio Leandro Antezanda Rodrigues, do PDT] por que o promotor afirmou que sua candidatura era válida, às vésperas das eleições”, afirmaram vários manifestantes, em visita à sede da Cáritas Brasileira Regional Maranhão.

História – O município de Santa Luzia teve incendiados os prédios do Fórum de Justiça, da Prefeitura Municipal e da Câmara de Vereadores na madrugada de 31 de dezembro de 2008 para 1º. de janeiro de 2009. Uma lista apócrifa circulou, à época, sofrendo complementações e chegando a 64 nomes de “vândalos” e “foragidos”, incriminados em um processo, hoje “desaparecido”, por “incitação, instigação e destruição do patrimônio público”.

A lista já circulava antes do protesto. “Eu mesmo fui avisado que deveria deixar de andar com alguns amigos meus, se não meu nome iria parar na lista e eu seria preso. Isso era ainda no Natal de 2008. Respondi simplesmente que não devia nada a ninguém”, afirmou o estudante de direito João Francisco Lisboa*, que mora em São Luís e vai constantemente à Santa Luzia visitar parentes e passar férias.

“Algumas pessoas que constavam da lista, à época, foram cooptados pelo então prefeito e tiveram seus nomes retirados. Outros não denunciam por temerem o que pode lhes acontecer”, continua. “O promotor Joaquim [Ribeiro de Souza Júnior] afirmou, por exemplo, que não acreditava que uma funcionária da prefeitura, cedida ao fórum, pudesse ter participado de qualquer ato que pudesse colocar seu nome na lista e retirou-o. Não sei qual a relação deles”.

Tortura – Mais de 10 mil pessoas acamparam em frente aos prédios públicos que viriam a ser incendiados. A manifestação pacífica teve início dia 29 de dezembro de 2008 e durou até o réveillon. “Não sabemos quem incendiou os prédios. Pode ser que pessoas tenham se infiltrado no movimento, não temos como saber. Mas é estranho, por que havia ostensiva vigilância policial e o fogo começou a comer de trás pra frente. Quem queimou entrou pelos fundos e nós estávamos acampados em frente”, afirmou o lavrador Antonio Vieira*

Após o ocorrido, na madrugada, manifestantes dispersaram-se, regressando às suas casas. A caminho do povoado Floresta, diversos homens foram torturados por policiais. Quem relata é o também lavrador Erasmo Dias*: “Derrubaram a gente no chão, bateram na gente de cassetete, pisaram. Eu recebi uma pisada que até hoje sinto dor nos rins. Outro companheiro que não está aqui teve um cassetete enfiado…”, não chega a completar a frase, com vergonha. “De lá nos levaram em dois camburões até a delegacia de Santa Luzia, o tempo todo os policiais chamando a gente de ‘vagabundos’. Depois fomos levados até a delegacia de Santa Inês em um carro da secretaria de educação do município. Em Santa Inês passamos mais de um dia presos, sem mandado, sem nada”, continua. Apesar de não haver sinais de arrombamento nos prédios, armas apreendidas no Fórum desapareceram. “Restaram apenas umas espingardas velhas. Á época, apesar de em recesso pelas festas de fim de ano, Prefeitura e Fórum recebiam, à noite, visitas de pessoas, provavelmente subtraindo documentos”.

“Eu passei foi 63 dias preso”, conta o comerciante José de Ribamar Tribuzi*, “sem mandado, sem nada. Queriam por força que eu dissesse o nome de pessoas para serem incluídas na lista. Sou muito ocupado, trabalho cerca de 12 horas por dia. Só sei dar conta da minha vida mesmo”. Ele foi solto após a expedição de um habeas corpus coletivo. Ainda segundo ele, o promotor tinha conhecimento da situação: “Um irmão de nossa igreja foi até ele pedir por mim. Ele disse que minha soltura só dependia de mim, mas que eu não estava querendo colaborar. Até hoje não fui ouvido por nenhuma autoridade. Só tive voz no Tribunal Popular do Judiciário”.


Luzienses querem a apuração dos fatos e protestam em frente ao Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Foto: divulgação.

Repercussão – A revista CartaCapital, em sua edição de nº. 603, de 7 de julho de 2010, trouxe a matéria O povo quer justiça, assinada pelo jornalista Leandro Fortes. Três páginas da revista descortinavam uma série de desmandos do poder judiciário maranhense, incluindo o “caso Santa Luzia”. Duas associações de juízes e promotores, além do promotor da comarca de Santa Luzia, escreveram cartas à publicação, que as veiculou. As cartas refutavam as acusações. O assunto também repercutiu em diversos blogues, na internet.

Sumiço – Os mais de 40 luzienses que estiveram ontem na capital foram à Justiça Federal obter um “nada consta” acerca do processo que supostamente corre contra quem teve seu nome incluído na famigerada “lista”. A justiça comum não tinha competência para instruir o processo, mas o fez, o que inclusive acarretou a prisão de várias pessoas no município – mesmo sem o cumprimento dos ritos necessários; depois, o processo foi encaminhado à Justiça Federal. Documento obtido pelos luzienses informou-lhes que lá não há processo nenhum tramitando sobre o assunto. Misteriosamente também não está em Santa Luzia.


Comissão de Direitos Humanos da OAB/MA comprometeu-se com a apuração dos fatos em audiência. Foto: divulgação

Representações assinadas pelos cidadãos foram entregues em São Luís na Justiça Federal e na Procuradoria Geral de Justiça pedindo a apuração dos fatos (leia as representações aqui e aqui). Os luzienses também foram ouvidos pela Comissão de Direitos Humanos da Seccional Maranhão da Ordem dos Advogados do Brasil (CDH-OAB/MA). A audiência foi presidida pelo advogado Diogo Cabral, que informou que os fatos seriam apurados e encaminhados às autoridades competentes.

*Nomes fictícios. Os denunciantes temem represálias.

Link original: http://tribunalpopulardojudiciario.wordpress.com/2010/08/05/luzienses-ratificam-denuncias-feitas-ao-tribunal-popular-do-judiciario

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