domingo, 18 de agosto de 2013

Policial 'gente boa' atenua conflitos no Rio de Janeiro

18/08/2013 - 02h00

Folha de São Paulo

LUCAS VETTORAZZO
DO RIO

Desde que ele começou a circular nos protestos no Rio, não houve mais coquetéis molotovs atirados contra a polícia e ao menos quatro manifestações terminaram sem conflitos ou depredações.

O tenente-coronel da Polícia Militar Mauro Maciel de Andrade, 43, é o oficial à frente do recém-criado GPPM (Grupamento de Policiamento de Proximidade em Multidões). A unidade, com 180 homens, foi criada depois do confronto ocorrido no dia 22 de julho em frente ao Palácio Guanabara, sede do governo estadual, após a recepção ao papa Francisco.

Na ocasião, coquetéis molotov e bombas caseiras foram lançadas contra os policiais, que revidaram com bombas de gás lacrimogêneo, de efeito moral e balas de borracha. Manifestantes acusam agentes infiltrados de terem começado a confusão.

Desde o episódio, a polícia reduziu o efetivo dos chamados P2, agentes à paisana que se misturavam aos manifestantes. Sob o comando de Andrade, grupos de policiais fardados passaram a acompanhar os atos de perto, revistando mochilas em busca de artefatos.
Os homens desse grupamento são identificados por números e letras estampados no colete e no boné da farda. O modelo alfa numérico de identificação já rendeu ao grupo o apelido de "batalha naval".
O novo estilo de policiamento tem como peça fundamental o jogo de cintura de Andrade. Quando ele chega, com suas luvas e uma arma de choque no coldre, os manifestantes dizem que "o E-10 é gente boa", em referência a sua identificação.
Já foi visto sentado no meio-fio conversando com manifestantes no Leblon e aconselhando um deles a não agir violentamente contra policiais em frente ao Palácio Guanabara.
"Solta essa pedra, rapaz. Para de chutar a grade. Se o Choque vier vai ser pior para todo mundo", pedia ele.
Ganhou o respeito dos Black Bloc quando, durante um protesto, mandou que seus homens ficassem na calçada e subiu sozinho as escadarias da Assembleia Legislativa, onde os homens de preto estavam. Cumprimentou um a um.
"Quando eu vi aquilo eu pensei: o Mauro é maluco", disse à Folha um ativista que está em quase todos os protestos. "Impressiona a calma dele e seu respeito pelos manifestantes."
Recentemente, os próprios Black Blocs lhe deram um exemplar do livro "Como a Não Violência Protege o Estado", do anarquista norte americano Peter Gelderloos, para que ele entendesse sua maneira de protestar.
O ativista admite que o modelo de policiamento "é mais inteligente e humano, mas continua sendo visto pelos manifestantes como uma forma de repressão do estado". No protesto da última quinta-feira, inclusive, manifestantes publicaram nas redes sociais que não iriam permitir mais revistas por parte da polícia.
Andrade se antecipou e trouxe consigo panfletos, amadoramente produzidos, com as leis que regem protestos de rua. Um dos artigos diz que a "abordagem policial (...)é necessária para a polícia se certificar de que não há pessoas armadas no protesto".
CONFRONTO
O tenente-coronel é um dos idealizadores do grupamento, inspirado no trabalho da PM do Rio nos estádios de futebol. Na quarta (14), por pouco o oficial conseguiu evitar que um protesto terminasse em confronto em frente ao Palácio Guanabara.
Policiais do Batalhão de Choque e manifestantes estavam cara a cara. Houve um bate-boca e um policial tentou prender um manifestante. A partir daí, a situação saiu de controle.
"Foi um fio de cabelo [o estopim para o confronto intenso]", repetia ele a jornalistas, desanimado, no meio do fogo cruzado.
Assim que o Choque entra em ação, os homens de Andrade saem de cena. Quando isso ocorre, contudo, o tenente-coronel não esconde a frustração.
"Minha meta é reduzir os feridos de ambos os lados. Essa é a filosofia da polícia de Israel, a que mais lida com protestos no mundo", disse à Folha.
O teste de fogo de Andrade numa manifestação durante a JMJ (Jornada Mundial da Juventude), em Copacabana. O tenente-coronel conseguiu que um princípio de tumulto não se transformasse em uma catástrofe em meio aos peregrinos que tinham ido ali ver o Papa.
Mauro negociou com a Força Nacional para que os manifestantes pudessem chegar mais próximos do palco. Nesse episódio, houve uma pequena confusão que não se alastrou.
Com três cursos superiores -oficial pela PM (que equivale a nível superior), odontologia e direito- e duas pós-graduações, uma delas em Gestão de Segurança Pública pela FGV, ele diz entender as demandas das ruas.
Afirma não estar cansado de acompanhar os protestos. Acredita que o país vive um momento histórico e diz que sentirá orgulho no futuro de "ter trabalhado para reduzir ao máximo os danos de ambos os lados durante esse movimento".
Casado, com duas filhas pequenas, Andrade, que já foi assessor jurídico de Josias Quintal, secretário de segurança pública do ex-governador Anthony Garotinho, diz que quem não está nada satisfeita com o momento político brasileiro é sua mulher. A cada manifestação ela instala uma espécie de centro de comando em casa. "Ela liga dois tablets, dois iPhones e um iPod Touch na Mídia Ninja e fica acompanhando em tempo real", diverte-se. "Minha mulher me vê mais nas internet do que em casa", brinca. 

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