quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

Defensoria Pública para todos


O Defensor Público Geral quer aumentar o número de defensores para atuar nos juizados dos consumidores da Capital. A medida amplia o recém criado Núcleo do Consumidor da defensoria, mas também remove defensores públicos para a nova função.

Dentro da Defensoria Pública, há quem divirja. O Defensor Alberto Guilherme Tavares entende que a medida invade atribuição do Conselho Superior da Defensoria Pública,e ajuizou mandado de segurança contra o ato do Defensor Público Geral. O Desembargador relator, Paulo Sérgio Vélten Pereira concedeu a liminar, mas o mérito ainda não foi julgado.

Sem querer adentrar ao mérito da peleja, mas já entrando: é visível o gradual alinhamento da Defensoria Pública com práticas formalistas e distanciadas dos anseios da sociedade Não foi para isso que se lutou tanto pela criação da Defensoria Pública no Maranhão.

Para início de conversa, dou exemplos. Os dois fenômenos mais importantes, com reflexos no problema do acesso à justiça, envolvem a necessidade de maior esforço da Defensoria Pública, sem dúvida. Eu me refiro à questão penitenciária e à questão fundiária.

Nesses dois flancos, a Defensoria Pública deixa de fazer a diferença.

Nos presídios, deu uma guinada, priorizando o acompanhamento processual e virtual dos detentos, evitando o contato direto e a percepção real de um conjunto muito maior de violações de direitos que ocorrem atualmente nos presídios. A instituição não fala mais em combater a tortura, a arbitrariedade e os maus tratos nas unidades prisionais.

Em relação à questão fundiária, o Maranhão é o campeão nacional de conflitos, pela quarta vez consecutiva. O Núcleo Fundiário da Defensoria não repercute a tragédia que se abate sobre os maranhenses pobres, da zona rural e urbana, excluídos do direito à propriedade. Sua atuação é tímida, em todos os aspectos. Não há inclusive qualquer sinal de aproximação com as entidades da sociedade civil que atuam na área.

Em resumo, hoje, não há diferença substancial entre o perfil da Defensoria Pública e os seus naturais antípodas, Ministério Público e Judiciário. Pelo contrário, é visível um certo esforço de imitação.

A refrega existente, em relação à ampliação do Núcleo do Consumidor deveria provocar uma reflexão mas profunda na Instituição, acerca de sua missão e seu destino. A presença de uma Ouvidoria Geral, indicada pela sociedade civil, deveria pontuar um cuidado maior com as avaliações que se fazem acerca dos obstáculos ao acesso à justiça no Estado.

Os juizados do consumidor, não representam os pontos mais frágeis do acesso à justiça no Estado, para justificar uma verdadeira inflexão nos métodos de gestão, e em direção ao elitismo.

A Defensoria que um dia sonhamos deveria pisar no chão que os mais pobres pisam, intervindo nas situações onde o estigma e a criminalização da pobreza é maior. Não faremos isso confinados em escritórios, nem ornamentados por ternos de fino trato. Lá onde a violência reina, o sol escaldante resplandece e a lama alcança os joelhos. 

Leia abaixo o despacho do Desembargador Paulo Sérgio Vélten Pereira:

SEGUNDAS CÂMARAS CÍVEIS REUNDAS

MANDADO DE SEGURANÇA nº 1334-31.2014.8.10.0000 (6.577/2014)
Relator: Desembargador Paulo Sérgio VELTEN PEREIRA
Impetrante: Alberto Guilherme Tavares de Araújo e Silva
Advogada: Dra. Silvana dos Reis Gonçalves de Araújo e Silva
Impetrado: Presidente do Conselho Superior da Defensoria Pública do Estado do Maranhão

DECISÃO- Desemb. Paulo Sérgio VELTEN PEREIRA (relator): Tudo examinado, em juízo de cognição sumária, tenho que o Edital de abertura de vagas nos Núcleos Especializados da Defensoria (fls. 21/22) somado à certidão com a informação de que o Defensor Geral deixou de submeter a postulação do Impetrante ao Conselho Superior (fl. 19), tornam relevante a alegação de que a Autoridade Impetrada está promovendo ilegalmente a alteração da composição das unidades de atuação da Defensoria.

Com efeito, se a organização e a composição numérica dos Núcleos Especializados estão previstas no Regimento Interno da Defensoria (RI da Defensoria, art. 15 parág. ún.) cuja alteração compete ao Conselho Superior do órgão (RI do Conselho, art. 18 XXV), à evidência que qualquer deliberação acerca da alteração do quantitativo de defensores nos Núcleos também deve ser atribuição do mesmo Conselho Superior e não competência privativa da Autoridade Impetrada, já que a hipótese envolve muito mais do que a simples designação e/ou distribuição de defensores para o desempenho de atividades ou exercício de suas funções.
 

Demais disso, sendo a Defensoria Pública um órgão democrático por excelência, indispensável se torna a consulta à Ouvidoria-Geral do órgão (LC 80/94, art. 105-C II), uma vez que a sociedade maranhense será a principal afetada por eventual remoção de defensores decorrente da alteração da composição dos Núcleos Especializados.
 

Presente o fundamento relevante, tenho que do ato impugnado pode resultar a ineficácia da medida, caso apenas ao final deferida, considerando que o preenchimento das vagas criadas nos Núcleos mencionados no Edital nº 001 - PRCSDPE/MA, de 21/1/2014 está previsto para ocorrer no próximo dia 21 de fevereiro (LMS, art. 7º III).

Ante o exposto, e suficientemente fundamentado (CPC, art. 165 e CF, art. 93 IX), DEFIRO a liminar para, suspendendo o preenchimento das vagas previstas no Edital acima mencionado, determinar que a Autoridade Impetrada submeta a petição do Impetrante, na forma regimental, à apreciação do Conselho Superior da Defensoria Pública, que deverá deliberar sobre a alteração ou não do quantitativo de defensores nos Núcleos Especializados referidos no Edital, consultando previamente a Ouvidoria Geral do órgão a respeito, sem prejuízo do julgamento de mérito deste Mandamus pelo órgão colegiado.

Notifique-se a Autoridade Impetrada do conteúdo da petição e documentos, assim como do teor desta decisão, a fim de que, no prazo de 10 dias, preste as informações que entender necessárias.

Dê-se ciência do feito à PGE, enviando-lhe cópia da inicial sem documentos, para que, querendo, ingresse no feito no prazo de 10 dias (LMS, art. 7º II).

Cumpridas as diligências, vista à PGJ.
Com o retorno, autos conclusos para julgamento.

Cumpra-se. Publique-se.

São Luís (MA), 18 de fevereiro de 2014, 15h

Desemb. Paulo Sérgio Vélten Pereira
Relator

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