terça-feira, 7 de julho de 2015

O linchamento para a salvação das almas

Os linchamentos, geralmente, são mais frequentes em tempos de tensão social e econômica.

 Essa modalidade de extermínio também sempre esteve relacionada a preconceitos e práticas discriminatória que condicionaram as sociedades a aceitar esse tipo de violência como práticas normais de "justiçamento popular". Não é a toa que seu formato atual foi dado no contexto da opressão racial presente no início da colonização dos EUA.

Assim como existe uma certa áurea de perdão em torno do agente da lei que pratica extermínios, os linchamentos invocam justificativas. A mais alegada atualmente é o aumento da criminalidade e a fragilidade do sistema de segurança pública e de justiça.

A palavra tem origem vinculada ao nome do Coronel Charles Lynch ou ao Capitão Willian Lynch, ambos coetâneos ao século XVIII. A lei de Lynch, a partir de 1837, designou o ódio racial contra índios e negros e consolidou práticas que deram origem ao grupo racista Ku Klux Klan.

Assim como ocorreu no sul dos Estados Unidos, o linchamento tem como mola propulsora  a desconfiança da lei e a reivindicação de anarquia, terreno fértil para a proliferação da barbárie.

No Brasil, ela se dirige basicamente à principal clientela do sistema penal: jovens, negros e pobres. O caldo de cultura para esse tipo de violência é alimentado por amplos setores da mídia policialesca, que vegeta na periferia da programação das grandes redes de televisão e rádio e, atualmente, até nos discursos religiosos fundamentalistas mais inflamados.

Tal como o preconceito, quando flagrado geralmente é negado. E nenhum desses agenciadores diriam claramente que defendem o linchamento. O incentivo se dá por vias indiretas, fortalecendo noções do senso comum cuja lógica descamba para o mesmo lugar de sempre: a violência.

Os lugares comuns frequentemente invocados por esses grupos formadores de opinião podem ser facilmente perceptíveis:

a) A polícia prende mas a justiça solta;
b) Adolescentes infratores não são punidos;
c) O ECA protege "menores" bandidos;
d) Bandido bom é bandido morto;
e) Direitos humanos só defende bandido.

Essa cantilena, repetida infinitas vezes e das mais variadas formas, suscita o espírito de desamparo e de vingança na população. Os elevados índices de criminalidade são analisados a partir das suas consequências exclusivamente, exigindo soluções cada vez mais repressivas.

Assim, esse discurso conservador vai evoluindo para soluções cada vez mais drásticas e irracionais, mobilizando adeptos, como num efeito dominó, em atitude de manada, culminando no retrocesso da representação política, como é exemplo a bancada da "bala", do "boi" e da "bíblia".

O linchamento é resultado da nova pauta reacionária instalada. Ela quer que cada cidadão possua uma arma para se defender dos criminosos; ela quer a pena de morte e a prisão perpétua; ela quer a tortura institucionalizada; ela quer a redução da maioridade penal; ela quer mais presídios e mais polícia; ela quer a criminalização dos grupos sociais que reivindicam direitos; ela quer a volta da ditadura militar e a satanização das identidades sexuais e religiosas. 

Enfim, essa pauta quer muito mais. A cena do linchamento no bairro São Cristóvão, em São Luís, é a cópia de todas as outras. Até no poste se assemelham, como versão atual do Pelourinho. Dali mesmo, depois de vários comentários acerca de "vagabundos" e "bandidos" é possível adentrar no templo, para garantir a salvação, com o celular abarrotado de imagens sangrentas.

Foto: Biné Morais
Foto: Biné Morais

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