segunda-feira, 13 de fevereiro de 2017
O cidadão de bem
O chamado "cidadão de bem" não é nenhuma novidade.
Hitler era um cidadão de bem para o sistema de sua época.
A inquisição matava no fogo em nome dos cidadãos de bem.
Muitos indígenas foram exterminados ou escravizados em nome da sociedade dos homens de bem.
Os defensores do escravismo eram cidadãos de bem, sem dúvida.
Os capitães do mato prestavam serviços ao cidadão de bem.
A Ku Klux Kam, no idos de 1860, também reunia cidadãos de bem nos EUA.
Em suma, o cidadão de bem é o guardião da moral e dos "bons costumes". Moral e costumes hegemônicos da sociedade numa determinada época.
Por isso, os chamados "homens de bem" costumam perseguir e odiar os diferentes. O homem de bem segue o padrão do macho, branco e proprietário. Esse é o modelo dominante da sociedade. Aliás, é fato curioso não usarem a expressão "mulher de bem".
A mulher de bem não existe. É apenas uma pessoa recatada e do lar. É costela do homem de bem. Um apêndice e um repositório de desejos eminentemente reprodutivos.
Os homens de bem não conseguem lidar com uma sociedade de iguais. Essa sociedade reclama igualdade de direitos, universalidade.
Os homens de bem lutam por distinção (leia-se privilégios) decorrente da posição de classe. Sim, porque não devemos esquecer que ele não apenas é macho, mas é proprietário. Proprietários têm patrimônio, dinheiro.
Por isso, homens de bem são ciosos com as aparências. Pretendem com isso manter os outros no seu devido lugar. As distinções, os títulos e a comendas fazem parte da ritualística dos homens de bem. Eles traduzem isso interessadamente por mérito.
Eles sabem que uma sociedade de iguais é uma ameaça aos seus "méritos". Eles sabem que seus méritos são alcançados na ausência da igualdade. Por isso nada mais ameaçador para um cidadão de bem do que a universalidade dos direitos.
O título de "doutor", sequestrado do academicismo, é um esforço de distinção dos homens de bem. Os anéis de formatura de igual forma. A expressão "você sabe com quem está falando?" é o "abracadabra" do cidadão de bem. É apenas um meio de relembrar sua posição social, excluindo o interlocutor da ambiência dos homens de bem.
Os cidadãos de bem sempre existiram. Eles mudam de rosto, mas seus trejeitos são os mesmos. Eles aplaudiam os enforcamentos e os esquartejamentos. Hoje eles gozam de outras formas, mas sempre ladeando o sistema punitivo com pompas e formalidades.
Para eles, a punição é sinônimo de segurança. É garantia do patrimônio, de um lugar social. Essa estória de ressocialização é apenas conversa mole. O importante é tirar o sujeito do páreo (de circulação).
Bandido bom é bandido morto. É uma expressão nazista. É irmã dessa outra: "índio bom é índio morto." Quer dizer justiçamento, desrespeito a um julgamento formal. Imagine que o sistema de justiça formal já padece de seletivismo. Nem a isso eles chegam.
Bandido é o antônimo de cidadão de bem. Bandido é pobre. Tem que ser. Bacana não é bandido. "Menor" infrator é o pobre. Filho da classe média não é bandido. Ladrão de gravata pode ficar fora da cadeia porque parece com o cidadão de bem.
O sistema penal persegue então os bandidos, que são aqueles que praticam a criminalidade de rua. São os pobres. Os ricos que roubam têm curso superior, via de regra e por via das dúvidas. O cidadão de bem é cristão. Sonega imposto, fura a fila, estaciona em local proibido e dirige na contramão. Se tiver oportunidade de roubar, também rouba, saqueia supermercados e até caminhões de carga tombados.
A representação política por excelência do cidadão de bem é o político corrupto.
Muito cuidado com o cidadão de bem.
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