quarta-feira, 12 de agosto de 2015

Para além de recuos e gabaritos


Imagem

A Prefeitura de São Luís está em fase de conclusão da primeira etapa de revisão da legislação urbanística da cidade. O processo de revisão se concentra em instrumentos básicos e de importância fundamental para o planejamento do município a partir da atualização do Macrozoneamento Ambiental do Plano Diretor e do novo projeto da Lei de Zoneamento, Parcelamento, Uso e Ocupação de Solo, ambos de 2006.

A conclusão do calendário de audiências públicas está marcada para o dia 22 de agosto. As propostas apresentadas durante as audiências públicas serão inseridas no documento apreciado pelo Conselho da Cidade. Após a apresentação e aprovação do Conselho, será elaborado um documento final a ser encaminhado pelo prefeito Edivaldo Holanda Júnior à Câmara Municipal.

O centro dos debates circula em torno de manifestações contra e ou a favor do novo gabarito e aumento dos recuos. Na segunda audiência, realizada na audiência de quinta-feira (23//07) no auditório da FIEMA, foi apresentado um pleito ligado ao impedimento de atividades industriais ligadas à cadeia da metalurgia na capital maranhense. Apesar do susto inicial, o tema nem de longe aprofunda os problemas da região, que convive com altos padrões de poluição do ar e das águas, sem falar no aspecto da ocupação fundiária.

Fragmentar o debate sobre a reforma urbana é uma boa estratégia para quem não quer tocar nos problemas cruciais da cidade. Debater a cidade a partir da visão imobiliária recepcionada no Plano Diretor e na Lei de Zoneamento pode exatamente criar obstáculo para uma visão integrada dos problemas.

É impossível fazer esse debate descuidando de questões como as condições de vida da maior parte dos trabalhadores que vivem segregados nos bairros periféricos; o problema do trânsito e do transporte coletivo; a dinâmica diária dos que se locomovem para trabalhar e necessitam de creches, de ruas e avenidas seguras, de escolas em tempo integral; dos jovens, que se deslocam para acessar escolas adequadas, centros esportivos e lazer; das questões envolvendo a poluição das águas superficiais e dos lençóis freáticos, juntamente com o abastecimento de água.

Em São Luís, cidade de vocação turística, menos do que gabaritos e recuos, é necessário debater a poluição das águas, a ocupação ilegal da faixa litorânea, os esgotos lançados nas praias, a revitalização dos rios e córregos, a preservação dos reservatórios que abastecem a cidade. É necessário compreender porque existe o adensamento populacional em determinados regiões e qual é seu perfil, antes de conceber soluções conflitivas ou insustentáveis. Essas questões servem de substratos para o debate do sistema de transporte e da própria mobilidade.

Para empresários do transporte é lucrativo transportar pessoas de um lado para outro em condições indignas. Para esse segmento, tudo bem que a cidade concentre muita gente em centros comerciais e administrativos, em prejuízo do centro histórico, do bem-estar das pessoas e do fluxo regular do trânsito.

Para a especulação imobiliária, a expansão urbana pode destruir áreas de preservação permanente, poluir rios, jogar esgotos nos mangues e praias. O importante é que circule dinheiro, haja transações imobiliárias, grandes construções, espigados edifícios, em prejuízo do meio ambiente, do direito à moradia dos mais pobres e da própria segurança das pessoas por ocasião de sinistros.

Enquanto discutimos a legislação urbanística descuidando desses fatores, seremos incapazes de compreender a violência como resultado previsível da ausência do Estado - potencializada por organizações criminosas que ocupam o espaço urbano e por uma ação policial violenta que reconhece raça e cor.

A produção das cidades recebe o influxo das lutas de classes induzindo os vetores do mercado altamente especulativo de um lado e a segregação, exclusão ou apartheid territorial do outro. Essa exclusão funciona empurrando a população mais pobre para fora das cidades, que se equilibra nas palafitas ou nas bordas das áreas de preservação. Reforma urbana é para vencer a barbárie urbana. É para implementar a democracia urbana. Ela pode orientar a intervenção do Poder Público para novos significados da cidade durante a discussão da lei urbanística.

Para grande parte da população urbana, exatamente a de mais baixas rendas, que mora ilegalmente, é difícil debater a legislação de parcelamento do solo, ambiental, zoneamento, código de obras e edificação etc., longe de tantas questões emergenciais e mais presentes no cotidiano.

Nenhum comentário: