A complexidade do momento político e a situação da esquerda após os escândalos envolvendo especialmente o campo político liderado pelo Partido dos Trabalhadores parece que serão os temas permanentes dos próximos anos.
A crise política que se abate hoje no país impõe a reinvenção da política, inclusive da esquerda.
Após o golpe, um governo sem legitimidade e de baixíssima popularidade faz reformas rejeitadas pelas urnas, desmontando frágeis avanços da última década.
O governo Temer é responsável pela demolição literal de alguns elementos fundamentais do projeto, contraditório, mas necessário, de estado de bem estar social registrado na Constituição Federal de 1988.
O desafio agora é elaborar estratégias que fujam do excesso de realismo que nos induz a pensar que vivíamos no paraíso, antes do impeachment.
Na verdade, resistir contra o golpe implica reinventar a esquerda e suas práticas, sob pena de engendrarmos novo pacto com as elites para uma tomada de poder nos mesmos moldes.
Nesse caso, mais do que caracterizar o golpe, é necessário refletir porque ele se consolidou ao arrepio de qualquer sentimento democrático, estruturando-se no discurso de salvação nacional, contra a crise e contra a corrupção.
A Lava Jato tem um papel importante nesse processo, na medida em que tardiamente ocorrem as delações que revelam a corrupção generalizada.
No período que antecedeu ao impeachment, os vazamentos seletivos ajudaram a construir o mito de que a corrupção era um problema exclusivo do governo do PT.
Somente agora o Supremo Tribunal Federal (STF) liberou os vídeos com as delações dos executivos da empreiteira Odebrecht, por intermédio do Ministro Fachin, relator da Operação Lava Jato.
Houve uma diferença de tratamento entre o STF e o que até então estava em curso, sob a condução do Juiz Moro, de Curitiba. Agora não houve mais vazamentos seletivos, mas a divulgação autorizada de todos os vídeos das delações da empreiteira (cerca de mil vídeos e mais de 270 horas de depoimento).
A nova bomba política atinge nada menos do que 98 pessoas, sendo 8 ministros, 3 governadores, 24 senadores e 39 deputados federais, que serão investigados pela Procuradoria Geral da República.
Os depoimentos não têm o mesmo tom e a mesma segurança, mas alguns deles são de arrepiar, pela riqueza de detalhes e pela concatenação lógica dos acontecimentos.
O PSDB, principal adversário da esquerda em 2018, pelo impacto da bomba, já busca alternativas de candidaturas, visto que suas principais lideranças estão fulminadas. Mineirinho, Vizinho e Santo são os apelidos respectivamente de Aécio Neves, José Serra e Alckmin.
Mas, por outro lado, assistimos com preocupação citações envolvendo lideranças da chamada esquerda, que poderiam fortalecer uma estratégia de resistência contra o golpe, mas que, a partir de agora estarão mais empenhadas em se defender processualmente e a construir uma justificativa aceitável para seus equívocos políticos.
Aqui reside um problema. Esse é o nó que nos acomoda a um horizonte de possibilidades cada vez mais estreito, escolhendo insistentemente o mal menor, esquecendo, como diria Hannah Arendt, que ele é o mal.
De recuo em recuo, de concessão em concessão um segmento da esquerda foi descendo a escada da credibilidade, perdendo no meio do caminho as condições para transformar a realidade.
Então é preciso perguntar: vamos resistir a um golpe acreditando no conto maravilhoso das sereias ou vamos encarar nossas próprias contradições no decurso dessa caminhada?
Tem gente de esquerda que acredita no golpe, mas não enxerga que houve o golpe do golpe. Isso que chamamos de traição de princípios...
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