sexta-feira, 13 de fevereiro de 2015

A Assembleia Kaapor do Gurupiúna



















Ainda está acontecendo a grande Assembleia Kaapor, na Aldeia Gurupiúna, no território indígena do Alto Turiaçu.

Ali estão reunidos quinze das dezessete aldeias daquela Terra Indígena. Cerca de 150 pessoas entre homens e mulheres, de várias localidades, algumas delas muito distantes.



Desde o ano de 2013, os Kaapor desenvolvem um processo de mobilização diferenciado na região, marcado pela união das várias aldeias em defesa do território, ameaçado por fazendeiros e madeireiros.

A partir daí,  houve uma série de ameaças, agressões e mortes praticadas por forças contrárias à autogestão dos indígenas. Em função do acirramento dos conflitos, aconteceram
no primeiro semestre daquele ano duas operações repressivas com participação do Exército, Ibama e Funai.

Após a saída dessas instituições da área, a violência recrudesceu, culminando com a invasão violenta da Aldeia Gurupiúna, em julho de 2013. Cerca de 50 pessoas armadas, oriundas de Centro Novo do Maranhão, Centro do Guilherme e Maranhãozinho agrediram, espancaram idosos e crianças, roubaram criações, roupas e documentos dos indígenas.

Em setembro, os indígenas da aldeia Ximborenda detiveram seis invasores durante três dias, flagrados derrubando árvores no interior do território, nas proximidades da aldeia.

No início de outubro de 2013, lideranças indígenas foram surpreendidas por um grupo de madeireiros armados dentro do território, à margem direita do Rio Gurupiúna. Com a chegada de indígenas de outras regiões, os madeireiros foram desarmados e expulsos da área. 

Os Kaapor iniciaram atividades de vigilância e monitoramento territorial com a identificação e reavivamento dos limites,  Intensificaram a fiscalização no território no mês de novembro, o que culminou na apreensão de armas e motocicletas, na apreensão de tratores e caminhões utilizados na destruição da floresta e na expulsão de madeireiros que realizavam corte de árvores, transporte e comercialização de madeira em serrarias da região noroeste do Maranhão.



Antes do Natal, um grupo de indígenas que realizava a identificação e reavivamento dos limites, prendeu por três dias um madeireiro influente da região que realizava corte ilegal de madeira. Ele, posteriormente, foi solto pelo delegado e pelos servidores da Funai no município de Santa Luzia do Paruá. 
Os indígenas também apreenderam armas, tratores e caminhões no limite noroeste de seu território próximo ao Rio Gurupi, perto da divisa com o Pará. 

No dia 7 de janeiro de 2014, um grupo de 10 Kaapor, que realizava abertura de trilhas nos limites de seu território, para a autovigilância, foi surpreendido com tiros que atingiram as costas e pernas de dois jovens Ka’apor e a cabeça do cacique da aldeia, felizmente escapando com vida.

Diante da omissão e da impotência das autoridades locais, os Kaapor estão sendo monitorados por agressores e boicotados pela sociedade local. Vários deles estão ameaçados de morte.

Diante da posição dos agentes sociais envolvidos com a exploração da madeira, o que inclui até operadores do sistema de seguranças e políticos locais, os indígenas estão isolados.  Eles sabem agora que o processo de mobilização em defesa do território não terá retorno.

A Assembleia Kaapor acontece nesse contexto em que os governos estadual e federal se omitem ou se acumpliciam com o crime da supressão ilegal da floresta.

Até chegar à Aldeia Gurupíuna, um longo percurso precisa ser feito. São 448 km até a pequena cidade de Centro do Guilherme, um antigo entreposto da fronteira agrícola nos anos 1960. De lá, é necessário adentrar nas terras da extinta Colone, até alcançar a quadra 60, um povoado de um punhado de casas, a maioria de madeira, como é típico das regiões garimpeiras.

O ramal que conduz até a T. I. é logo à esquerda, adentrando à fazenda de um rico proprietário Pernambucano, como demonstram as porteiras sucessivas, um portão logo a direita, da casa da fazenda e incontáveis bois, gordos e bem tratados da genética zebu.

O território indígena começa onde desaparecem as cercas da fazenda, estreitando a estrada, reduzida a um mísero ramal, entrecortados por igarapés e marcados por insinuantes curvas e perigosas ladeiras de tabatinga.

São quinze quilômetros para quase duas horas de percurso, assombreado por árvores altas, denunciando um território até agora minimamente preservado da intrusão madeireira.

Encontramos a nova Aldeia Gurupiúna no fundo da floresta, à margem do rio do mesmo nome, de águas cristalinas e rico de peixes de variadas espécies. A reocupação do antigo local de moradia faz parte da estratégia Kaapor de monitoramento do território, tendo em vista que por ali passava o ramal madeireiro.

A antiga Aldeia Gurupiúna é cercada de lendas e mistérios e não foi muito fácil convencer algumas famílias para ali retornarem, embora a riqueza de caça e pesca nas redondezas.

Ninguém poderá compreender as mobilizações indígenas que ocorrem no Maranhão sem reconhecer os recentes processos de resistência deflagrados pelos Kaapor.

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