terça-feira, 2 de abril de 2013

No caminho do “progresso”

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Enviar a Força Nacional é uma dura resposta do governo brasileiro à resistência dos povos amazônicos ao projeto de construção de sete usinas nos rios Tapajós e Jamanxim
 
02/04/2013
 
Ednubia Ghisi
de Itaituba (PA)
 
A cidade de Itaituba, localizada no oeste do Pará, é retrato da situação urbana na região. Falta de asfaltamento e calçadas provocam acidentes, mas são o menor problema, diante da ausência de água potável encanada e de saneamento básico no município de cerca de 100 mil habitantes. Foi lá que 250 soldados da Força Nacional de Segurança Pública, Polícia Federal, Polícia Rodoviária e Força Aérea Brasileira chegaram no dia 27 de março. A tarefa dos homens, ordenada e autorizada via decreto presidencial, é escoltar técnicos na realização da última etapa do levantamento de informações ambientais na região do médio e alto Tapajós. As pesquisas fazem parte da finalização dos Estudos de Impacto Ambiental que possibilitarão as licenças ambientais para a construção da usina São Luiz do Tapajós – uma das sete previstas no Complexo Hidrelétrico Tapajós.
Enviar a Força Nacional para a região é uma dura resposta do governo brasileiro à resistência dos povos amazônicos ao projeto de construção de sete usinas nos rios Tapajós e Jamanxim. A ação contraria uma decisão da Justiça Federal, de novembro de 2012, que proibiu a concessão das licenças para construção das usinas por falta de consulta prévia às comunidades afetadas, direito previsto na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Passados cinco meses, na semana passada a Justiça Federal tomou posição favorável às pesquisas, negando o pedido do Ministério Público Federal no Pará (MPF-PA) de suspensão da operação policial para o acompanhamento dos técnicos que realizarão os estudos.
E o que justifica o envio de 250 homens para escoltar biólogos, engenheiros florestais e técnicos em pesquisas floresta amazônica adentro? Os pesquisadores, contratados pelas empresas que compõem a sociedade do Complexo Hidrelétrico Tapajós – a conhecida Camargo Corrêa e a EDF Consultoria em Projetos de Geração de Energia – estão há pelo menos cinco anos percorrendo, medindo, escavando territórios de comunidades amazônicas, mas enfrentam grande desconfiança e resistência por parte da população.
Diante da ofensiva do Poder Público para forçar a realização dos estudos, o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), a organização de Direitos Humanos Terra de Direitos e a Comissão Pastoral da Terra (CPT) (BR 163 e Santarém) protocolaram no dia 1º de abril documento no MPF denunciando a situação de tensão e conflito iminente nas comunidades afetadas pelo projeto da UHE São Luiz do Tapajós. A carta solicita a suspensão imediata de todos os estudos e trabalhos realizados no interior das comunidades e aldeias indígenas, até que seja realizada consulta prévia e informada, como prevê a Convenção169 da OIT.
Os afetados são aproximadamente 13 mil indígenas da etnia Munduruku, localizados no alto Tapajós, no município de Jacareacanga (PA). A previsão é de que cerca de 2 mil quilômetros de território indígena, principalmente dos Munduruku, sejam inundados, além de outras 32 comunidades amazônicas que serão afetadas.
Liderança Munduruku e representante da Associação Indígena Pusuru, Waldelírio Manhuary conta que ele e outros representantes da etnia foram até Brasília (DF) conversar com integrantes do governo federal sobre as consequências das hidrelétricas. Diante do secretário-geral da Presidência Gilberto Carvalho, e do ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, os Munduruku reafirmaram a posição de não aceitar as obras, mesmo com possíveis compensações. Segundo Manhuary, a resposta dos representantes do governo veio incisiva, afirmando a realização do Complexo, independente da opinião dos povos da região.
Para a assessora jurídica da Terra de Direitos em Santarém (PA), Érina Gomes, a falta de consulta às comunidades afetadas faz com que os estudos para o licenciamento ambiental sejam o estopim dos conflitos entre governo, empresas e comunidades. “Apesar de todo mundo saber que o governo e as empresas pretendem construir a barragem, que o licenciamento ambiental está sendo feito, o espaço de diálogo que proporcione que a comunidade participe não existe de uma forma democrática”. A entrada de estranhos nos territórios das comunidades sem diálogos anteriores faz das pesquisas uma violação do direito de informação e participação dos moradores.
 
Desenvolvimento x destruição
Em terras onde o Poder Público é historicamente ausente, onde grandes proprietários são sinônimos de degradação da natureza e a população tradicional é ora ignorada, ora tratada como exótica, a chegada de megaprojetos e altos investimentos públicos e privados gera grande desconfiança. De uma hora para outra, direitos sempre renegados passam a ser propagandeados no pacote do desenvolvimento para a região. São falsas e antigas promessas que tentam convencer as comunidades a aceitarem os impactos da usina São Luiz do Tapajós, que tem reservatório previsto em 722,25 km2.
“A barragem é anunciada como um processo de desenvolvimento, como a redenção dos problemas enfrentados pelas comunidades. As empresas se aproveitam da ausência de políticas públicas, utilizam isso como instrumento a seu favor”, analisa o integrante da coordenação nacional do MAB no Pará, Iury Paulino. Um dos principais desafios da resistência, na leitura de Érina Gomes, é romper com a histórica prática da “troca do espelhinho”, que restringe os direitos da população a benesses do estado e das empresas.
Os cerca de 800 ribeirinhos da comunidade Pimental, município de Trairão (PA), não aceitam o discurso do progresso e o enaltecimento dos benefícios trazidos pelas hidrelétricas. Eles vivem às margens do rio, na região onde se pretende cravar o canteiro de obras da São Luiz do Tapajós. “Não tem dinheiro que pague a convivência na nossa comunidade. O desenvolvimento que nós precisamos é energia, melhorias na saúde, na educação, mas não é preciso hidrelétrica no Tapajós para termos tudo isso”, garante Luiz Matos de Lima, liderança comunitária de Pimental.
Dias antes de ter a comunidade invadida por 250 homens da Força Nacional de Segurança Pública, Waldelírio Manhuary, liderança Munduruku, mostrava preocupação com a posição impositiva do governo no processo de construção do Complexo Hidrelétrico Tapajós: “Nós não somos contra o desenvolvimento, mas o desenvolvimento dessa forma nós somos contra, sim. Pra nós, isso não é desenvolvimento, isso é uma destruição”.
 
A história se repete
Falando em promessas, a história da construção das usinas de Tucuruí e Belo Monte têm muita semelhança com o projeto arquitetado para o rio Tapajós. Más condições de trabalho no canteiro de obras, aumento da violência, tráfico de pessoas para exploração sexual e trabalho escravo são alguns dos resultados práticos de Belo Monte. “O canto da sereia que o governo estava propagandeando lá na região já se desfez, os moradores já perceberam que o paraíso que foi prometido nunca vai ser entregue”, aponta Marco Apolo Santana Leão, presidente da Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos (SDDH), que acompanha a resistência à hidrelétrica há anos.
Para o advogado, a obra gera problemas, destruição, insegurança e aborrecimento para a população. Das mais de 40 mil pessoas atingidas, cerca de 80% são da cidade. Estão previstos mais de 5.500 reassentamentos urbanos, mas até agora as famílias não têm certeza de qual será o tamanho da mudança. “As pessoas estão preocupadas, porque o governo prometeu casas grandes, de três quartos, e agora está voltando atrás. Existe uma revolta muito grande, seja da população urbana e até mesmo de comerciantes, pois já falam que a evolução econômica prometida também não ocorreu”, afirma.
Construída a partir da barragem no rio Tocantins, a hidrelétrica de Tucuruí é uma das maiores obras de engenharia de Amazônia. Os estudos para a obra iniciaram em 1969, durante a ditadura militar, e ela foi inaugurada em 1984. Na avaliação de Marco Apolo, “o maior precedente hidrelétrico no Pará é a usina de Tucuruí”. Segundo o advogado, contraditoriamente, até hoje centenas de comunidades localizadas às margens da barragem estão às escuras, sem acesso à energia elétrica. Índios Gavião da Montanha que foram realocados daquela região ganharam ação judicial, mas a Eletronorte se recusa a pagar.
“A história mostra que o governo está mentindo, que os efeitos dessa obra já são nocivos, e o mesmo movimento feito em Tucuruí, as mesmas desgraças que aconteceram em Belo Monte, estão sendo pouco a pouco introduzidas na região do Tapajós”, lamenta o advogado da SDDH.
 
Impacto ambiental
Estudos do inventário hidrelétrico do rio Tapajós, liberados pela Eletrobras, dão indícios do tamanho do impacto ambiental do Complexo Hidrelétrico Tapajós. A área inundada no Parque Nacional da Amazônia pode chegar a 150Km2, equivalente a aproximadamente 20 campos de futebol; a Floresta Nacional (Flona) de Itaituba I pode sofrer inundações de três das hidrelétricas, com total de 9.632 ha; já a Flona Itaituba II sofreria inundação de São Luiz e Cachoeira do Caí, com 40.836 ha, equivalente a 9,27% da Floresta Nacional; o Parque Nacional Jamanxim teria 24.204 ha inundados por três usinas; a Flona Jamanxim teria 15.060 ha inundados por duas hidrelétricas.
Para além dos parques e reservas florestais, a execução das sete hidrelétricas poderá deixar embaixo d’água 121,1 km2 da Terra Indígena Munduruku, Terras Indígenas Sai Cinza, São Martinho e Boca do Igarapé Pacu. Pelo menos 32 comunidades ribeirinhas, de pequenos agricultores e pescadores artesanais, serão diretamente afetadas pelas obras. Somente a inundação prevista para as hidrelétricas de São Luiz do Tapajós e Jatobá, duas das sete que compõem o Complexo Tapajós, cobrirão de água 1.368 km2 de floresta, o que significa pelo menos duas vezes mais do que a área inundada por Belo Monte.
Foto: Ramon Santos

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