segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

Dezembro


Em dezembro é tempo de colher as sementes, na terra fria.
As chuvas esparsas acomodam a poeira e trazem o verde de volta.
Nos caminhos, é possível entrever-se as últimas floradas de pau d'arco.

Os paralepípetos estão lavados, como o céu da manhã.
Os sons e murmúrios são os mesmos de sempre.
O riso da criançada, o arrulhar dos pombos nos beirais.

Vivo impregnado de lembranças e de cheiros.
Procuro o mato, para me esconder da rotina da morte.
Farejo coisas, raízes e ervas,
no submundo dos troncos.

Ouço gemidos de palmeirais e o baque surdo dos frutos.
Como na infância, vejo o ruflar de asas ao longe:
curicas e marrecas, festejando a abundância.

Não vejo a hora de partir
e fazer cessar as vozes e os alaridos dos carros.


Quero a luz colorida dos frutos e das folhas,
o gotejar fino no chão intacto de pés ensapatados.

Vou levando o mesmo coração frio,
que foi embora sem se despedir dos verdadeiros amigos,
por falta de lágrimas.


Hoje não sei o meu paradeiro,
onde me perdi, nos caminhos intrincados da vida.
Um sentimento de extravio que uma bússula não resolveria.

Não há mais tempo para refazer essa longa e triste caminhada,
muitos se foram para sempre, alados com a morte,
outros me estranham, como se não fosse o mesmo menino,
que perambulava descalço nas ruas,
com a pele afogueada pelo sol.

Sempre tive medo do Natal,
porque não quero aceitar que tudo mudou,
apesar das lembranças viverem sempre por perto.

A roda do tempo é incapaz de desfazer
o canto do galo
e o perfume de cidreira no quintal.

É como se desmontasse o jogo,
deixando as peças intactas,
para serem contempladas no silêncio inútil.

Queria mesmo era retornar ao chão das praças,
ao largo das igrejinhas e da sombra de amendoeiras.
Ouvir as vozes impregnadas no meu cérebro,
sentindo todas as emoções que já passaram,
como a chuva do início de inverno.

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