segunda-feira, 16 de maio de 2016
As lições da derrota e o que fazer doravante - Por Celso Lungaretti
O jornalista Bernardo Mello Franco é um dos muitos críticos do último governo do PT que veem consequências sinistras na queda de Dilma Rousseff: “A posse de Michel Temer deve marcar a mais brusca guinada ideológica na Presidência da República desde que o general Castello Branco vestiu a faixa, em abril de 1964. Após 13 anos de governos reformistas do PT, o país passa ao comando de uma aliança com discurso liberal na economia e conservador em todo o resto”.
Por um dever de coerência, todos que pretendemos contribuir para a emergência de uma sociedade que concretize os melhores anseios da humanidade através dos tempos – a justiça social e a liberdade – tivemos de repudiar o que o governo Dilma se tornou: responsável pela pior recessão brasileira da História e, desde janeiro de 2015, meramente neoliberal (ou seja, empenhado em corrigir suas lambanças anteriores à moda de Milton Friedman, sacrificando os explorados e os coitadezas ao invés de entregar a conta aos que sempre foram privilegiados demais, como os parasitas do sistema financeiro, os predadores ambientais do agronegócio, os detentores de grandes fortunas e os aquinhoados com grandes heranças).
Mas, a partir da descaracterização que a esquerda sofreu nas últimas décadas, isso significou ficarmos, os minimamente coerentes, na contramão dos muitos que passaram a considerar que a alternativa aos governos de direita fosse essa sopa aguada de populismo com reformismo que nos servia o Partido dos Trabalhadores.
Por mais bandeiras históricas que o PT depositasse no arquivo morto, por mais que o Lula candidamente admitisse que os grandes capitalistas nunca lucraram tanto quanto em seus dois governos, por mais esdrúxulas que fossem as alianças firmadas (e os abraços clicados) com vilões da laia de Paulo Maluf, José Sarney, Fernando Collor, Kátia Abreu, o falecido ACM, etc., ainda assim os petistas mais simplórios e os maria-vai-com-as outras da internet continuaram considerando que tal partido era a quintessência da esquerda e nós, que repudiávamos quaisquer dessas aberrações, direitistas enrustidos ou inocentes úteis.
Então, alguns colunistas da grande imprensa que se sentiam incomodados por estarem à margem do não vai ter golpe, mas percebiam que sem o impeachment este país marcharia para a depressão econômica e a explosão social, agora vão, aliviados, reconciliar-se com seus leitores mais desprovidos de espírito crítico, descendo o porrete em Temer e seu ministério.
Não será esta a minha opção. Os colunistas deste blogue, se quiserem, poderão marchar em tal direção, numa boa. Mas, como já me disseram, continuarei sendo um velho teimoso.
No primeiro texto personalizado que escrevi na minha longa trajetória política, em 1968, eu me alinhava firmemente com a revolução e repudiava o reformismo, apoiando-me na obra célebre de Rosa Luxemburgo. Quase meio século depois, minhas mais profundas convicções são exatamente as mesmas.
Acredito, basicamente, que:
o capitalismo já cumpriu seu papel histórico no desenvolvimento das forças produtivas e está tendo sobrevida cada vez mais parasitária, perniciosa e destrutiva –tanto que mantém a parcela pobre da humanidade sob o jugo da necessidade quando já estão criadas todas as premissas para o reino da liberdade, e o 1º mundo sob o jugo da competitividade obsessiva, estressante e neurótica, quando já estão criadas todas as premissas para uma existência fraternal, harmoniosa e criativa;
os meios de comunicação que ele desenvolveu, como a internet, facilitam a disseminação e coordenação dos movimentos revolucionários em escala mundial, de forma que um novo 1968, p. ex., hoje seria muito mais abrangente (está longe de ser utópica, agora, a possibilidade de uma onda revolucionária varrer o mundo, como previa e preconizava Marx);
a necessidade de adotarmos como prioridade máxima a colaboração dos homens para promover o bem comum, em lugar da ganância e da busca de diferenciação e privilégio, será dramatizada pelas consequências das alterações climáticas e da má gestão dos recursos imprescindíveis à vida humana, gerando crises tão agudas que só unidos e solidários conseguiremos sobreviver;
a forte componente libertária original do marxismo tem de ser reassumida, pois os melhores seres humanos, aqueles dos quais precisamos, jamais nos acompanharão de outra forma.
Em termos práticos, isso me leva a colocar como prioridade máxima, doravante, a construção de uma nova vanguarda, que não se limite a querer gerenciar o capitalismo para os capitalistas (en passant obtendo pequenas concessões para os explorados e garantindo consideráveis ganha-pães para seus dirigentes), mas lute pela transformação em profundidade da sociedade brasileira.
É hora de reaprendermos que a alternância no poder característica da democracia burguesa apenas significa que alguns governos imporão rigidamente a supremacia dos valores e interesses capitalistas, até as tensões sociais começarem a se tornar insuportáveis, quando serão substituídos por outros, menos impiedosos, que vão afrouxar os parafusos por algum tempo, até sobrevir uma grave crise econômica e as tensões sociais começarem novamente a se tornar insuportáveis, pavimentando o terreno para a volta da austeridade e do conservadorismo.
Ou seja, a perspectiva é de uma eterna gangorra. Então, se apenas desconstruirmos o governo ruinzinho que começa, levando água para o moinho dos que almejam só trazer de volta em 2018 o governo bonzinho (com o jogo de cintura do Lula no lugar da incompetência e autoritarismo de Dilma Rousseff), contribuiremos para a sociedade brasileira continuar patinando sem sair do lugar.
Temos de avaliar a retomada de alguns valores dos quais nunca deveríamos ter abdicado:
- a colocação da esquerda como alternativa ao Estado burguês e não como seu penduricalho, empenhada em substituí-lo e não em retocar sua maquilagem sem extirpar sua desigualdade intrínseca;
- como consequência, sairmos dele, passarmos a combatê-lo de fora para dentro e a organizarmos nossas forças à margem do Estado e contra o Estado (prescindindo, inclusive, das boquinhas e das verbinhas governamentais, pois o preço da autonomia política é a independência financeira e nada há de errado em sustentarmos nossas organizações e atividades com rifas, eventos, vendas de artigos e contribuições solidárias, como fazíamos outrora); e
- voltarmos a encarar as lutas reivindicatórias e as segmentadas (movimento negro, bandeiras ambientais, feminismo, LGBT, etc.) não como finalidades em si, mas como parte da acumulação de forças para o confronto decisivo com o capitalismo, que é o que realmente definirá se viveremos numa sociedade livre das injustiças, iniquidades e preconceitos.
Ou, até se, meramente, sobreviveremos. Pois, em seus estertores, o capitalismo ameaça destruir os próprios requisitos da existência humana.
* Celso Lungaretti é jornalista, escritor e ex-preso político. Edita o blogue Náufrago da Utopia.
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