segunda-feira, 14 de novembro de 2016

Trump como ponto dentro da curva

"Melhor que ninguém, Trump percebeu as discordâncias cada vez maiores entre as elites políticas, econômicas, intelectual e mediática, por uma parte, e as bases do eleitorado conservador, por outra" - Créditos: Reprodução/ Desinformémonos


Ninguém ligou para Michael Moore, quando ele profetizou o que estava na cara.

Hillary, a primeira mulher presidente, respeitada pelo mundo, inteligente, preocupada com as crianças, herdeira do legado de Obama era simplesmente a candidata do sistema que ninguém aguenta mais.

Os mais preparados concorrentes nas plenárias republicanas contra a candidatura de Trump já havia experimentado a dificuldade: a antipolítica está vencendo.

Claro que esse projeto da antipolítica teve um empurrãozinho do sistema eleitoral norte-americano, onde é praticamente impossível conseguir que pelo menos metade dos eleitores compareçam às urnas.

Nos bairros pobres, negros ou hispânicos poucas urnas aumentam as filas e os dissabores para uma participação sem sentido, onde os dois candidatos não apontam para saída nenhuma.

Não foi à toa que a abstenção nas eleições presidenciais dos EUA foi maior nos condados nos quais Bernie Sanders venceu Hillary Clinton nas primárias.

Ontem, no Fantástico, uma reportagem adentrou na estratégia do comitê eleitoral de Trump. Simplesmente não havia. O marketing era ele mesmo, a antipolítica encarnada no bufão.

Por esse mesmo motivo esse tipo de candidato é difícil de vencer. Ninguém espera dele uma campanha convencional e nem um bom desempenho nos debates.

O fato é que a vitória de Trump se alinha com a razão crítica mediana sobre os atuais sistemas políticos. Está coerente com o debate sobre o Brexit - abreviação das palavras em inglês Britain (Grã-Bretanha) e exit (saída) e a votação pelo "No" na Colômbia.

As palavras hoje convergem com a noção de outsiders. Os que não se enquadram na sociedade emergem como crítica contundente aos sistemas políticos em bancarrota, no vácuo deixado por uma esquerda mais combativa.

Dizemos com frequência que nos EUA não há nada mais parecido com um Republicano do que um Democrata. Do lado de cá poderíamos dizer também que não há nada mais parecido com a direita do que a esquerda que se propõe a levar adiante os mesmos planos de recuperação econômica.

O forte sentimento anti-institucional hoje reflete menos do que uma busca por alternativa do que um furioso protesto. As alternativas mais bem posicionadas que havia se revelaram um engodo.

A esquerda pragmática - por seu exagerado apego à institucionalidade burguesa -  contribuiu para o fortalecimento da onda conservadora perfeitamente alinhada com a antipolítica, cuja âncora é o protofacismo e o ódio contra as minorias.

O problema é que o ódio é cego.

No clarim dessa nova era já se anuncia a barbárie anti-civilizatória. Quem sustenta a validade de uma experiência como essa - mesmo a título de caricatura - não quer apenas a extinção dos partidos de esquerda, mas negação da validade universal das atuais e precárias conquistas dos últimos quatro séculos.


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