domingo, 27 de janeiro de 2013

Juíza remete decisão sobre a “Chacina de Unaí” para município onde o crime ocorreu



Raquel Vasconcelos Alves de Lima, juíza substituta da 9ª Vara da Justiça Federal, em Belo Horizonte (MG), declarou-se incompetente para julgar os acusados da “Chacina de Unaí”, conforme informou a Agência Brasil. O processo deve ser remetido para a Vara Federal do município onde ocorreu o crime – o que, de acordo com organizações de direitos humanos que acompanham o caso, pode retardar ainda mais o processo e influenciar no resultado do julgamento dado o poder econômico e político dos envolvidos. A chacina completa nove anos de impunidade nesta segunda.
Em 28 de janeiro de 2004, quatro funcionários do Ministério do Trabalho e Emprego foram assassinados enquanto realizavam uma fiscalização rural de rotina na região de Unaí, Noroeste de Minas Gerais. O motorista Aílton Pereira de Oliveira, mesmo baleado, conseguiu fugir do local com o carro e chegar à estrada principal, onde foi socorrido. Levado até o Hospital de Base de Brasília, Oliveira não resistiu e faleceu no início da tarde. Antes de morrer, descreveu uma emboscada: um automóvel teria parado o carro da equipe e homens fortemente armados teriam descido e fuzilado os fiscais. Erastótenes de Almeida Gonçalves, Nelson José da Silva e João Batista Soares Lages morreram na hora. O caso ganhou repercussão na mídia nacional e internacional.
A Polícia Federal afirmou ter desvendado o crime seis meses depois, com o indiciamento de envolvidos, que incluíram os irmãos Norberto e Antério Mânica, família que é uma das maiores produtoras de feijão do país. O inquérito entregue à Justiça afirmou que a motivação do crime foi o incômodo provocado pelas insistentes multas impostas pelos auditores. Nelson José da Silva seria o alvo principal. Ele já havia aplicado cerca de R$ 2 milhões em infrações à fazenda dos Mânica por descumprimento de leis trabalhistas. Ambos chegaram a ser presos, mas hoje respondem ao processo em liberdade. Após isso, Antério foi eleito (em 2004, com com 72,37% dos votos válidos pelo PSDB) e reeleito (2008) prefeito de Unaí, ganhando e mantendo fórum privilegiado até este ano.
Também foram envolvidos os pistoleiros Erinaldo de Vasconcelos Silva (o Júnior), Rogério Alan Rocha Rios e William Gomes de Miranda; o contratante dos matadores, Francisco Élder Pinheiro (conhecido como “Chico Pinheiro”, que faleceu este ano, aguardando o julgamento em liberdade) e os intermediários Humberto Ribeiro dos Santos, Hugo Alves Pimenta e José Alberto de Castro. Três dos acusados estão presos e um foi solto, pois o crime pelo qual foi denunciado já prescreveu dado o atraso do julgamento. Os outros, estão em liberdade beneficiados por habeas corpus.
De acordo com o Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho, os recursos dos réus foram apreciados e negados – inclusive em instâncias superiores. Ou seja, não existia mais razão para protelar os julgamentos. A Corregedoria Nacional de Justiça, acionada pelo Ministério Público Federal, havia informado que a juíza Raquel marcaria o início do julgamento para o mês de fevereiro. O MPF deve recorrer da decisão de remeter o caso para Unaí.
A votação em primeiro turno da Proposta de Emenda Constitucional 438/2001 (que prevê o confisco de propriedades flagradas com escravos e sua destinação à reforma agrária ou ao uso social urbano) na Câmara dos Deputados, em 2004, ocorreu sob a forte comoção pública gerada pelo assassinato dos quatro funcionários do MTE. Isso pode ter influenciado na decisão dos deputados, que aprovaram o texto com algumas modificações. Há parlamentares que eram contrários à aprovação da PEC, mas na votação em plenário, feita por voto aberto, posicionaram-se a favor, provavelmente para não terem sua imagem vinculada à manutenção dessa forma de exploração do trabalho em um momento delicado como aquele, em que a Chacina ainda aparecia na mídia internacional. Passada a comosção, a PEC entrou na geladeira da Câmara, sendo aprovada – após muita pressão popular – em maio do ano passado. Agora, aguarda apreciação do Senado.
Em 2009, o 28 de janeiro se tornou oficialmente o Dia Nacional de Combate ao Trabalho Escravo, aprovado no Congresso Nacional por proposta do então senador José Nery. Durante uma semana, eventos sobre o tema devem ser realizados em todo o país com o objetivo de que a Chacina de Unaí não fique impune. Mas também sensibilizar a população e aumentar a pressão social para erradicar a escravidão contemporânea. Entre os eventos, estão previstos, na próxima segunda (28), uma reunião da Comissão Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo (Conatrae), no Auditório da Procuradoria da República em Minas Gerais, a partir das 10h, e um Ato Público que pedirá o julgamento dos acusados da chacina, em frente ao Tribunal Regional Federal da 1ª Região em Belo Horizonte (MG).
Repito o que já disse aqui. Não é incompreensível a demora da Justiça porque infelizmente não é. A verdade é que a velocidade de funcionamento de grande parte do sistema judiciário normalmente depende de quem é o réu/acusador. Se for rico, será rápido (se ele quiser que seja rápido) ou lento (se quiser que seja lento) e será julgado conforme suas conveniências, antes ou depois dos demais acusados (se assim for melhor para sua defesa). Se for pobre, a Justiça faz o caminho inverso.
Neste caso, os acusados de serem os mandantes quiseram ser julgados antes dos demais. Dessa forma o que aparecesse nos outros júris não poderia ser usados contra eles. Não conseguiram. Mas o processo foi remetido à Unaí, onde a população elegeu um dos acusados de ser mandante prefeito duas vezes. Isso pode ser considerado uma vitória parcial.
Em novembro de 2008, Antério Mânica foi um condecorados com a Medalha da Ordem do Mérito Legislativo, em cerimônia promovida pela Assembléia Legislativa de Minas Gerais, realizada no Palácio das Artes e “aplaudida por mais de mil convidados”, como explica o site da instituição. O prêmio, que foi considerado por muitos como um desagravo, gerou indignação e mal-estar em parte da sociedade civil e dos deputados mineiros.

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