terça-feira, 5 de setembro de 2017

OS 405 ANOS


São Luís alcançará seus 405 anos no próximo dia 8 de setembro.

A data é um convite à reflexão. Precisamos contemplar a cidade na sua trajetória de séculos, atravessando diferentes conjunturas políticas e econômicas.

Da cidade-forte, trincheira de colonizadores que exterminaram as etnias indígenas locais, até a metrópole atual, promessa de cidade de direitos, mas com inúmeras dívidas sociais e ambientais.

Para fazer a gestão dos interesses diversificados, proteger os direitos fundamentais e conduzir um modelo de desenvolvimento, exige-se hoje atenção a algumas leis de referência.

O Estatuto da Cidade, por exemplo, é um marco nesse debate. Essa lei reconhece que as cidades brasileiras foram incapazes de ofertar direito à cidade para a demanda de cidade real – nas suas desigualdades, complexidades e heterogeneidades. Por isso criou mecanismos de participação e escuta importantes para a gestão nos municípios.

 Outro, o Plano Diretor, deve contribuir para diminuir o abismo entre a cidade real e a legal ao tornar autoaplicáveis alguns instrumentos que corrigem essas distorções, sobretudo naquilo que a cidade contém de mais frágil ou vulnerável.

Infelizmente em São Luís, essas ferramentas normativas não estão a serviço da correção de rumos, como instrumentos de indução e democratização da cidade. Os interesses das trocas mercantis se impuseram sobre todos os outros, por uma opção do gestor.

O instrumento de revisão da legislação urbanística de São Luís, para a qual foi criada uma autarquia - o INCID - colocou como prioridade  atender as demandas do empresariado local, relegando cotas, contrapartidas, compensações, zonas especiais, mobilidade urbana e sustentabilidade para o último plano.

O mercado imobiliário de São Luís pretende ganhar fôlego a partir das mudanças do Plano Diretor, cujo processo foi praticamente sequestrado pelas discussões de gabarito e recuo entre as edificações.

Os empresários da capital maranhense (diga-se aqueles representados pelo Sindicato das Indústrias da Construção Civil do Estado do Maranhão (Sinduscon-MA), confiantes na aliança política com a gestão municipal, até postergaram o lançamento de seus projetos à espera da definição das novas regras legais para construção.

 O Plano Diretor foi revisado pela última vez em 2006, enquanto a Lei de Zoneamento vigente é de 1992. As discussões para a atualização desses instrumentos urbanísticos legais estão em andamento desde o começo de 2014, por meio de audiências públicas, onde a participação popular é dificultada e a escuta se transformou em simples formalidade.

Na Câmara dos Vereadores, a aprovação estará garantida, conforme se depreende das expectativas sinalizadas publicamente pela Associação de Dirigentes de Empresas do Mercado Imobiliário (Ademi-MA).

Enquanto isso, ocorreu, agora (dia 02/09), o Seminário Empresarial Brasil-China, na capital chinesa, Pequim, promovido pela Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex-Brasil), onde a Multinacional CBSteel, anuncia um investimento de cinco bilhões de dólares em nosso estado, incluindo a implantação de um parque siderúrgico e o porto que atingirá a comunidade centenária do Cajueiro, assim como a reserva extrativista do Taim.

Os enclaves econômicos incentivados e apoiados pelo governo do Estado repercutem decisivamente no território da cidade e nos seus entornos, abrigados dentro de um mesmo ecossistema, frágil e estratégico para a reprodução de espécies ameaçadas da flora e fauna, bem com para a preservação dos lençóis subterrâneos e águas superficiais.

Nas décadas de 1970 e 1980, São Luís recebeu investimentos nacionais e internacionais como os da Vale (nome fantasia da Companhia Vale do Rio Doce (CVRD), adotado desde 2007) e do Consórcio de Alumínio do Maranhão (Alumar), além da construção do Porto do Itaqui, abrindo oportunidade para a crise ecológica e para os conflitos ambientais das últimas décadas, implicando em deslocamentos e interdições de acesso ao mar e à floresta.

Posteriormente, o aumento da demanda energética, em grande parte devido às exportações, suscitou a instalação da Usina Termelétrica Porto do Itaqui, causando impactos nas atividades de pesca e agricultura de comunidades da Vila Madureira e Camboa dos Frades, assim como sobre os índices de poluição atmosférica.

Estudos mostram que 30 anos após as instalações das primeiras indústrias na região oeste da Ilha de São Luís o rendimento familiar (soma de todos os rendimentos dos moradores de uma casa) é abaixo de um salário mínimo (R$ 937), e 15%das famílias dependem de carros-pipa, poço ou cacimba para ter água em casa. 

Mais de 85% dos moradores apontaram algum tipo de impacto ambiental na região e responsabilizam as indústrias por conta dessa mudança no meio ambiente, especialmente na agricultura familiar e nas estratégias de sobrevivência das comunidades tradicionais e dos bairros periféricos do entorno da zona industrial.

Em 37 anos , cerca 5 mil hectares de paisagem natural sumiram. O manguezal desapareceu em cerca de dois mil hectares. Uma parte desse manguezal foi cortada para a instalação do porto da Alumar. Espaços utilizados como áreas de pesca artesanal foram eliminados, para a construção de portos

As promessas de geração de emprego e renda não beneficiaram as comunidades afetas. Com a implantação da Alumar, por exemplo, as comunidades de pescadores de Itaperuçu, Santa Cruz e Tainha desapareceram.

Em mais de trinta anos após as instalações das primeiras indústrias na região oeste da Ilha de São Luís o rendimento familiar dos impactados (soma de todos os rendimentos dos moradores de uma casa) é abaixo de um salário mínimo (R$ 937), e 15%das famílias dependem de carros-pipa, poço ou cacimba para ter água em casa. 

Mais de 85% dos moradores apontaram algum tipo de impacto ambiental na região e responsabilizam as indústrias por conta dessa mudança no meio ambiente.

Em 26 anos, 4.432 ha de paisagem natural sumiram. O manguezal desapareceu em 1.437 há. Uma parte desse manguezal foi cortada para a instalação do porto da Alumar. Ao lado de tudo isso, a cidade enfrenta uma crise de abastecimento, cujos reservatórios dependem da resolução da crise ambiental para permanecerem viáveis.

Pois bem. O Plano Diretor está sendo modificado para atender exatamente as demandas dos responsáveis pela crise ecológica e ambiental instaurada.

Por conta de empresas como a Vale, Alumar, Termelétrica a carvão mineral e das cimenteiras, São Luís, hoje, já tem índices de poluição acima dos que são determinados pela Organização Mundial de Saúde (OMS). 

Novas indústrias pretendem ser instaladas em áreas rurais, que hoje são habitadas por inúmeras comunidades, que serão fatalmente removidas, aumentando a concentração populacional urbana, o desemprego e a desorganização de seus mecanismos de sobrevivência.

A estratégia desses grupos agora é deslocar o espaço legítimo de discussão desses temas do Conselho das Cidades para um outro conselho, criado para facilitar a aprovação das mudanças reclamadas pelos interesses empresariais e mercantis.

Nos 405 anos de existência, São Luís precisa de um presente muito mais importante do que saraus e shows, como esses que a prefeitura organiza para disfarçar as mazelas crônicas da cidade.

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