quarta-feira, 5 de abril de 2017

A UFMA e a segurança pública

Os recentes episódios envolvendo a ocorrência de crimes na UFMA merecem reflexão.

As universidades já foram os centros de uma efervescência politica que resistiu à ditadura militar.

Naqueles anos de chumbo, especialmente o movimento estudantil, representado pelos diretórios acadêmicos e DCEs, organizavam centenas de milhares de estudantes na luta contra a repressão política.

Esse polo de resistência sempre denunciou as invasões das universidades pela polícia, braço armado do Estado para impor ordem como ruptura democrática.


A presença das polícias nas universidades era importante para a ditadura, porque era crucial destruir os espaços de reflexão crítica e de difusão de ideologias.

Era ali também onde emergia um novo sujeito político nacional, questionando o regime autoritário: o movimento estudantil.

A universidade era o espaço de resistência não apenas contra a repressão política, mas também contra a repressão cultural e intelectual, e contra o moralismo do patriarcado.

Uma das vitórias mais importantes do movimento estudantil foi exatamente a saída da polícia das universidades.

Os tempos mudaram, mas algumas questões não mudaram. A cada ano que passa, as universidades são menos centros difusores de reflexão e de saberes.

Elas estão menos democráticas, mais isoladas da sociedade e protagonizando gestões antidemocráticas, envolvidas com escândalos de desvios de dinheiro público.

A despolitização da sociedade também se refletiu nos campi. O movimento estudantil se retraiu, as organizações dos professores sofreram ataques nas suas bases, com a criação de sindicatos concorrentes, alinhados aos governos.

Os indicadores de violência dentro e e ao redor dos campi também se modificaram, a medida que o problema de segurança pública se agrava na sociedade como um todo.

A única coisa que mudou muito pouco nesse contexto foram as polícias. Apesar da abertura democrática, a experiência da entrada delas nas universidades tem significado mais repressão aos protestos de estudantes, funcionários e professores e menos segurança.

A grande resistência que existe quanto à presença da polícia reside nas dificuldades em se estabelecer uma discussão racional que distancie segurança pública da repressão e do controle político.

Em 2011, a polícia prendeu 72 estudantes na USP, porque lutavam em defesa da Universidade. Em abril de 2008, na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), alunos do Instituto de Geociências (IGC) da UFMG promoviam a exibição do documentário Grass (1999), que trata da descriminalização da maconha, quando foram interrompidos pela Polícia Militar, que proibiu a execução do filme com o surreal argumento de tratar-se de apologia às drogas.
Enquanto isso, aumentam os dispositivos de segurança privada e os convênios que autorizam o ingresso da polícia nas dependências dos campi, motivados por um clamor punitivo crescente em face da violência.

Exatamente a universidade, que deveria estar produzindo reflexões sobre o modelo de segurança pública que temos hoje, excludente e seletivo, é a primeira a reivindicar acriticamente a presença da polícia nas suas dependências.

E a polícia e os governos, que jamais quiseram discutir minimamente o policiamento comunitário, agora apresentam essa proposta no âmbito de convênios, que acenam para um modelo de polícia, agora restrito a privilegiados acadêmicos.

A Universidade, que é pública e deveria ser um espaço de todos, para reflexões que induzam à democratização das políticas públicas, vai se transformando numa espécie de laboratório do seletivismo penal tão em voga.

Para fora dos muros das universidade, a repressão e o extermínio da juventude, negra e pobre da periferia; para dentro, o policiamento comunitário, mais democrático, com treinamento diferenciado em técnicas de mediação de conflitos.

E a cada episódio de violência que ocorra muitos parecerão dispostos a trocar algumas liberdades individuais por alguma segurança. Na universidade hoje não é diferente.
Essa barganha é histórica e é dela que vive o autoritarismo.

A presença da Polícia Militar nos campi das universidades públicas brasileiras é uma aberração jurídica, por isso o esforço na formalização de convênios de duvidosa legalidade.

As universidades públicas podem e devem implementar as suas guardas universitárias, de responsabilidade única e exclusiva dos órgãos de direção da universidade. Elas podem fazer com maior eficiência a segurança cotidiana dessas autarquias, sem impedir que a polícia seja chamada a intervir em situações pontuais de ocorrências de crimes.

Discutir segurança pública nas universidades é uma ótima oportunidade para calar a boca dos moralistas de plantão, cujo maior anseio é ver a PM prender estudantes usuários de maconha.


Esses seres estranhos - que ainda defendem a política antidrogas em curso - dentro das universidades acreditam que a resistência à entrada da polícia seja apenas fruto de um desejo de imunidade ao simples fumo de baseado.

E em troca da militarização e de uma falsa sensação de segurança, os crimes que mais colocam em risco a vida e a integridade física da comunidade acadêmica poderão ser relegados, em função dos condicionamentos autoritários e histórico das tropas.

A presença permanente da PM no espaço dos campi, além de uma ilegalidade, não terá o condão de prevenir todos os crimes, se a gestão desses espaços continuar refletindo abandono, locais escuros, corredores vazios e ausência de vida acadêmica, social e comunitária.

Não se pode transformar uma universidade pública num simples condomínio de luxo com suas fortalezas de exclusão social.

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