segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Sem resolver os problemas econômicos dos países pobres produtores, a droga continuará a infernizar a vida dos povos, especialmente dos carentes


José Afonso da Silva: Complexo do Alemão


O combate aos efeitos teve êxito, não total, porque muitos traficantes conseguiram escapar da operação no Complexo do Alemão. Êxito até quando? Ninguém cogitou de saber das causas da favelização brasileira, onde vive um povo sofrido, com má habitação, má urbanização e, ainda, mal atendido pelos serviços públicos.

Ninguém se lembrou de fazer uma análise em profundidade sobre as razões por que chegamos a esse estado de coisas, a ponto de empregar as Forças Armadas em uma missão que não é sua.

Forças Armadas não são instituições adequadas à segurança pública. Duque de Caxias não o faria, pois ele não perseguia sequer vencidos de guerra em fuga, para não ser confundido com capitão-do-mato. O combate à criminalidade, por mais rigoroso que deva ser, não pode se confundir com ações de guerra, ainda que a retórica sempre fale em vencer essa "guerra".

Quem vai à guerra, como missão própria das Forças Armadas, vai para matar, porque, na guerra, a luta é de inimigo contra inimigo. Na segurança pública, o combate visa a captura dos delinquentes, não a sua eliminação física, a fim de que sejam submetidos a um julgamento justo perante o Poder Judiciário.

Isso é assim mesmo naqueles países em que existe pena de morte, porque esta há de ser aplicada mediante decisão judicial em que se garanta ao indiciado o devido processo legal e a ampla defesa, com todos os meios e recursos a ela inerentes .

Não se faz análise de por que chegamos a esse estado, pois esta só pode concluir por profunda alteração na estrutura da renda nacional. E isso não interessa às elites nem mesmo à imprensa falada e escrita, beneficiárias do sistema de concentração de rendas.

Todos sabem que a favelização do Brasil decorreu da ocupação caótica, irracional e ilegal do solo urbano, que gerou aquilo que Ermínia Maricato chama de "cidade oculta, disfarçada e dissimulada, quando manifestações de violência criminal evidenciam o que as camadas dominantes insistiram em esconder: a desastrosa construção socioecológica, a gigantesca concentração de miséria que resultou de um processo histórico de ocupação excludente e segregadora do solo urbano".

Foi, de fato, o loteamento ilegal, combinado com a autoconstrução parcelada da moradia durante vários anos, a principal alternativa de habitação para a população migrante se instalar nas principais cidades brasileiras.

A urbanização das cidades europeias e norte-americanas foi uma função da industrialização, mas não foi assim no Brasil. Aqui, ela proveio do êxodo rural, por causa da má condição de vida no campo e da liberação de mão de obra por várias razões, incluindo a transformação de plantações em campos de criação de gado.

Tal era o momento de uma profunda reforma agrária, para reter o homem no campo em boas condições de vida e de renda, em benefício de todos. O tráfico é problema sério; aos países produtores não interessa eliminá-lo, pois ele integra sua economia e suas rendas.

O cultivo das drogas nos países de origem tem importância social, porque contribui para dar comida aos pobres, mas também para o enriquecimento de uma minoria exploradora da miséria humana.

Sem resolver os problemas econômicos dos países pobres produtores, a droga continuará a infernizar a vida dos povos, mormente dos povos mais carentes.

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JOSÉ AFONSO DA SILVA, advogado constitucionalista, é professor titular aposentado da Faculdade de Direito da USP e autor de "Curso de Direito Constitucional Positivo", entre outras obras. Foi secretário da Segurança Pública de São Paulo (governo Mário Covas).





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