A disputa pela prefeitura do Rio de Janeiro neste ano tem tudo para ser morna. Em busca da reeleição, o prefeito Eduardo Paes (PMDB) vai reeditar a dobradinha com o governador Sérgio Cabral, correligionário e avalista político. O deputado federal Rodrigo Maia, um dos últimos moicanos no DEM e filho do ex-prefeito Cesar Maia, lançou-se em uma parceria esdrúxula.
Terá como vice Clarissa Garotinho, deputada estadual pelo PR e filha do ex-governador Anthony Garotinho. Maia e Clarissa podem ser considerados típicos filhinhos de papai, pois o “casamento” eleitoral só foi possível após os progenitores acertarem o dote.
Quem, talvez, possa representar uma brisa de novidade na disputa é a dupla de outsiders Marcelo Freixo e Marcelo Yuka. Freixo, do PSOL, conhecido na Assembleia Legislativa pela atuação contundente contra as milícias e a favor dos direitos humanos, manteve o princípio de seu partido de evitar coligações eleitorais. Em vez de um político profissional como ele, o deputado convidou Yuka, músico e compositor, ex-integrante da banda O Rappa. “Ele representa a minha aliança com a sociedade civil”, afirma Freixo.
Desde 1992, com Benedita da Silva, o carioca não via entre os concorrentes alguém de esquerda com algum patrimônio eleitoral: Freixo foi o segundo deputado estadual mais votado nas últimas eleições. A pauta do candidato do PSOL (na verdade, pré-candidato, embora sua indicação seja certa) tem tudo para dar algum tempero aos debates. Ele critica duramente os lucros excessivos dos empresários do ramo de transportes, a privatização do setor de saúde e a diminuição da ação governamental. “Na próxima votação, o Rio vai definir a história dos próximos 30 anos”, diz em referência às obras e projetos em andamento para a Copa de 2014 e a Olimpíada de 2016. “É talvez a cidade mais emblemática do mundo para definir se queremos ou não um espaço onde o prefeito é um mero síndico e quem manda são as megacorporações.” Formado em História, o deputado diz não ter a ilusão de tornar o Rio socialista em uma eleição municipal, mas acredita ser possível, ao menos, rediscutir o papel do Estado.
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A candidatura segue o padrão PSOL verificado em eleições recentes: críticas agudas à esquerda e viabilidade duvidosa nas urnas. Além de não ter feito coligações, Freixo disporá de apenas 60 segundos no horário eleitoral de tevê, enquanto Paes contará com 14 minutos, e o orçamento de campanha será minguado. “Não temos dinheiro para alugar imóveis, então vamos pedir às pessoas que cedam suas casas para montarmos comitês”, planeja.
Yuka, autor de várias músicas recheadas com letras de crítica social, define-se como “um cavalo” a serviço de Freixo. “Entrei nessa porque acredito nele”, assegura o compositor. Contra a escassez de recursos, o artista, que ficou paraplégico ao ser baleado durante um assalto há 11 anos, aposta na força de mobilização da internet. “Assim começou a Primavera Árabe”, diz. Segundo o músico, suas prioridades são lutar contra a criminalização da pobreza e a privatização do espaço público. O deputado faz coro: “Esse novo tipo de mobilização não cabe nos partidos, é algo maior que eles”.
O discurso de Freixo pode soar como menosprezo à política partidária, algo no mínimo curioso para um parlamentar em pleno exercício do mandato e prestes a participar de nova eleição. Seria? “A ideia não é despolitizar. Apenas é preciso observar que há outras formas de fazer política além dos partidos”, rebate. Na hipótese de chegar ao segundo turno contra Paes, ele estaria disposto a negociar o apoio do DEM para se eleger? “De forma alguma. Se quiserem dizer que eu sou o melhor candidato, será por conta deles. De minha parte não teria conversa.” Mesmo se isso representasse a diferença entre ganhar e perder a eleição? “Não busco apenas uma vitória eleitoral, mas uma vitória política da forma que foi desenhada por nós. Minha trajetória não se encerra numa eleição.” Na hipótese de ser eleito, Freixo promete continuar a se fiar na sociedade civil, a quem convocaria para acompanhar as sessões da Câmara Municipal. Assim, acredita, inibiria a oposição dos vereadores fisiológicos.
Para o cientista político Jairo Nicolau, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, a postura atual do PSOL se parece muito com a do PT antes de chegar ao poder. “É o papel de trazer temas diferentes para a agenda política”, acredita. “Foi esse um dos motivos da adoção da eleição em dois turnos no Brasil. A primeira rodada seria destinada a um debate mais amplo e a segunda teria caráter mais pragmático.” Apesar da aparência de azarão, o cientista político avalia que as intenções de voto estão de tal forma pulverizadas que Freixo poderia ter alguma chance de ir ao segundo turno, caso venha a se destacar na campanha. Mas sem coligação política, a possibilidade de ser eleito vai ao fundo do poço. “Em caso de vitória, seria inviável governar sem uma aliança legislativa”, diz Nicolau.
O deputado Freixo entrou na política pela porta do PT, partido ao qual foi filiado entre 1986 e 2005. Por muito tempo, atuou na ONG Justiça Global, de defesa dos direitos humanos, e presidiu o conselho comunitário que fiscalizava o tratamento dado aos presos nas carceragens do Rio. Na Assembleia Legislativa, sua atuação contra as milícias rendeu prisões de milicianos e muitas ameaças. Hoje ele vive rodeado de seguranças. Suas campanhas contam com o apoio maciço de jovens universitários e de artistas de tevê e cinema como Wagner Moura, Marcelo Serrado e José Padilha. Faz críticas duras ao governador Cabral (as mais recentes dizem respeito ao setor de transportes) e ao prefeito Paes, que ele identifica como alguém com a “cabeça tucana”.
Estreante na política partidária, Yuka sente os efeitos de sua escolha. “Muitos shows meus marcados anteriormente estão sendo cancelados por conta dessa candidatura”, diz. “O jogo é pesado.” Por isso, considera a possibilidade de adiar o lançamento do CD que deveria ocorrer em junho, em plena campanha. Simpatizante do MST – apresentou-se no Rock in Rio com uma enorme bandeira vermelha dos Sem-Terra – e outras causas sociais, por muitas vezes Yuka esteve lado a lado com Freixo em manifestações populares. “No começo perguntava: ‘Quem é esse mauricinho?’”, admite, às gargalhadas. Depois confirmou a identidade de objetivos. Por isso, não tem dúvida em acreditar em tudo o que Freixo diz quando se refere a rechaçar alianças conservadoras. “Está tudo gravado nesta entrevista, é um documento. Podem cobrar depois”, sugere.
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