domingo, 19 de setembro de 2010

Gargalo na execução

Por: Direito & Justiça


JUSTIÇA EM NÚMEROS - Estudo divulgado pelo CNJ divide fases do processo e mostra que quantidade de ações paradas chega a ser quase 25 pontos percentuais maior nos trâmites finais do que no período de conhecimento

GIZELLA RODRIGUES

O estudo Justiça em Números, divulgado ontem pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), comprovou que o gargalo da Justiça Brasileira está na fase de execução. Pela primeira vez em seis anos, o CNJ dividiu o cálculo da taxa de congestionamento dos tribunais do País entre as fases de conhecimento e de execução de um processo.

A quantidade de ações de execuções paradas chega a ser quase 25 pontos percentuais maior do que quando ela está na fase de conhecimento. De acordo com os números, o Brasil tem hoje 86,6 milhões de processos em tramitação. Do total, 25,5 milhões chegaram à Justiça em 2009.

Segundo o CNJ, o congestionamento de processos na fase de conhecimento na Justiça Estadual totalizou 67,2% em 2009, mas chegou a 87,7% na fase de execução. O mesmo acontece com a Justiça Federal, que tinha congestionamento de 58% na fase de conhecimento e de 82% na execução. Em execuções fiscais, a situação é ainda mais preocupante. De cada cem processos em tramitação em 2009 na Justiça brasileira (Justiça Federal, do Trabalho e Estadual), 29 foram finalizados no mesmo período. No caso das execuções fiscais esse número cai pela metade, ou seja, de cem execuções fiscais em andamento em 2009, apenas 14 foram concluídas no mesmo ano.

Dos 86,6 milhões de processos em tramitação na Justiça, 26,9 milhões – o correspondente a um terço do total – são de execução fiscal. Vale destacar que 89% desses processos (23,9 milhões) tramitam na Justiça Estadual, colaborando para congestionar esse ramo da Justiça que é o mais demandando pela população. Enquanto a Justiça Trabalhista e a Federal receberam pouco mais de 3 milhões de casos novos em 2009, 18,7 milhões de processos (74% do total) foram ajuizados nos tribunais de Justiça dos estados brasileiros. Dos 50,5 milhões de processos pendentes na Justiça Estadual, aproximadamente 20,7 milhões, o equivalente a 40%, eram execuções fiscais.

O advogado tributarista Roberto Junqueira Ribeiro, da banca Duarte Garcia, Caselli Guimarães e Terra Advogados, diz que uma das partes do Código de Processo Civil (CPC) que mais sofreu alterações desde que a legislação foi aprovada foram os artigos que tratam das execuções; mas, apesar das mudanças na legislação, muitas vezes o devedor é quem retarda a ação e há casos em que ele não tem como se responsabilizar pela dívida, outro entrave para a celeridade das execuções. Nas questões que envolvem o Fisco, segundo o tributarista, há uma quantidade maior de processos, um valor maior envolvido neles e ainda mais recursos. “Como as execuções fiscais não passam pela fase de conhecimento – ou seja, o Fisco já entra direto na Justiça cobrando a dívida e o faz às vezes sem fundamentos jurídicos –, há mais recursos porque os devedores não só questionam o valor do débito, mas o débito em si”, explica.

O vice-presidente do Instituto Brasileiro de Direito Processual, Petrônio Calmon, defende que a Justiça não é a única responsável pela demora das execuções.

“Se você entra com uma ação de danos morais no valor de R$ 5 mil e o juiz reconhece o seu direito, receber o dinheiro não depende mais do Judiciário.

O credor vai ter que encontrar bens do devedor para serem penhorados para que a dívida seja paga. É claro que o juiz pode ajudar porque ele é o único que tem acesso a contas bancárias e outras informações do tipo”, diz. Para ele, à medida que o sistema dos cartórios de registros de imóveis e dos departamentos de trânsito dos estados forem integrados ao sistema do Judiciário, receber uma dívida por determinação da Justiça será mais fácil.

O próprio Justiça em Números reconhece que o combate à morosidade judicial no Brasil deve envolver necessariamente o debate específico sobre os procedimentos de execução fiscal.

O presidente interino da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), Wilson Dias, defende que as cobranças de dívidas do Executivo na Justiça sejam feitas de outra forma. “Há processo de execução fiscal de valores irrisórios, R$ 40, R$ 50. O custo para o Estado é maior do que o valor da causa”, afirma.

Segundo ele, este é o momento de se iniciar um amplo debate para a mudança na legislação e outros meios que acelerem a execução, principalmente fiscal, como a conciliação e a arbitragem.

“Esse excesso de processos prejudica toda a sociedade, que tem outras demandas urgentes para serem solucionadas de igual ou maior relevância”, argumenta.

De acordo com o Justiça em Números, embora persista o desafio de diminuir os percentuais das taxas de congestionamento no Judiciário – um índice de 71% que se mantém elevado desde 2004 –, os dados de 2009 apontam que, diferentemente do que ocorria em 2008, quando a relação entre processos ingressados e baixados era de 86%, a Justiça brasileira está próxima de conseguir baixar mais processos em relação aos que dão entrada nos tribunais – esse índice alcançou 99% em 2009. O primeiro grau da Justiça Federal apresentou um percentual de 33% a mais de processos baixados em relação ao ano anterior. A estatística mostra que os tribunais estão em dia com a Meta 1, que prevê o julgamento de ações em quantidade equivalente ao número de novos processos e mais uma parte do estoque.

PROCESSOS ELETRÔNICOS

Estudo faz balanço sobre virtualização

O estudo Justiça em Números de 2009, do CNJ, também inovou ao trazer, pela primeira vez, o índice de processos eletrônicos, com o objetivo de investigar o nível de informatização dos tribunais e a adoção da nova sistemática tecnológica de tramitação processual. A Justiça Federal é a que está na frente nesse quesito, com índices de virtualização variando entre 52,4% (3ª Região) e 69,1% (5ª Região).

O Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1) atingiu o percentual de 97,4% no primeiro grau.

A virtualização dos processos ainda aparece de forma tímida na Justiça do Trabalho.

Apenas quatro tribunais regionais do Trabalho (TRTs) informaram os quantitativos de casos novos eletrônicos (11ª, 12ª, 13ª e 18ª regiões) com percentuais entre 0,7% (11ª Região) e 81% (12ª Região).Na Justiça Estadual há grande disparidade entre os tribunais. Enquanto há casos como os do TJ-RR e TJ-RN, em que 57,1% e 48,5% dos processos ingressaram por meio eletrônico, respectivamente, vários tribunais indicaram quantitativos praticamente inexpressivos de adoção da nova tecnologia, como o do Distrito Federal, do Rio Grande do Sul e do Paraná.

O relatório também mostra que o Brasil tem 16.108 juízes, média de oito magistrados por 100 mil habitantes.

A média é baixa se comparada a países europeus.De acordo com o relatório, na Espanha há 10 juízes para cada 100 mil habitantes; na Itália, são 11 por 100 mil; na França, 12 por 100 mil; e em Portugal, 17 juízes para cada 100 mil habitantes. A Justiça brasileira tem 312.573 servidores.

Junto com os funcionários terceirizados, o pagamento de salários, benefícios e demais vantagens a eles corresponde a 90% do total da despesa do Judiciário (R$ 37,3 bilhões).

O Justiça em Números é um diagnóstico detalhado do funcionamento do Judiciário, com dados sobre o número de processos em tramitação, taxa de congestionamento, carga de trabalho e número de juízes por tribunal e ramo da Justiça. O estudo é feito pelo Departamento de Pesquisas Judiciárias do CNJ desde 2004. (GR)

Nenhum comentário: