terça-feira, 29 de janeiro de 2013

Awá-Guajá: Remoção de Não-índios é iminente

Postagem atualizada e corrigida em 31.01.2013.

Foram julgadas as apelações no processos que questionam a demarcação da TI Awá-Guajá. O reexame necessário foi julgado no dia 06.08.2012. O Acórdão confirmou a sentença do juiz federal, Dr. José Carlos do Vale Madeira. Nesse processo foi interposto Recurso Especial, para o STJ, no dia 16 de novembro do ano passado. O recurso ainda será submetido ao exame de admissibilidade perante o TRF da 1ª Região. Se considerado admissível, subirá para o STJ. Se não for dado o efeito suspensivo, a sentença de primeiro grau poderá ser executada.

Um dos principais opositores da demarcação, a empresa AGROPECUÁRIA TURIAÇU teve seu recurso de apelação (0000349-69.1995.4.01.3700) julgado ainda 09.12.2011. Esse processo transitou em julgado desde abril de 2012 e já foi baixado para a justiça federal no Maranhão.

Da portaria de interdição da FUNAI (1992) até os dias atuais não houve qualquer ação preventiva dos órgãos fundiários no Estado, seja INCRA, seja ITERMA, no sentido de prevenir os impactos da desintrusão sobre os agricultores familiares que se utilizam da TI.  O INCRA dispõe de um cadastro de mais de mil pessoas que moram ou apenas praticam agricultura no interior do território. A retirada dos ocupantes agora é iminente. 

A TI Awá, está localizada nos municípios de Centro Novo do Maranhão, Governador Newton Belo, São João do Caru e Zé Doca, no estado do Maranhão. O processo de regularização fundiária da TI Awá teve início ainda na década de 1970. Em 1987, a Funai interditou uma área de 147.500ha, conforme Portaria nº 3767/E de 01.12.1987. A delimitação foi finalizada com e publicação da Portaria n. 373, de 29 de julho de 1992, que declara a terra indígena como posse imemorial indígena com 118.000ha. A TI Awá foi homologada em 2005 e registrada no SPU em 2009.

Em 2002, o Ministério Público Federal instaurou uma Ação Civil Pública (2002.37.00.003918-2), contra Funai, União e Agropecuária Alto Turiaçu, requerendo  a demarcação da referida terra indígena “de acordo com os termos da Portaria n. 373/92 e o laudo antropológico” produzidos nos autos do Processo n. 95.0000353-8 e declarando a nulidade dos títulos de domínio invocados pela Agropecuária. Em 2009, o juiz acolheu os pedidos do MPF, determinando a demarcação da TI Awá, e a “remoção de todas as pessoas – posseiros, agricultores, madeireiros etc. – que se encontrarem no interior da Área Indígena Awá-Guajá”. Algumas apelações foram interpostas a esta decisão, contudo, em dezembro de 2011, o juiz mantém a decisão de 2009, determinando a conclusão do procedimento em 1 ano. Abaixo, trecho da parte dispositiva da sentença de primeiro grau:


ANTE O EXPOSTO, acolho os pedidos formulados pelo Autor (CPC 269 I), condenando os Réus a demarcarem, no prazo de 180 (cento e oitenta) dias, a contar da intimação da presente sentença, a Área Indígena Awá-Guajá de acordo com os termos da Portaria n. 373/92 e o Laudo Antropológico elaborado pela Antropóloga ELIANE CANTARINO O’DWYER – produzido nos autos do Processo n.  95.0000353-8 –, seguindo-se os atos de homologação e registro imobiliário.

Por conseqüência, ficam declarados nulos e extintos, “não produzindo efeitos jurídicos” (CF 231 § 6º), os atos que tenham possibilitado a ocupação, o domínio ou a posse de terras situadas no interior da Área Indígena Awá, inclusive aqueles praticados pela empresa Agropecuária Alto do Turiaçu Ltda.

Em prol da efetividade do provimento jurisdicional ora apresentado (CPC 461 § 5º; LACP 11), imponho aos Réus as seguintes obrigações, a serem cumpridas no prazo de 180 (cento e oitenta dias), sob pena do pagamento de multa diária fixada em R$ 50.000,00 (cinqüenta mil reais), a incidir após o exaurimento do prazo ora fixado: (i) remoção de todas as pessoas – posseiros, agricultores, madeireiros etc. – que se encontrarem no interior da Área Indígena Awá-Guajá; (ii) desfazimento de construções,

cercas, estradas ou quaisquer obras existentes no interior da Área Indígena Awá-Guajá e que sejam tidas por incompatíveis com a utilização das terras pelos Guajá; (iii) colocação de placas ao longo de todo o perímetro da área demarcanda, com indicações didáticas (= que possam ser compreendidas pelo homem comum) de a área indígena ter sido demarcada por determinação da Justiça Federal no Maranhão, com a proibição do ingresso de pessoas naqueles locais sem autorização da FUNAI; e (iv) divulgar os trabalhos de 
demarcação perante a comunidade em geral e, em particular, perante os sindicatos, associações, prefeituras, câmaras municipais e outras entidades que tenham interesse direto ou sofram quaisquer conseqüências jurídicas da demarcação da Área Indígena Awá-Guajá.

Custas processuais e honorários advocatícios indevidos (CF 128 § 5º II a).

Sentença sujeita ao duplo grau de jurisdição (CPC   475 I).

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

São Luís, 30 de junho de 2009.

JOSÉ CARLOS DO VALE MADEIRA
Juiz Federal

Obs: o inteiro teor da sentença pode ser acessado aqui.



O acórdão do TRFda 1ª região sobre o reexame necessário  segue abaixo e a movimentação do processo pode ser visualizada aqui:

E M E N T A
CONSTITUCIONAL, ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DEMARCAÇÃO DE TERRAS INDÍGENAS. GRUPO AWÁ-GUAJÁ. VALIDADE DA PORTARIA 373/92 DO MINISTÉRIO DA JUSTIÇA. REGULARIDADE DA PERÍCIA TOPOGRÁFICA E ANTROPOLÓGICA. PERITOS QUALIFICADOS. DECRETO 22/91. APELAÇÃO DE TERCEIROS ALEGADAMENTE PREJUDICADOS NÃO CONHECIDA. PERDA PARCIAL DO OBJETO DA DEMANDA NÃO CONFIGURADA. PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE NA FIXAÇÃO DO PRAZO JUDICIAL. OCUPAÇÃO TRADICIONAL DE TERRA INDÍGENA.
I. Na “Constituição do Índio” conforme denominação atribuída a Uadi Lammêgo Bulos, merece destaque a proeminência com que o constituinte de 88 tratou as questões indígenas, alçando-as a patamares tão relevantes que tracejou sua disciplina em inúmeros dispositivos constitucionais, como se vê dos arts. 20, XI; 22, XIV; 49, XVI; 109, XI; 129, V e 176, § 1º e, especialmente, no arremate definido no capítulo VII do título que trata da ordem social, constituído pelos arts. 231 e 232 da Carta Política de 88, que consagrou o direito originário dos índios sobre as terras que ocupam tradicionalmente.
II. A conjunção dos dispositivos supra mencionados configura as reservas indígenas como bens da União com afetação especial aos índios que nelas habitam, podendo usufruir com exclusividade da posse originária outorgada pelo constituinte de 88. Precedente do STF – RE 183.188/MS.
III. A disciplina para o processo administrativo de demarcação de terras indígenas no Brasil é de competência da União e consiste numa série de atos correlatos. Sendo certo que a demarcação não representa título de posse ou requisito de ocupação, uma vez que o pleno gozo dos índios sobre suas terras independe de qualquer ato administrativo. Assim, o processo demarcatório da terra indígena é regulado por decreto do Poder Executivo, materializando-se num procedimento administrativo conduzido pela Fundação Nacional do Índio – FUNAI e concluído com um decreto homologatório do Presidente da República. Esse procedimento tem início com a formação de um grupo técnico especializado que deverá promover o estudo etno-hisórico, sociológico, jurídico, cartográfico e ambiental, bem como o levantamento fundiário necessários à delimitação das terras indígenas, a fim de elaborar relatório circunstanciado a ser encaminhado ao Ministro da Justiça. Este, por sua vez, expedirá portaria delineando os limites da demarcação administrativa da área e concluirá o processo enviando-o ao Presidente da República que tem competência para editar decreto homologatório.
IV. Desse modo, é regular e está em consonância com os princípios da Administração Pública insculpidos no art. 37/DF, o procedimento demarcatório de terras indígenas em que o Presidente da FUNAI expediu portaria e constituiu grupo técnico multidisciplinar com a finalidade de adequar os limites da Terra do Grupo Indígena AWÁ-GUAJÁ, nos Municípios de Caratapera, Bom jardim e Zé Doca, Estado do Maranhão. E, em seguida, encaminhou proposta fundamentada ao Ministro da Justiça que expressou sua motivação e considerou caracterizada a área de ocupação tradicional e permanente dos índios na conformidade dos arts. 231 da CF e 17 do Estatuto do Índio, editando a Portaria 373/92, em que declarou a área de posse permanente indígena para efeito de demarcação.
V. O procedimento de demarcação de terras indígenas não está adstrito a aviso circular, que não tem força imperativa a ensejar alteração nas regras do procedimento demarcatório estabelecido, à época, no Decreto 22/91. O aviso representa mero “expediente pelo qual os Ministros de Estado se comunicam com iguais ou subalternos, transmitindo instruções, fazendo solicitações, interpretando dispositivos regulamentares, ou determinando providências necessárias à boa ordem dos serviços públicos” (NEY, João Luiz. Prontuário de Redação Oficial. 6ª ed. 1971, p. 93).
VI. O acervo probatório, constituído de perícia técnica, oitiva de testemunha, exibição de documentos, esclarecimentos prestados em audiência pelos peritos, laudo topográfico e inspeção judicial, mostra-se robusto e suficiente para ratificar os estudos conduzidos pela FUNAI e conformar o convencimento do julgador pela validade da Portaria 373/92 do Ministro da Justiça, firmando a concepção de que a área demarcada é de posse tradicional do grupo indígena Awá-Guajá.
VII. A partir do momento em que o perito é nomeado pelo juiz para participar do processo judicial, passa a ser considerado um serventuário especial no auxílio à justiça, devendo atuar com presteza e imparcialidade, até porque responde na esfera civil, penal e administrativa por eventual dano que venha a causar aos interessados. O perito não tem interesse que uma ou outra parte se consagre vencedora na demanda. Sua função é fornecer os elementos informativos de ordem técnica conforme determinado pelo juízo, e sua atuação está jungida à forma estabelecida em lei.
VIII. O laudo pericial topográfico elaborado por engenheiro agrônomo comprovadamente qualificado para descrever os limites do imóvel da Agropecuária Alto do Turiaçu Ltda., mostrou-se suficiente e válido ao apurar que 89,98% da área da Empresa-Apelante encontra-se no interior das terras do grupo indígena Awá-Guajá, tal qual descrita na Portaria 373/92.
IX. A perícia antropológica constituída para investigar as formas de existência social e cultural, bem como os processos de territorialização do grupo indígena Awá-Guajá, além da formação de um campesinato tradicional e/ou fronteira agrícola e a situação de exploração e trajetória da Agropecuária Turiaçu Ltda mostrou-se firme, didática e eficaz ao revelar que “A área definida na Portaria nº 373/92 da FUNAI (fls. 71/72 dos autos) é de posse permanente do grupo indígena Awá-Guajá e integrava o território da antiga Reserva Florestal do Gurupi”.
X. Independentemente do momento em que a Empresa Agropecuária tenha iniciado suas atividades na área, as terras reconhecidas como de ocupação indígena já recebiam, desde antes, tutela constitucional. Ou seja, não há falar em direito adquirido a bem jurídico com força em valores desacolhidos pela nova ordem constitucional. O reconhecimento do direito originário dos povos indígenas em ocupar suas terras é ato meramente declaratório e não constitutivo, uma vez que a Lei Maior declarou expressamente a nulidade dos atos que tenham por objeto a ocupação, domínio e posse das terras indígenas (art. 2131, § 6º, CF).
XI. Para ingressar nos autos em fase de recurso contra sentença de primeiro grau, por força do art. 499, § 1º, do CPC, é preciso demonstrar o nexo de interdependência entre o interesse processual em intervir na demanda e a relação jurídica com as partes a ensejar a sucumbência decorrente do decisum recorrido. Meras procurações concessivas de amplos poderes, muitas delas sem assinatura, contendo apenas impressão digital, em desarmonia com o art. 654 do CC, são insuficientes para comprovar relação jurídica com os demais integrantes da causa, ou mesmo com o objeto da Portaria 373/92 a ensejar integração à demanda nessa fase do processo, razão pela qual não se conhece das apelações manejadas por terceiros alegadamente prejudicados.
XII. O argumento de perda parcial do objeto da demanda em razão da demarcação administrativa carece de relevância jurídica na hipótese em que o poder público, embora tenha procedido à demarcação e homologação da terra indígena, concedeu títulos dominiais ou permitiu a instalação de terceiros na região a conformar verdadeiro embaraço para que os silvícolas, parte hipossuficiente na espécie, pudessem apossar-se das áreas que lhes foram reconhecidas. Para conferir eficácia à homologação de terra indígena, é preciso que o poder público cumpra as medidas aptas a dar efetividade ao procedimento administrativo, especialmente a extrusão dos ocupantes não índios da área e a remoção das obras e construções que impedem a efetiva utilização da terra para o desiderato que lhe foi dado pela norma administrativa constituída em harmonia com a Constituição Federal.
XIII. O estabelecimento de prazo para cumprimento de decisão consistente em remoção de pessoas e desfazimento de construções em áreas demarcadas como terras indígenas deve ser temperado de razoabilidade a fim de evitar conflitos. Caso em que o prazo de 1 (um) ano, a contar da data de intimação deste acórdão, mostra-se suficiente para que sejam removidas as pessoas não índias e desfeitas as construções edificadas na área reservada ao grupo indígeena Awá-Guajá.
XIV. A ocupação tradicional de terras indígenas a que se refere o art. 231, § 1º, da CF diz respeito a relação dos autóctones com o território conforme seus usos, costumes e tradições para a promoção de seu bem-estar e de sua reprodução física. É despicienda a ocupação física em toda a terra indígena. Ou seja, “O tradicionalmente refere-se não a uma circunstância temporal, mas ao modo tradicional de os índios ocuparem e utilizarem as terras e ao modo tradicional de produção, enfim, ao modo tradicional de como eles se relacionam com a terra, já que há comunidades mais estáveis, outras menos estáveis, e as que têm espaços mais amplos em que se deslocam etc. Daí dizer-se que tudo se realiza segundo seus usos, costumes e tradições.” (José Afonso da Silva, in Os Direitos Indígenas e a Constituição, 1993).
XV. Atestado administrativo negativo da presença de silvícolas na região perde a robustez diante de pesquisas e estudos elaborados para a demarcação de terras indígenas que concluíram em sentido contrário, máxime quando o referido atestado alerta para a demarcação da terra indígena.
XVI. A robustez do acervo probatório conduz ao reconhecimento da higidez da Portaria 373/92 do Ministério da Justiça e da demarcação levada a cabo pelo poder público que. Assim, eventual direito de propriedade adquirido sob a égide de normas anteriores não subsiste diante da nova ordem constitucional inaugurada em 5 de outubro de 1988, de modo que acolher eventual título de propriedade em áreas reconhecidamente ocupadas por grupos indígenas é labor inútil em razão da imperatividade da norma constitucional.
XVII. Recursos dos terceiros prejudicados não conhecido. Apelação da FUNAI provida e parcialmente providos a remessa oficial e o recurso da UNIÃO. Apelação da Agropecuária Alto do Turiaçu Ltda. desprovida. Determinação para que a UNIÃO e a FUNAI promovam o registro da área demarcada no cartório imobiliário e na Secretaria do Patrimônio do Ministério da Fazenda e, no prazo de um ano, a contar da intimação deste julgado, a remoção das pessoas não-índias que se encontram no interior da terra demarcada, bem como o desfazimento das construções edificadas no perímetro da Portaria 373/92, além do cumprimento das demais determinações oriundas da sentença recorrida.
A C Ó R D Ã O
Decide a Sexta Turma, por unanimidade, não conhecer dos recursos dos terceiros prejudicados, dar provimento à apelação da FUNAI, dar parcial provimento à remessa oficial e ao recurso da União e negar provimento à apelação da Agropecuária Alto do Turiaçu LTDA.
Sexta Turma do TRF da 1ª Região – 09.12.2011.
Desembargador Federal JIRAIR ARAM MEGUERIAN
Relator



O  acórdão do julgamento da apelação da Agropecuária Turiaçu segue abaixo e a movimentação do processo pode ser visualizada aqui.



Processo:
AC 349 MA 0000349-69.1995.4.01.3700
Relator(a):
DESEMBARGADOR FEDERAL JIRAIR ARAM MEGUERIAN
Julgamento:
09/12/2011
Órgão Julgador:
SEXTA TURMA
Publicação:
e-DJF1 p.93 de 26/01/2012

Ementa

CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. DEMARCAÇÃO DE TERRAS INDÍGENAS DO GRUPO AWÁ-GUAJÁ. VALIDADE DA PORTARIA DO MINISTRO DA JUSTIÇA N. 373/92. REGULARIDADE DA PERÍCIA TOPOGRÁFICA E ANTROPOLÓGICA. QUALIFICAÇÃO DOS PERITOS. DECRETO 22/91.
I. Remessa oficial não recebida, pois a demanda não se ajusta aos parâmetros delineados pelo art. 475 do CPC.
II. Merece destaque a proeminência com que o constituinte de 88 tratou as questões indígenas, alçando-as a patamares tão relevantes que tracejou sua disciplina em inúmeros dispositivos constitucionais, como se vê dos arts. 20, XI; 22, XIV; 49, XVI; 109, XI; 129, V e 176, § 1º e, especialmente, no arremate definido no capítulo VII do título que trata da ordem social, constituído pelos arts. 231 e 232 da Carta Política de 88, que consagrou o direito originário dos índios sobre as terras que ocupam tradicionalmente.
III. A conjunção dos dispositivos supra mencionados configura as reservas indígenas como bens da União com afetação especial aos índios que nelas habitam, podendo usufruir com exclusividade da posse originária outorgada pelo constituinte de 88. Precedente do STF - RE 183.188/MS.
IV. A disciplina para o processo administrativo de demarcação de áreas indígenas no Brasil é de competência da União e consiste numa série de atos correlatos. Sendo certo que a demarcação não representa título de posse ou requisito de ocupação, uma vez que o pleno gozo dos índios sobre suas terras independe de qualquer ato administrativo. Assim, o processo demarcatório da terra indígena é regulado por decreto do Poder Executivo, materializando-se num procedimento administrativo conduzido pela Fundação Nacional do Índio - FUNAI e concluído com um decreto homologatório do Presidente da República. Esse procedimento tem início com a formação de um grupo de trabalho multidisciplinar que deverá promover o estudo etno-histórico e cartográfico de identificação dos povos e das terras indígenas, bem como o levantamento fundiário da região a fim de elaborar relatório circunstanciado a ser encaminhado ao Ministro da Justiça. Este, por sua vez, expedirá portaria delineando os limites da demarcação administrativa da área e concluirá o processo enviando-o ao Presidente da República que tem competência para editar decreto homologatório.
V. Desse modo, é regular e está em consonância com os princípios da Administração Pública insculpidos no art. 37/CF, o procedimento demarcatório de terras indígenas em que o Presidente da FUNAI expediu portaria e constituiu grupo técnico especializado com a finalidade de adequar os limites da Terra do Grupo Indígena AWÁ-GUAJÁ, nos Municípios de Caratapera, Bom jardim e Zé Doca, Estado do Maranhão. E, em seguida, encaminhou proposta fundamentada ao Ministro da Justiça que expressou sua motivação e considerou caracterizada a área de ocupação tradicional e permanente dos índios na conformidade dos arts. 231 da CF e 17 do Estatuto do Índio, editando a Portaria 373/92, em que declarou a área de posse permanente indígena para efeito de demarcação.
VI. O procedimento de demarcação de terras indígenas não está adstrito a aviso circular, que não tem força imperativa a ensejar alteração nas regras do procedimento demarcatório estabelecido, à época, no Decreto 22/91. O aviso representa mero "expediente pelo qual os Ministros de Estado se comunicam com iguais ou subalternos, transmitindo instruções, fazendo solicitações, interpretando dispositivos regulamentares, ou determinando providências necessárias à boa ordem dos serviços públicos" (NEY, João Luiz. Prontuário de Redação Oficial. 6ª ed. 1971, p. 93).
VII. Na espécie a demarcação da terra indígena Awá, objeto da Portaria 373/92 do Ministério da Justiça, foi devidamente homologada pelo Decreto Presidencial de 19 de abril de 2005. As demais formalidades administrativas exigidas no Decreto 22/91, como o registro no cartório imobiliário e no Departamento do Patrimônio Nacional, carecem de decisão judicial para dar eficácia à demarcação e cancelar os títulos dominiais expedidos pelo poder público.
VIII. O ato administrativo que demarca os limites de área indígena não representa restrição ao direito de propriedade, locomoção ou liberdade. Os direitos fundamentais dos quais se ocupam os arts. , caput, incisos XXIII e LXVIII e 170, II da Constituição devem conviver em harmonia com a preservação do meio ambiente (art. 170, VI, CF) e o reconhecimento da organização social do índio, expressada pelos seus costumes, línguas, crenças e tradições (art. 231, caput), posto que todos são mandamentos conformadores do desiderato constitucional de formar uma sociedade livre, justa e solidária, com erradicação da pobreza e promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade, e quaisquer outras formas de discriminação, garantindo o desenvolvimento nacional (art. 3º/CF).
IX. A propósito, "Ao Poder Público de todas as dimensões federativas o que incumbe não é subestimar, e muito menos hostilizar comunidades indígenas brasileiras, mas tirar proveito delas para diversificar o potencial econômico-cultural dos seus territórios (dos entes federativos). O desenvolvimento que se fizer sem ou contra os índios, ali onde eles se encontrarem instalados por modo tradicional, à data da Constituição de 1988, desrespeita o objetivo fundamental do inciso II do art. da Constituição Federal, assecuratório de um tipo de"desenvolvimento nacional"tão ecologicamente equilibrado quanto humanizado e culturalmente diversificado, de modo a incorporar a realidade indígena." (Pet 3388, Rel. Ministro Carlos Brito, Tribunal Pleno, DJ 30/6/2010).
X. O acervo probatório, constituído de perícia técnica, oitiva de testemunha, exibição de documentos, esclarecimentos prestados em audiência pelos peritos e inspeção judicial, mostra-se robusto e suficiente para ratificar os estudos conduzidos pela FUNAI e conformar o convencimento do julgador pela validade da Portaria 373/92 do Ministro da Justiça, firmando a concepção de que a área demarcada é de posse tradicional do grupo indígena Awá-Guajá. XI. A partir do momento em que o perito é nomeado pelo juiz para participar do processo judicial, passa a ser considerado um serventuário especial no auxílio à justiça, devendo atuar com presteza e imparcialidade, até porque responde na esfera civil, penal e administrativa por eventual dano que venha a causar aos interessados. O perito não tem interesse que uma ou outra parte se consagre vencedora na demanda. Sua função é fornecer os elementos informativos de ordem técnica conforme determinado pelo juízo, e sua atuação está jungida à forma estabelecida em lei. XII. O laudo pericial topográfico elaborado por engenheiro agrônomo comprovadamente qualificado para descrever os limites do imóvel da Agropecuária Alto do Turiaçu Ltda., mostrou-se suficiente e válido ao apurar que 89,98% da área da Empresa-Apelante encontra-se no interior das terras do grupo indígena Awá-Guajá, tal qual descrita na Portaria 373/92. XIII. A perícia antropológica constituída para investigar as formas de existência social e cultural, bem como os processos de territorialização dos grupos indígenas Awá-Guajá, além da formação de um campesinato tradicional e/ou fronteira agrícola e a situação de exploração e trajetória da Agropecuária Turiaçu Ltda. mostrou-se firme, didática e eficaz ao revelar que "A área definida na Portaria nº 373/92 da FUNAI (fls. 71/72 dos autos) é de posse permanente do grupo indígena Awá-Guajá e integrava o território da antiga Reserva Florestal do Gurupi". XIV. Independentemente do momento em que a Empresa Agropecuária tenha iniciado suas atividades na área, as terras reconhecidas como de ocupação indígena já recebiam, desde antes, tutela constitucional. Ou seja, não há falar em direito adquirido a bem jurídico com força em valores desacolhidos pela nova ordem constitucional. O reconhecimento do direito originário dos povos indígenas em ocupar suas terras é ato meramente declaratório e não constitutivo, uma vez que a Lei Maior declarou expressamente a nulidade dos atos que tenham por objeto a ocupação, domínio e posse das terras indígenas (art. 2131, § 6º, CF). XV. Apelação conhecida, em parte e, nesta parte, nega-se provimento.

Acordão

A Turma, por unanimidade, conheceu, em parte, da apelação e, nessa parte, negou-lhe provimento.

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