domingo, 9 de agosto de 2015

A criminalização da esquerda desviante

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IMAGEM: http://blog.jornalpequeno.com.br/ricardosantos/2015/07/07/a-imagem-do-dia-indios-acorrentados-na-assembleia-legislativa/

Uma das lutas mais ferozes que a esquerda tem travado historicamente diz respeito à criminalização de lideranças de movimentos sociais.

O arcabouço teórico que informa esse luta desvenda o papel do sistema penal como um dos mais poderosos instrumentos de manutenção e reprodução da dominação e da exclusão, características da formação social capitalista; percebe a concentração da atuação do sistema penal sobre os membros das classes subalternizadas; entende a clara razão desta atuação desigual e seu padrão seletivo.

Mas existe um segmento da esquerda, que age com oportunismo. Quando lhes interessam, entusiasmam-se com supostos “bons magistrados” impondo rigorosas penas a réus opositores  e apropriando-se de um generalizado e inconsequente clamor contra a impunidade e furor persecutório.

Em outros momentos, quando a sanha criminal se volta contra seus interesses lembram-se das antigas consignas progressistas, para invocar tratamento penal que seu adversários não merecem.

É essa mesma esquerda que, no contexto da assunção ao poder, vira a mesa de suas convicções teóricas e ideológicas para criminalizar movimentos de contestação, desqualificando seus líderes, em que pese a justeza e a legitimidade de suas coletivas reivindicações.

No Maranhão, existe já uma espécie de tutorial da desqualificação dos rebeldes. O primeiro passo é atribui-lhes a pecha de aliados do grupo Sarney. E para ser alvo de tal pecha é suficiente aparecer na mídia dos sarneys ou apenas ser citado por ela. Como os dois lados detêm o monopólio quase absoluto da mídia, esse é um jeito simples de fazer calar o protesto, constrangendo os que não professam nenhuma das duas cartilhas infames.

O segundo passo desse tutorial ridículo é tentar desqualificar o interlocutor. Se não for possível do ponto de vista ideológico, agora puxam até a "capivara" (ficha criminal) do sujeito, para personalizar o debate e acobertar problemas sociais explicitados no contexto da divergência.

Foi assim no caso do protesto indígena, onde a criminalização e a desqualificação da conduta pessoal do líder Uirauchene Alves serviu para encobrir a histórica manipulação de governos sobre indígenas que lutam por educação de qualidade. E um dos mecanismos dessa manipulação histórica é privilegiar negociações que deveriam ser amplas e transparentes mas são hipocritamente confinadas aos limites dos interesses de caciques empresários, coisa que continua se repetindo.

Está sendo assim também com o líder da comunidade de Vila Nestor II, no município de Paço do Lumiar. A comunidade pediu socorro ao governo do Estado por conta de um despejo forçado iminente, que irá vitimar várias centenas de famílias.

PROTESTO DOS MORADORES DA VILA NESTOR.
IMAGEM: http://luispablo.com.br/wp-content/uploads/2015/08/M%C3%A1rcio-Jerry-Vila-Nestor-II-e1438952943187.jpg

A comunidade resolveu interditar a Avenida Beira Mar após a recepção fria e insensível do governo, que se limitou a dizer que "não pode intervir em decisão judicial, pois há limites constitucionais", publicizando nota em apoio à repressão policial (sobre o episódio relembre aqui).

A posição e a nota do governo foram contrariados por uma sequência de negociações, lideradas pela Defensoria Pública do Estado, acompanhada pelas Secretarias de Direitos Humanos e Participação Popular (Sedihpop), e de Estado das Cidades (Secid), que, atuando juntas, conseguiram negociar a desocupação da Avenida e o adiamento da reintegração de posse.

Restou claro que a violência policial era absolutamente desnecessária, ocorrendo no contexto de um erro de recepção e compreensão da demanda dos moradores da Vila Nestor II.

O governo pode sim, apesar dos limites constitucionais, adiar despejos - essa é a metodologia da Ouvidora Agrária Nacional - provocar negociações, amparar os atingidos, desapropriar, negociar com o município e órgãos fundiários. O governo pode muito nesse matéria.

Portanto, o governo errou e ainda reforçou o antigo padrão de criminalização e repressão dos protestos sociais, no melhor estilo TIRO, PORRADA E BOMBA.

Para desfecho da história, entra a cavalaria (o trocadilho é bem-vindo) da mídia anilhada (anilha é sinal que se põe na perna de ave domesticada), empunhando a ficha criminal dos líderes dos dois movimentos que contestaram o governo. O argumento só é bom para quem não sabe dos processos criminais que asseclas deste governo também respondem. Duvido se eles têm a coragem de exibir a capivara deles também!

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