sexta-feira, 31 de julho de 2015

Lei de zoneamento e o direito à cidade


foto: http://vnfoto.blogspot.com.br/2010/01/blog-post_21.html

Já estão ocorrendo as audiências públicas para fazer a revisão da Lei de Zoneamento, Parcelamento, Uso e Ocupação do Solo Urbano de São Luís.

A proposta apresentada pela prefeitura pretende ampliar o gabarito de construção(número de andares) das zonas, permitindo a construção de prédios de até 31 andares. Só aí temos várias questões que deveriam ser debatidas amplamente, tendo em vista as graves consequências que tais mudanças acarretarão para a mobilidade urbana, o destino dos esgotos e ventilação no interior da ilha.

Também se constata que a proposta prevê ainda a ampliação do distrito industrial, permitindo a instalação de novas indústrias, em áreas já ocupadas por comunidades tradicionais ou em áreas de expansão urbana com ocupações consolidadas.

O distrito industrial sempre operou com violação direitos possessórios e ambientais. Avança nos limites dos padrões legais de emissões de poluentes e ruídos e contamina águas superficiais e subterrâneas. Ele é um enclave que impede a sustentabilidade do ecossistema frágil da Ilha, promove o deslocamento compulsório de comunidades tradicionais e faz pressão para impedir um programa extenso de regularização fundiária na Gleba Tibiri-Pedrinhas, atuando em consórcio com a especulação imobiliária que avança para o noroeste da Ilha, presente especialmente na região do Araçagy e adjacências, Paço do Lumiar e São José de Ribamar.

São Luís não comporta mais tanto adensamento populacional. A primeira ideia de um zoneamento sustentável é permitir que as pessoas trabalhem no mesmo bairro onde residem, reduzindo os gargalos da mobilidade, a emissão de poluentes, o desperdício de tempo nos deslocamentos, com investimentos no lazer, na cultura, no associativismo comunitário e nos vínculos familiares.

A visão imobiliária da Lei de Zoneamento significa o extermínio das já diminutas áreas verdes e maior concentração populacional nas áreas de maior atrativo empresarial ou de maior concentração de equipamentos urbanos, aprofundando as desigualdades sociais e o abandono das periferias.

A questão posta é como esse zoneamento urbano pode funcionar como mecanismo de promoção dos direitos fundamentais à saúde, ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, ao direito de ir e vir com segurança, numa cidade sitiada pelo medo, torturada pelos engarrafamentos, pelo abandono das vias públicas e pela renúncia a qualquer padrão estético.

Em São Luís, a existência de residências localizadas cada vez mais próximas a indústrias significa que o Poder Público Municipal sucumbiu ao poder do mercado, cuja expansão desordenada compromete a oferta de água potável, o direito de moradia, e, em suma, o direito de decidir que tipo de cidade queremos.

O zoneamento permite remodelar o processo de urbanização e poderia ser um processo de deliberação coletiva muito rico, capaz de apontar para os tipo de vínculos sociais, os relacionamentos com a natureza, os estilos de vida, as tecnologias e os valores estéticos que nós desejamos.

O direito à cidade é uma expressão largamente utilizada hoje, mas é um conceito desenvolvido pelo sociólogo francês Henri Lefebvre, em seu livro de 1968, "Le droit à la ville". Ele define o direito à cidade como um direito de não exclusão da sociedade urbana das qualidades e benefícios da vida urbana. David Harvey diz que o direito à cidade "é muito mais do que a liberdade individual para acessar os recursos urbanos: é o direito de mudar a nós mesmos, mudando a cidade".

O direito à cidade está relacionado portanto ao desejo de superação das tragédias sócioeconômicas e ao fenômeno do afastamento das pessoas para as periferias. O zoneamento está no centro da questão, e, de maneira nenhuma, deveria reforçar antigos padrões de exclusão social, cuja principal estratégia é dificultar a participação dos interessados mais vulneráveis.

Mas imagine colocar em prática tudo isso nos limites da coalizão política comandada por Edvaldo Holanda Junior e seus compromissos com o financiamento privado de campanha. No melhor estilo dos Escutas Territoriais, essa participação será cuidadosamente calculada, para não fugir do controle.

Informar e conscientizar o cidadão sobre essas possibilidades e alternativas constitui o objetivo de movimentos sociais espalhados em todo o mundo, que lutam contra o modelo de urbanização de muitas cidades modernas, em que os processos e serviços públicos foram privatizados e onde o desenvolvimento é direcionado por empresas e mercados, como ocorre em São Luís.

Para mudar esse quadro, uma nova Lei de Zoneamento implicaria novos métodos de participação. E para que isso ocorra seria preciso mudar realmente a política.

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