Uma das manifestações mais simplórias do senso comum reacionário é a guerra contra os postulados de direitos humanos.
O protofacismo imbutido na mídia policialesca conseguiu elaborar uma verdadeira doutrina acerca dos chamados "direitos humanos", para justificar a seletividade.
Nada irrita mais um reacionário do que a possibilidade de os direitos serem extensivos a todos, sem distinção. A história da humanidade é a história das seletividades. Da Grécia até a Segunda Guerra Mundial havia todo um arcabouço discursivo para excluir alguns segmentos sociais da proteção dos direitos.
A doutrina dos direitos humanos promoveu a ruptura necessária, avançando para além dos limites das teorias comunistas ou socialistas. Incluiu vulnerabilidades não determinadas pelas lutas de classes, abrindo espaço para um novo sujeito de direitos, mais abrangente e universalizante.
Exatamente por pregar a universalidade dos direitos, os postulados de direitos humanos são antagônicos aos seletivismos. A máxima reacionária "direitos humanos para humanos direitos" é uma tentativa inútil de restringir a amplitude dos direitos humanos, reforçando estereótipos e estigmas.
É exatamente por ser universal que os direitos humanos questionam o lugar de quem posiciona as pessoas nessa lógica bipolar de "direito" e "errado". Não existe universalizações sem o prisma da historicidade. Os seres humanos são iguais em direitos e essa luta é histórica, para infelicidade dos carimbadores oficiais estigmatizantes.
A luta histórica dos direitos humanos reflete a trajetória da civilização contra os elitismos e os privilégios, assim como reflete a luta contra as desigualdades.
As tentativas de deslocamentos semânticos dos direitos humanos são apenas a consciência seletiva engendrando sua estratégia de defesa menos sutil: o punitivismo e o encarceramento em massa.
Onde os direitos universais ameaçam minorias proprietárias a solução é excluir, quando não simplesmente encarcerar. Essa doutrina tem um alvo: os mais pobres, os negros, os gays, as mulheres, os camponeses sem terra, os indígenas, as pessoas com deficiência...
Os sistemas punitivistas não são democráticos, porque são seletivos. Eles promovem em primeiro lugar o preconceito e o estereótipo, para orientar o perfil da clientela penal. Em países do terceiro mundo, os infratores criminais são em geral produto de profundas desigualdades sociais.
Os presídios estão superlotados de pobres, como se somente os pobres cometessem crimes. Eles são monitorados duramente pelo aparato policial ao mesmo tempo que são excluídos das políticas públicas fundamentais.
Além de monitorados, os mais pobres são obrigados a conviver com o preconceito e o estereótipo que os faz suspeitos perante o sistema de justiça criminal. São os preguiçosos, os vagabundos e os inúteis para o Deus-mercado.
Reagir contra o seletivismo penal talvez seja a tarefa mais inglória dos que aceitem os postulados universalizantes dos direitos humanos. É ali onde reside a principal trincheira do ódio.
Toda vez que se diz que um preso tem direito, mesmo que pratique os mais graves dos crimes, cutuca-se a ferida do sistema onde ela mais apodrece e gangrena. Por isso que os defensores de direitos humanos são tão vigiados quando atuam nos sistemas prisionais.
É ali onde ocorre hoje a principal luta da humanidade para universalizar direitos, rompendo a lógica principal da estratégia de negação do ser humano, como ser histórico e capaz de mudar o seu destino.
Não importa que intervenham em número infinito de temáticas, os defensores de direitos humanos serão taxados sempre pelos reacionários de "defensores de bandidos", porque o seletivismo acalenta um conceito muito particular onde se encaixa o perfil do que considera bandido: o pobre, negro e morador das periferias.
Nenhuma esquerda avançará no projeto de transformação da sociedade de braços dados com o populismo penal de cunho facistóide. O reencontro da teoria com a prática deve ocorrer na fusão oportuna da militância de esquerda com a militância de direitos humanos.
Derrotar o seletivismo penal é condição de possibilidade para o socialismo autêntico. A crítica de Marx aos Direitos Humanos continua de pé porque é a crítica aos chamados "direitos politicos" do cidadão burguês, na conjuntura em que emerge a Revolução Francesa com as
limitações próprias daquela revolução política.
Daí em diante, a caminhada dos direitos humanos foi além do direito pelo qual os desiguais de fato se igualam pela
norma jurídica.
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