quinta-feira, 25 de novembro de 2010

A Solidão de Julgar

A opção por julgar e definir quem tem direito é uma espécie de celibato. Um julgador se faz na sua trajetória como cidadão e como ser humano. Recebe influências de seu  meio, compartilha opiniões relativas a uma visão de mundo em particular. Nesse sentido, o juiz já nasce feito. O caso concreto apenas o obriga a fazer uma arrumação de raciocínios lógicos, no sentido da prestação jurisdicional.

Quintana já dizia que todos os poemas são na verdade parte de um mesmo poema. No caso do julgador, suas decisões formam um conjunto que denuncia sua trajetória. Apesar de tudo isso, não é razoável que um juiz provoque perplexidades, com posturas inadequadas para quem deve julgar conflitos de interesses.

É estranho que um juiz seja visto com frequência, em reuniões sociais ou festivas, com partes interessadas ou potecialmente interessadas em julgamentos. Assim como não é recomendável que receba presente, dádivas ou mimos, também não é correto que suas associações ou eventos recebam patrocínio de pessoas, físicas ou jurídicas, interessadas em eventuais julgamentos. É estranho que um juiz assuma a postura de advogado nos processos.  Apesar de a própria legislação em vigor explicitar tais impedimentos, parece que parte da magistratura não a leva muito a sério.

Alcebíades de Magalhães Dias, o juiz "Cidinho", tornou-se célebre por sua paixão pelo Atlético Mineiro, lembrou-nos em brilhante palestra o professor Agostinho Marques, enquanto debatia o tema da neutralidade dos juízes. Ele mesmo, o árbitro, conta a história (http://www.museudosesportes.com.br/noticia.php?id=7823):

“Atlético e Botafogo jogavam na inauguração do estádio do Cruzeiro em 1949. Afonso e Santo Cristo disputavam a bola para saber de quem era o lateral. Quando o beque do Atlético me perguntou de quem era a bola, deixei escapar uma frase que me acompanhou para o resto da vida – É nossa, Afonso, a bola é nossa”. 

Pois bem: um juiz não pode ser o "Bola Nossa", como ficou conhecido o Cidinho. O remédio para preconceitos ainda é cultura, embora seja possível encontrar grandes intelectuais preconceituosos. Por exemplo, estive no em Natal, Rio Grande do Norte, e ao festejar Câmara Cascudo, fui lembrado de que fora adepto das doutrinas facistas. Jorge Luís Borges, Vargas Lhosa e até o nosso Ferreira Gullar, são bons exemplos de conservadorismo agressivo.

A tarefa de julgar é mais difícil. Ela exige não apenas estatura intelectual (que é diferente da simples familiaridade com a lei posta), mas conduta ética. 

Para julgar bem, é necessário isenção, um execelente argumento para a percepção de polpudos salários. Para julgar sem temor, os juízes têm as garantias constitucionais, um excelente argumento para quem não quer sair da Comarca, em razão do clamor da sociedade. 

Diz-se que julgar implica em solidão, afastamento. Mas isso não quer dizer medo da sociedade. Juiz que não vivencia os problemas da comarca torna-se dispensável. Termina por ouvir a sociedade, de outro jeito, em protestos de rua contra a sua pessoa. A inamovibilidade deixa de uma garantia da sociedade quando todo mundo quer ver o magistrado pelas costas. Isso é muito ruim.


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