segunda-feira, 4 de setembro de 2017

ALCÂNTARA DE VOLTA

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Em setembro do ano passado o ministro da Defesa, Raul Jungmann, anunciou nos jornais que o governo brasileiro convidou os Estados Unidos a usarem as instalações de Alcântara (MA) para lançar satélites, no primeiro encontro formal do “Diálogo da Indústria de Defesa Brasil e Estados Unidos”, que ocorreu no Palácio do Itamaraty.

Com a ascensão do governo Temer, o anúncio indica que haverá novas tentativas de aprovação de um acordo de salvaguardas, exaustivamente discutido no início dos anos 2000, em pleno governo de Fernando Henrique Cardoso.

Desde então se espera, da parte do Palácio do Planalto um amplo período de negociações, visando não apenas superar os impasses sensíveis da relação bilateral, com a imposição de salvaguardas à tecnologia estrangeira em solo nacional, mas também o convencimento da comunidade quilombola, que reivindica o território incidente sobre a área do CLA.

Para deflagrar o processo, o Ministério da Defesa enviou mensagem ao Congresso para “retirar” da Câmara dos Deputados a velha proposta, rejeitada no passado, para em coordenação com o Ministério das Relações Exteriores e o Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovação e Comunicações, renegociar com o governo norte-americano “os ajustes considerados necessários, para nova submissão ao Congresso Nacional”.

Quando esse tema foi discutido em 2002,  um conjunto de resistências inviabilizaram a aprovação da proposta, incluindo ações judiciais, mobilizações da sociedade e a própria resistência dos quilombolas, que criticam a primeira fase dos deslocamentos do CLA, cuja maior vitrine é a pobreza, a violação de direitos étnicos e o desrespeito à legislação internacional de direitos humanos.

 Depois, durante os governos Lula e Dilma (2003-2016) o tema ficou travado, por divergências entre vários Ministérios. O INCRA já havia publicado no Diário Oficial da União o Relatório Técnico de Identificação e delimitação (RTID) do território quilombola de Alcântara, em novembro de 2008, documento fundamental para a posterior titulação da área.

O RTID definiu como área do território das comunidades quilombolas cerca de 78,1 mil hectares, delimitando o território do Centro de Lançamento de Alcântara em 9,3 mil hectares. Já se vislumbrava o fim de um impasse que durava quase trinta anos.

Contudo, ainda no ano de 2009, logo após a publicação do RTID, o INCRA e a Fundação Cultural Palmares manifestaram entendimento sobre a necessidade de revisão do EIA/RIMA do Complexo Terrestre Cyclone-IV, em virtude da área de influência direta não considerar o impacto no território étnico de Alcântara. 

A Empresa Binacional Alcântara Cyclone Space (ACS), criada por meio do Tratado de Cooperação firmado entre Brasil e Ucrânia, em 21 de outubro de 2003, tinha como objetivo comercializar e operar os serviços de lançamentos espaciais, por meio do veículo lançador Cyclone-IV. 

A instalação do Complexo Terrestre Cyclone IV no Centro de Lançamento de Alcântara (CLA) visava  permitir o início das atividades do empreendimento, cuja administração ficara a cargo da ACS.

A ATECH, empresa contratada da ACS, iniciou trabalhos de desmatamento nas proximidades dos povoados Mamuna, Brito e Baracatatiua. A partir de Mamuna, houve resistência e os tratores foram impedidos de prosseguir os trabalhos. Uma Ação Civil Pública - ACP, movida pelo MPF questionou o licenciamento ambiental da ACS, reforçando a suspensão das obras a cargo da ATECH.

Nos autos da referida ação, foi homologado um acordo. Nele, ATECH, AEB, AGU e ACS se comprometeram a desenvolver as obras do Cyclone IV dentro do atual limite do CLA, respeitando o RTID.

Em seguida, o Gabinete de Segurança Institucional apresentou contestação ao RTID e a Presidência do INCRA, solicitando parecer da Advocacia Geral da União - AGU a respeito da possibilidade de instauração de uma Câmara de Conciliação, mecanismo instituído pelo Ato Regimental nº 5, de 27 de setembro de 2007, posteriormente alterado pelo Ato Regimental n° e 2, datados, respectivamente, de 9 de abril de 2009, para resolução de conflitos no âmbito da Administração Federal.

Em abril de 2010, também contestaram o RTID de Alcântara o Ministério da Defesa e a própria Aeronáutica, ambos requerendo a instalação da Câmara de Conciliação da AGU e a suspensão do processo de titulação.

O Procedimento de Conciliação nº 00400.004866/2008-42 foi instaurado, para tratar da controvérsia jurídica conforme previsão no art. 16 da IN INCRA 57/2009 (que regulamenta o procedimento de titulação de territórios quilombolas dentro da autarquia federal), à revelia do direito de consulta das comunidades (conforme a Convenção 169, da OIT) e da própria decisão homologatória do acordo judicial.

Naquele período, assim como agora, o Governo Federal reivindica a ampliação do Programa Nacional de Atividades Espaciais, numa área de 12 mil hectares no litoral do município (área dentro do RTID publicado pelo INCRA), o que acarretará num deslocamento de cerca de 2.700 famílias.

O Ministro da Defesa, Raul Jungmann, em recente visita ao CLA, em 12 de abril de 2017, abordou o tema questão fundiária e quilombola, nos seguintes termos: “Nesse momento, na Casa Civil, este processo de conciliação está sendo devidamente finalizado e, pelas informações que nós temos é que já existe um pré-acordo, para que seja feito o remanejamento dessas famílias, para que elas tenham absoluta condição de habitação e de, obviamente, levar a sua vida" (http://www.defesa.gov.br/noticias/30060-quatro-paises-manifestaram-interesse-em-parceria-com-o-brasil-no-cla-do-maranhao).

Sem proceder a nenhuma aproximação com complexidade do tema quilombola, desconhecendo as ações judiciais em curso, e até uma denúncia internacional, o Ministro sinalizou para a necessidade de retomar os 12 mil hectares, com mais deslocamentos. 

Em 11 de maio de 2017, a Câmara de Conciliação e Arbitragem da Administração Federal (CCAF/AGU) devolveu o processo para a Casa Civil, por entender não haver controvérsia jurídica, mas de mérito, contrariando as expectativas do Ministro da Defesa.  Na prática, a Câmara de Conciliação serviu apenas para retardar ou impedir a titulação quilombola, fato iminente em 2009.

Os defensores da manutenção integral do projeto espacial brasileiro têm o objetivo de impor a revisão do RTID, publicado pelo INCRA, para depois pavimentar o deslocamento de centenas de famílias quilombolas, como ocorreu a partir dos anos de 1986 e 1987.

Assim, esse texto apenas situa as derradeiras escaramuças na guerra de posições entre CLA e quilombolas de Alcântara. Muito se poderia dizer a respeito da inexistência do licenciamento ambiental do projeto, das violações à Convenção 169, da OIT, da denúncia ainda em curso perante a OEA e das várias ações judiciais, uma delas com acordo homologado.

Não menos necessário se faz dizer que, desde o aviso 007/79, da lavra do Ministro da Aeronáutica, endereçado ao Governador do Estado do Maranhão, com pedido de reserva de área para construção do CLA, muitos processos de mobilização foram deflagrados pelas comunidades quilombolas, com o apoio de parceiros do Estado e da sociedade civil.

Esses processos - ricos em ativismo políticos e jurídicos - ainda configuram o tom e o ritmo de uma resistência que se propõe a perdurar no tempo.

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