A Lava Jato, embora assim sinalize para se legitimar, não é a vingança dos pobres contra os ricos. Não é o fim da seletividade, mas um atalho para seu posterior reforço. Nenhum país será mais democrático emprestando tanto poder ao sistema de justiça criminal.
As garantias jurídicas de certos grupos, considerados agora das elites, estão sendo quebradas não para democratizar o sistema criminal.
Existe uma lógica subjacente às prisões em curso e é sempre a lógica para tornar o país menos democrático e menos justo.
Provisoriamente a Lava Jato buscará legitimidade efetuando prisões espetaculares no seio da classe política, nem que para tanto seja preciso reconfigurar todo o sistema partidário brasileiro.
Mas será sempre uma reconfiguração conservadora, em cujo seio as atuais reformas propostas por Temer assumirão posição natural de relevância e de necessidade.
Se a Lava Jato assim o quisesse, não haveria golpe, ou, no mínimo já estaríamos no horizonte de eleições diretas. Nenhum desses partidos portam legitimidade para conduzir o país nesse momento histórico, mas isso não sensibiliza a casta jurídica que protagoniza o núcleo duro da Lava Jato.
Pelo contrário, as etapas da Lava Jato, até o presente momento, são funcionais ao cronograma do golpe parlamentar. As prisões são estratégicas para a condução da transição política com viés conservador. Cunha foi preso somente após levar a cabo o impeachment. Essa era a sua função dentro do processo político em andamento. Objetivamente não haveria o golpe sem a Lava Jato.
Eduardo Cunha está mantido preso para delatar. Excesso de prazo não é um argumento exclusivo das elites perante o Poder Judiciário. Expoentes do PT, como Vaccari, Palocci estão mantidos presos, sem condenação definitiva, apenas para delatar.
A Odebrecht e OAS caíram para delatar. A última tarefa da operação é impedir a candidatura de Lula, seja por desgaste, seja pela prisão. A delação premiada hoje nos processos da Lava Jato ocorrem pelo medo da sentença exorbitante. Não há saída para o réu, a não ser delatar, configurando o mesmo processo onde a única forma de defesa é confessar o crime.
Evidente que um golpe não se colocaria por obra de apenas uma vara judicial. Ele é uma ambiência hegemônica, criada por intermédio de um verdadeiro cerco midiático, jurídico e parlamentar, catapultado por uma ampla mobilização moralista da classe média.
Não fosse assim seria desmascarado nos grandes jornais, seria nulo perante os tribunais e não seria aceito no parlamento, com ampla maioria. E esse jogo se impôs pela construção artificial de um consenso da opinião pública desinformada, diante da perda da popularidade da presidenta e com a associação entre corrupção e o PT.
Os bastiões políticos que caíram nas prisões guardam simetria com o plano de consolidar uma saída conservadora para a crise política. Eike, Cabral são funcionais pelos mesmos motivos.
Prender Lula, destruir o PT é o objetivo principal da Lava Jato, mesmo que para isso tenha que levar de rodo alguns outros partidos de direita. Mas a direita não precisa de um partido como ferramenta histórica para governar. A esquerda sim.
Se a Lava Jato destruir o PT estará destruindo um símbolo importante para a esquerda. A direita sabe que a população vai demorar para separar o PT das outras forças anticapitalistas. É o tempo necessário para a reconfiguração conservadora, zerando o processo do ponto de vista político e criando a ambiência anticomunista.
Nenhum expoente do PSDB ou do PMDB irá para a cadeia antes de Lula. Tudo converge para a criminalização dele, porque representa a ameaça ao projeto neoliberal na sua forma mais dura. Desabilitar Lula, é o centro da estratégia conservadora.
Não se trata de defender ingenuamente Lula e o PT, anistiando seus equívocos e traições. Em matéria de política, a coerência alienada pode também ser funcional à direita. O pacto social-rentista entrou em colapso mas isso não quer dizer a assunção automática de um campo político capaz de fazer as reformas estruturais, reorganizando a esquerda.
Nenhum eleitor de Lula votará na esquerda funcional ao golpe. Não se trata também de ser contra a Lava Jato, indiscriminadamente, mas de reconhecer que o sistema de justiça criminal é conservador e vai empurrar seu pêndulo para a direita, mesmo que sob o manto da imparcialidade.
O ciclo se fechará com um país menos soberano e uma nação desmantelada. A garantias individuais quebradas se voltarão posteriormente contra os mais pobres, como sempre, e o sistema jurídico voltará ao seu funcionamento seletivo histórico.
Resistir às reformas é resistir ao golpe. E resistir ao golpe é não reforçar a onda criminalizadora contra a esquerda, seja ela qual for. É preciso não confundir isso com a mera defesa da justiça burguesa (uma vez que a Lava Jato é expressão dessa justiça), nem com a mera defesa do PT (visto que o PT optou por jogar o jogo dos partidos convencionais).
Vivemos tempos difíceis, é certo. É tempo onde o idealismo da esquerda caminha no fio da navalha. Por isso, é preciso vigilância em relação ao exibicionismo judicial/acusatório.
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