segunda-feira, 6 de agosto de 2012

Mensaleiros e mensalões

O julgamento do mensalão é mesmo um divisor de águas. Não é o julgamento de um partido político apenas. É o julgamento de uma prática política, disseminada num espectro partidário mais amplo, que reúne setores da direita e setores da esquerda.
Quem tentou defender essa prática,como simples perseguição ao PT, parece que vai quebrar a cara. Ontem, por exemplo, o procurador geral da república, que fez a acusação no julgamento perante o STF, fez questão de estabelecer os vínculos entre o mensalão mineiro (do PSDB), com o mensalão do PT. O políticos do PSDB devem ter ficado com o sorriso amarelo, no momento em que o representante do MPF falou a esse respeito, visto que demonstravam uma certa euforia, com o julgamento de ontem, inclusive trocando cochichos com o procuador geral, como se com isso pudessem demonstrar afastamento de tais práticas.
Contudo, para realmente ser um divisor de águas, esse julgamento precisa tocar na principal ferida aberta pelo mensalão, que é o financiamento ilícito de campanha. Ele é apenas o desdobramento de uma prática política oriunda de duas vertentes distintas, quando se trata de direita e esquerda. Entre partidos políticos da direita, significa reminiscência colonial privatista, jamais abandonadas pelas elites brasileiras. Do lado da esquerda, a subordinação da ética à tática do poder pelo poder.
No PT, essa contracultura socialista não remonta aos assaltos às instituições financeiras, durante o período da guerrilha urbana. Ali ainda havia o ideal, a utopia de que o capitalismo precisaria ser destruído. O problema se fortaleceu com o pragmatismo - a via mais fácil para conquistar o poder - sedução irresistível de uma geração que nunca gostou da ideia de um longo e indefinido empenho de suas energias com a luta social.
Coincidência ou não, os membros do PT que figuram como réus são os grandes expoentes da visão pragmática que gradualmente se fortaleceu no partido, cujo estatuto orientador mais célebre consiste na famosa "Carta do Povo Brasileiro", publicada por Lula em 22 de junho de 2002, para acalmar setores do mercado.
José Genoíno foi um dos primeiros líderes petistas a estabelecer no próprio discurso um afastamento gradual com os movimentos sociais. Suas aparições públicas em ambientes militantes geralmente redundava em vaias. Incorporou o discurso dos seus algozes militares a tal ponto que passou a ser idenfiticado como homem de confiança até dos setores mais atrasados da caserna.
Dirceu, não é acusado de ser o líder da quadrilha por acaso, embora a acusação tenha mais dificuldades para reunir provas em se desfavor. Sempre foi o cérebro da guinada para direita do PT. Como controlava o governo com mãos de ferro, é absolutamente improvável de que não apenas tivesse conhecimento do crime - como afirma Marcos Valério - mas também exercesse a sua coordenação e direção. Mesmo institucionalmente fora da vida pública, até no presente momento, exerce forte influência nos governos petistas, inclusive no de Dilma, indicando ou vetando cargos, ao sabor dos interesses do seu grupo. Mais recentemente foi flagrado despachando com parlamentares e Ministros de uma espécie de gabinete informal, onde a função de consultor de grandes interesses econômicos privados se confunde com atividades de lobby.
Sivio Pereira e Delúbio são figuras por demais conhecidas da militância sindical e da militância petistas. Fiéis seguidores das determinações emanadas pela direção do grupo, notabilizaram-se sobretudo por uma inexpugnável carência de princípios éticos, por onde deixaram sempre os rastros. Para se ter uma idéia, Delúbio foi flagrado recentemente recebendo o salário de professor em Goiás, em escola onde nunca colocara os pés. João Paulo, num outro patamar, contratou a empresa de Marcos Valério para fazer publicidade inexistente, quando foi presidente da Câmara dos Deputados e está no rol dos que sacaram dinheiro do esquema do mensalão. Todos são da mesma corrente interna do PT.
Esse grupo, conseguiu se tornar hegemônico no PT e na CUT, construindo o desmonte ideológico de pelo menos duas bandeiras que fizeram o partido uma poderosa máquina de vencer eleições: a ética e a defesa dos interesses da classe trabalhadora. Hoje nada disso existe mais. Se existe, ficou reduzido a uma escala de muito menor importância, diante das companhias políticas que hoje avalizam a sustentabilidade política do governo central: Renan Calheiros, Collor, Maluf, Sarney, apenas para falar das figuras proeminentes.
O julgamento do mensalão, portanto, tem ainda uma função mais específica para o programa das esquerdas no Brasil, pelo visto: Resgatar a função ética como promessa do socialismo e afirmar a coerência ideológica como possibilidade de um governo de maiorias.

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